O pernambucano Gustavo Germano tinha 30 anos quando deixou a psicóloga que o atendeu pela primeira vez aos 13. Ele procurou ajuda profissional por sugestão da igreja evangélica que frequentava no Recife, segundo a qual sua orientação sexual seria resolvida por “oração e acompanhamento psicológico”. Depois de ser tratado por essa comunidade religiosa como um símbolo do sucesso da terapia de reversão sexual, ele, aos 32 anos, reconstroi sua vida em uma igreja inclusiva, que acolhe sua orientação sexual e sua devoção.
— Eu era o jovem mais exemplar da igreja. A LGBTFobia ficou mais exposta depois que me assumi. Minha vida foi destruída. Meus amigos não iam mais à minha casa, as pessoas não me chamavam mais para sair e, infelizmente, pela bolha em que convivi, não tinha outros amigos além dos que conquistei na igreja — diz ele, que, entre idas e vindas, frequentou o consultório da psicóloga para a chamada terapia de reversão sexual, popularmente conhecida como “cura gay” durante cinco anos, dos 17 aos 19 e dos 27 aos 30.
Atualmente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) suspende a realização desse tipo de terapia no Brasil. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tirou a homossexualidade da lista de doenças mentais.
Germano reforça que a profissional indicada pela igreja pretendia “curar” sua sexualidade:
— Para a psicóloga, nós éramos gays por problemas emocionais. Se a gente os resolvesse, deixaríamos de ser homossexuais. Eu considero esse processo muito obscuro e violento. Apesar de sempre ter me tratado com essa profissional, não sabia até onde ela estava sendo antiética comigo.
Com um histórico de abuso sexual na infância, Germano chegou a se questionar se a sua orientação sexual teria sido motivada pela violência que sofreu. Aos 16 anos, ele fez por conta própria o “jejum de Daniel”, uma dieta de 21 dias à base de água e frutas, para “tirar demônios do corpo”. Como resultado, desenvolveu uma infecção intestinal de alto risco.
Diante dos insultos e exclusões que enfrentou, Germano decidiu “excluir todas as redes sociais e começar uma nova vida, dessa vez, assumido”. Mudou-se de Recife para Natal e, sem abandonar a religião, passou a frequentar uma igreja inclusiva com o namorado. Anos mais tarde, quando voltou a sua cidade natal, retornou à igreja onde passara a infância e grande parte da juventude. Ao iniciar um relacionamento com uma menina, passou a ser chamado de “ex-gay” e foi apresentado à comunidade religiosa como um símbolo da “cura gay”. Ele diz que embora não acreditasse em uma cura para sua orientação sexual, decidiu aceitar a decisão da igreja para evitar novos ataques preconceituosos.
— Eu não acreditava na cura gay, mas dizia que sim porque era conveniente. Para nós que somos LGBT+ seria mais fácil sermos heterossexuais. Poderíamos ter família, amigos, sair com o companheiro sem sermos julgados e até irmos à igreja. Preferi me enganar — explica.
O relacionamento com uma mulher não foi para frente. Germano sabia que não sentia atração por elas e foi justamente um amor que o fez mais uma vez desativar as redes sociais e se assumir dentro de uma nova igreja, inclusiva. Ele diz que se tornou um “ex ex-gay”.
— A interpretação da religião sob a teologia negra e feminista me fez entender de outra forma. Era tudo em que eu acreditava e o que precisava — diz.
Apesar da igreja inclusiva ter crescido nos últimos anos e ter sido peça primordial para Germano se assumir como cristão LGBT+, ele ressalta que o cenário político brasileiro atrapalha o avanço dessas discussões dentro das igrejas fundamentalistas.
— Nós estávamos começando a conversar nas igrejas e, de repente, chega o movimento conservador que contribui para a destruição de famílias. Filhos são colocados para fora de casa por causa de sua orientação sexual, muitas vezes por sugestão dos líderes das igrejas — afirma Gustavo, para quem as instituições religiosas devem entender que o mundo está mudando e que elas vão precisar mudar também. — A igreja é feita por pessoas e não dá para ignorar que há uma maioria grande LGBT+ no mundo.
Fonte: O Globo