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Projeto Diversidade Sexual realiza o “Seminário Ativismo Cultural, HIV e AIDS” e lança o Guia de Sexo Mais Seguro na ABIA


Foi realizada na última quarta feira (26), na Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), no Centro (RJ), o “Seminário Ativismo Cultural, HIV e AIDS” promovida pelo Projeto Diversidade Sexual Saúde e Direitos entre Jovens. De 08h30 às 17h30, jovens, ativistas, estudantes, agentes sociais e demais representantes da sociedade civil reuniram-se no Salão Betinho – principal sala de atividades da instituição.

O pontapé inicial foi dado a partir de um importante tema: a História do Ativismo Cultural dentro da epidemia de HIV e AIDS, no Brasil e no mundo. Com mediação de Angélica Basthi, coordenadora de comunicação da ABIA, coube ao diretor-presidente Richard Parker falar sobre o assunto na Mesa 1. Ao seu lado, Veriano Terto Jr., vice-presidente da ABIA, e Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual Saúde e Direitos entre Jovens completavam a mesa. “Há 25 anos atrás nós não tínhamos essa liberdade cultural que temos hoje, mesmo com todo o retrocesso, para expressarmos nossa homossexualidade e outras sexualidades . E isso é muito importante porque diz respeito a nossa liberdade de expressão. E, historicamente, a ABIA sempre desenvolveu trabalhos com artes através do teatro, da dança, de manifestações culturais em igrejas, escolas, boates, tablados, terreiros e outros espaços”, contou Almeida sobre a importância da cultura como instrumento de enfrentamento ao estigma, preconceito e discriminação do HIV e da AIDS. E advertiu: “o ativismo cultural tem que continuar. Um dos marcos mais importantes na história do Ativismo Cultural na ABIA, foi do projeto “Teatro Expressionista Sexualidade e AIDS para HSH – Homens que fazem Sexo com Homens”, onde jovens e adultos através da arte contaram histórias de suas próprias vidas através da escrita, do teatro, do cinema e das atividades multi culturais que eram desenvolvidas  tanta na ABIA quanto em locais de interação homoafetivas. Temos que formar novos pensadores, fora de uma linguagem acadêmica. Até mesmo para que o/a jovem possa amanhã ou depois construir uma forma de dizer dentro de casa com seus pais que é um LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais), por exemplo”.

Em seguida, Parker iniciou sua fala enfatizando os desafios da epidemia e criticou o discurso “triunfalista” que muitos setores do movimento AIDS se apóia (como do fim da AIDS e que, em sua opinião, não contribui ou contribuiu significativamente para enfrentar os problemas, ressaltando inclusive a realização momentânea da 22º Conferência Internacional de AIDS, em Amsterdã, na Holanda. Mas suas aspas concentraram-se em evidenciar o histórico do enfrentamento da epidemia de AIDS, subdividindo suas análises em quatro atos, tal qual os quase 40 anos da epidemia. “A comunidade de gays foi uma das primeiras a serem afetadas pela epidemia e a homofobia foi uma das primeiras consequências  disso. E essa associação demandou uma resposta, porque não havia tratamento e o estigma impedia que se cuidasse dessas pessoas. Como resistência e construção foram necessárias algumas medidas como aprender a arte de cuidar, por exemplo”, disse destacando como exemplo a antiga Casa de Apoio Brenda Lee, que dava assistências as pessoas afetadas pelo HIV, especialmente travestis e transexuais, em São Paulo.

O diretor-presidente também deixou claro que a invenção do sexo seguro passou justamente pela postura adotada dentro das comunidades mais afetadas, especialmente de homossexuais, contrariando a ideia biomédica pela qual o conceito muitas vezes é associado. Foi a partir daí que a noção e a resistência via o ativismo cultural ganhou mais força e diversos símbolos, campanhas, e outras ações se disseminaram pelo mundo como enfrentamento à AIDS. “E nesse momento a ousadia foi uma importante característica . Não era possível chegar com a informação sem ousar, sem se comunicar diretamente com a prática das pessoas, com suas características e linguagem”, complementou Parker.

 

Construção da Solidariedade e Repolitização da AIDS

Um dos pilares desse momento e movimento foi a construção da solidariedade, algo tão enfatizado e praticado por Herbert de Sousa, o Betinho, um dos fundadores da ABIA. Através de redes transnacionais de cooperação, foi possível demandar novas conquistas pelo acesso ao tratamento, como no Brasil em que é garantido e distribuído de forma universal e gratuita, enfrentamento ao patenteamento dos medicamentos por conglomerados farmacêuticos  e investimentos robustos no campo da AIDS e suas organizações não governamentais, entre outros entes de mobilização social civil.

Entretanto, no momento, segundo Parker é necessário uma repolitização da epidemia. Isso porque o crescente aumento de ondas conservadoras, lideradas por representantes de direita e extrema direita, de cunho populista, enfraquece o combate à AIDS. “Por isso é importante resgatarmos o ativismo cultural ressignificando as relações entre Direitos Humanos e Justiça Social, retornando aos seus princípios, para que cheguemos ao ponto onde queremos”, finalizou ele.

Já Veriano Terto Jr questionou em sua fala o tema do Sexo Seguro e seus desafios na contemporaneidade. “Estou na ABIA desde os anos 80 e naquela época conseguíamos trabalhar prevenção e sexualidade dentro de empresas como Vale do Rio Doce, Banerj, BNDES e Caixa Econômica. Aí eu fico me perguntando: será que hoje eu conseguiria fazer isso ainda?”, indaga. E completa: “por isso eu acho que mais do que repolitizar a epidemia, é necessário ressensualizar a epidemia na prevenção e no sexo seguro porque perdemos esse estilo”, afirmou. Para ele, a retomada da autonomia, da escolha, da liberdade das pessoas é o mais importante, aliando esse libre arbítrio com a informação como direito longe de moralismos e dogmas impostos por representantes higienistas e radicais sobre sexo, sexualidade e gênero.

 

Protagonismo Jovem e HIV/AIDS

Esse foi o tema da segunda mesa matinal do Seminário. Mediado pelo assistente de projetos Jean Pierry Oliveira a mesa foi composta pelo jovem ativista em HIV/AIDS, Direitos Humanos e articulador da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens que vivem com HIV/AIDS Jean Vinícius e pela estudante de teatro e atual coordenadora dos Grupos de Trabalho(GT’s) de Advocacy e transmissão vertical da Rede Jovem Rio+ Letícia Cabral.

Durante esse momento, foi destacado todas as intempéries da juventude positiva, isto é, como os jovens lidam com a questão da infecção pelo HIV – seja por via sexual ou por via vertical, quando se infecta através do parto ou amamentação – e questões relativas ao sexo, sexualidade, gênero e raça como problemáticas transversais. “Eu descobri minha sorologia aos nove anos de idade quando questionei minha mãe porque só eu apanhava pra tomar os remédios e meus irmãos não. Pra mim foi sim uma surpresa, no início eu culpava muito meu pai pelo que aconteceu, por ele ter(o vírus HIV), não ter contado pra minha mãe  e ter infectado ela. Ele morreu em 2004 já muito doente, sem andar e enxergar. E depois de um tempo eu parei de culpá-lo e de me vitimizar também”, contou ela. E completou: “hoje em dia eu posso dizer que não é fácil, mas também não é tão difícil pra mim viver com HIV. Tenho minha vida sexual normal, não me vejo na obrigação de revelar para a pessoa com quem eu transo a minha sorologia, mas se for um relacionamento sério eu me sinto na obrigação de revelar. E hoje faço da minha presença na rede, onde temos 770 jovens, uma forma de apoio onde eu além de coordenar tenho que ser amiga, psicóloga, mãe e outras funções”.

Já Jean Vinícius trouxe à tona as questões de raça, classe e gênero como informantes de determinantes sociais que vulnerabilizam indivíduos, conforme suas características. Em outras palavras o ativista disse que “quando se fala em pessoas vivendo com HIV temos que saber se estão falando dos mesmos como sujeitos de direito ou sujeitos de observação. Principalmente quando é sobre jovens vivendo com HIV. O jovem é silenciado e muita das vezes é o principal responsabilizado pela sua sorologia. Mas existem os marcadores sociais que influenciam nisso diretamente e fazem com que esse jovem não seja o vulnerável, mas sim vulnerabilizado. Ângela Davis em seu livro Mulheres, Raça e Classe já diz isso: que sua experiência é atravessada pelo gênero, que informa a raça, que informa a classe e intersecciona seus enfrentamentos em nível social, econômico, cultural etc”, explicou.

Além disso os jovens foram sabatinados via participação online dos internautas que acompanhavam o Seminário via transmissão realizada pelo Facebook e tiveram a oportunidade de falarem sobre sexo, desafios encontrados no sistema público de saúde, tratamento e prevenção do HIV, estigmas, aumento das infecções entre os mais jovens etc.

 

A Perspectiva do Ativismo Cultural na Prevenção  

No início da tarde, a terceira mesa do dia tratou da Perspectiva do Ativismo Cultural na Prevenção. Com moderação de Juan Carlos Raxach, assessor de projetos da ABIA, participaram da mesa o estudante de jornalismo e atual coordenador de Comunicação, Educação e Saúde da Rede Jovem Rio+ Anselmo Almeida, a assessora parlamentar da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e colaboradora do Coletivo CASANEM/PREPARA NEM Wescla Vasconcelos e o estudante de psicologia da Universidade Federal Fluminense e redutor de danos e liderança em HIV/AIDS Phillipe Rocha.

Universitário de uma instituição privada, Anselmo revelou sua dificuldade em se trabalhar com cultura – para além do acadêmico – e com o protagonismo dos LGBTI’s, negros e mulheres nesses ambientes. “Eu consegui criar um grupo LGBTI na Unicariica, mas não foi fácil. Nem diretório estudantil tinha. É uma universidade muito fechada. Mas hoje em dia eu consegui reunir e transversalizar um coletivo onde negros, jovens, LGBT’s e outros conseguem se juntar”, afirma. O jovem ainda completou sua fala criticando a maneira como as ações culturais, de prevenção e outras iniciativas são encontradas e distribuídas no Rio de Janeiro onde “só ficam de um lado do túnel e, no máximo, quando passa chega até o Méier e volta”, com a propriedade de quem mora no distante e carente bairro de Cosmos, na zona oeste da capital.

Já Phillipe Rocha evidenciou suas experiências com o trabalho realizado com populações em situação de rua, no CAPSad (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) de São Gonçalo, região metropolitana do Rio, e com a estratégia pública de saúde da Redução de Danos. “Nós atuamos com população trans, população de rua, usuário de drogas e trabalhamos a cultura dentro dessa perspectiva prevencionista com a informação colada em postes, nas praças, pontos de ônibus e bancas de jornais, de forma que aquilo modifique aquele lugar e crie uma intervenção”, explicou ele. E completou: “quando a gente fala em Cultura temos que levar em conta os fatores como sujeito, em suas dimensões diversas, e no nível macro de governos e gestão. Então o ativista cultural ou o profissional de saúde será um intermediador, não de mudança, mas de saber o tipo de lugar que eu ocupo aqui”, encerrou.

Cearense radicada há dois anos no Rio de Janeiro, Wescla Vasconcelos trouxe a travestilidade para a mesa. Formada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, no interior de seu estado e sendo a primeira pessoa trans a realizar esse feito, sua luta até lá começou desde muito nova dentro da casa para resistir a violência doméstica que sofria ao lado de sua mãe praticada por seu próprio pai. E foi desde sua adolescência, já ciente da busca por seus direitos, que começou a enganjar-se em mobilizações sociais LGBT’s, de saúde e educação. Sobre viver atualmente na grande metrópole carioca, ela afirma que “resistir como travesti no RJ é muito difícil. É muita luta resistir com minha manas na rua. Atualmente sou assessora parlamentar na Câmara(de Vereadores) do Rio e é um espaço extremamente machista e homofóbico, que sempre foi difícil para as mulheres, e que para travestis e transexuais é pior ainda porque é carregado de ódio, de transfobia”.

Além disso, ela passou a limpo a horripilante taxa de mortalidade (entendida sobretudo como assassinatos) da população de travestis e transexuais no Brasil, líder mundial nesse triste ranking. Segundo Wescla, somente em 2018 já foram mortas 96 pessoas trans no país, o que corresponde a um aumento de 50% em relação ao último ano, de acordo com dados acompanhados, mas ainda não totalmente fechados, conforme o mapeamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). “O que nós estamos precisando é lutar. Lutar pelos nossos direitos como cidadãos e, no caso das pessoas trans e travestis, a luta é por sobreviver. É lutar para dormir e acordar viva”, encerrou alertando.

Durante as perguntas do público, feitas pela plateia, os palestrantes falaram acerca de desafios do ativismo cultural, ressignificado da prevenção, resistência diante das opressões entre outros assuntos. Encerrando a mesa 3, Wescla recitou um poema em forma de cordel chamado “Sertransnejas”, do grupo Xica Manicongo do qual ela faz parte junto com outras travestis e transexuais oriundas do Nordeste e radicadas no Rio.

 

Ativismo Cultural e os Novos Meios de Comunicação

A última mesa do Seminário teve mediação da assistente de projetos Jéssica Marinho, do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens e contou com a participação do jovem Leonardo Aprígio, coordenador dos GT’s de Acolhimento e Eventos da Rede de Jovem+ e estudante de psicologia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), da psicóloga e ativista social em Direitos Humanos e HIV Rafaela Queiroz e a estudante de Comunicação Social e pré-candidata a deputada estadual do RJ Barbara Aires.

Aprígio disse que a informação é um pilar de comunicação para quebrar as resistências e a ignorância ainda impostas pela sociedade para pessoas vivendo com HIV/AIDS. “Uma coisa que me marcou muito foi quando uma senhora me disse ‘meu filho, porque você tão novo fez isso com a sua vida?’. Mas essa pessoa não pode dizer isso. Porque se eu for (infectado) por (transmissão) vertical? E aí?”, advertiu. Para Rafaela Queiroz ser um(a) ativista cultural passa por alguns fatores, para que a comunicação construa uma rede de solidariedade. Tais como:

  • Interação entre sujeito ativo e passivo;
  • Visão macro das situações;
  • Não visa o individualismo;
  • Impõe o coletivismo e Solidarismo;
  • Ativismo é Idealista.

 

“A gente precisa pensar em algumas coisas. A UNAIDS fez um jogo focando na questão do HIV e jovens com foco nas redes sociais, mas só deu (o protagonismo) para pessoas  brancas que são Youtubers. Mas e aí? Cadê os youtubers negros que falam de HIV? Não existe? E essa galera não podia ouvir os outros? Então assim, a gente sabe que o nome UNAIDS é importante e abre portas, mas não é só isso”, criticou.  A partir disso, criou o trabalho que realiza em conjunto com outras jovens mulheres negras para falar sobre feminismo, HIV, negritude, juventude, resistência e poesia chamado Florescer. E entre as principais demandas surgiram questões como: PEP, IST’s, prevenção, relação sorodiscordante (quando um tem o HIV  e o outro não tem), Racismo, carga viral indetectável (quando não há possibilidade de transmissão do vírus HIV), solidão da mulher negra etc.

“O que traz alguém para o ativismo?”. Essa pergunta foi o ponto de partida e de fala de Barbara Aires no Seminário. Afirmando que isso se dá ou pelo amor ou pela dor, ela disse reconhecer que apesar dos seus privilégios enquanto branca, loira e dos olhos claros – mesmo sendo uma mulher trans – ainda se depara com muitas dificuldades especialmente por ainda não ter o nome retificado de acordo com o gênero com o qual vive e se identifica. “Nós não vivemos na Suíça onde há igualdade e paridade de direitos. Aqui há o racismo, há o HIV/AIDS como estigma, não há meritocracia. E é preciso reconhecer as especificidades de cada um com suas diferenças”, disse. Um dos pontos de crítica em suas observações girou em torno do esvaziamento do ativismo que não atrai mais a sociedade civil por um lado, para algumas questões, mas mobiliza para outros como se vê em paradas do orgulho LGBT. “Além disso hoje em dia existe muito o ativismo do sofá, do Facebook.  Onde a pessoa posta um textão e acha que tá militando e tá tudo certo”.

Questionada para falar sobre sua atuação como profissional e colaboradora dentro da Rede Globo, em programas que trataram a transexualidade como Fantástico, Amor & Sexo, Encontro com Fátima Bernardes e ainda na TV fechada como no canal GNT, Aires disse que “hoje em dia eles vem falando um pouco mais até do que na época que eu estava lá. Temos que lembrar porém que a TV Globo e outras são concessões públicas, mas que atuam como entidades privadas pois visam o lucro. Então na medida em que começam a perder audiência é preciso recuperar. No último Amor & Sexo eu achei que eles não trataram do tema com tanta liberdade como nas primeiras edições, mas parece que terá uma nova edição e eu espero que volte a ser como era antes. Pelo menos percebo isso pelas pessoas LGBT’s que vêm sendo convidadas para gravar. Mas também entendo que isso só está lá porque, claramente, nossa militância está pautando, está cobrando. Porém sair da militância e chegar só na TV não adianta. Tem que passar daí e chegar nas mãos daqueles que tem o poder de assinar, de propôs leis e políticas públicas, para de fato ser efetivo e garantir os nossos direitos como lutamos”, enfatizou. Após o fim do Seminário, a ABIA lançou a publicação  “Guia do Sexo Mais Seguro – uma publicação sobre sexo, prazer e saúde no Século 21″.

O “Seminário Ativismo Cultural, HIV e AIDS” foi mais uma realização positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens com apoio da MAC AIDS Fund.

 

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