Nove entre dez pessoas se derreteram com “Para todos os garotos que já amei” desde o lançamento na Netflix em agosto, segundo avaliação do público no site Rotten Tomatoes. Mais que o charme do novo galã teen Noah Centineo, ou a graça da novata Lana Condor, o filme chamou atenção pela sutileza com que retrata o romance na juventude.
Lara Jean, de ‘Para todos os garotos que já amei’, é uma protagonista não convencional, porque:
- Não é sexualizada
- Não passa por uma mudança de visual que revelará sua beleza escondida
- Não foi feita para promover a redenção do menino amado e problemático (a famosa manic pixie dream girl).
- É uma adolescente absolutamente normal. Poderia ser você, sua irmã, uma amiga da escola.
Outros filmes adolescentes lançados recentemente também romperam com a fórmula de “high school” americano de clássicos do estilo como “Meninas Malvadas”, “A Nova Cinderela” e “Ela é o cara”. Cada filme representa uma das principais divas adolescentes nos anos 2000: Lindsay Lohan, Hilary Duff e Amanda Bynes.
A impressão geral é que há algo diferente nas novas produções. “Lady Bird”, primeiro longa solo da diretora Greta Gerwig, foi o mais vitorioso desse novo momento do gênero. Ao ser indicado a 5 Oscars em 2018, ele mostrou que as produções de “coming of age” (amadurecimento) podem ser mais do que brigas de tribos no ensino médio.
Logo depois, veio “Para todos os garotos que já amei”. Esperando repetir o sucesso, a Netflix apostou em outro filme com temáticas complicadas.
Em setembro, saiu “Sierra Burgess is a Loser”, sobre uma adolescente que sofre gordofobia. Apesar de falar de bullying e aceitação, o filme recebeu críticas por não ter elementos tão bem explorados em seus antecessores: sutileza e negação dos clichês.
Em maio deste ano, o cinema abordou a descoberta da sexualidade (e todos os dilemas que a seguem) de um adolescente gay em “Com amor, Simon”. A luta interna e externa são retratadas sem estereótiposs no longa de Greg Berlanti.
As produções mais recentes vêm se transformando para incorporar valores em alta, sobretudo entre os jovens, como:
- Preocupação com saúde mental
- Aumento da diversidade
- Respeito à orientação sexual
- Mais empatia entre os personagens
- Empoderamento feminino
- Aceitação do corpo
Mas a fórmula para conquistar uma legião de fãs não é tão simples quanto levantar todas as bandeiras do politicamente correto.
“Às vezes, os filmes apresentam diálogos que parecem sermões ou aulas e isso incomoda porque as pessoas não conversam desse jeito. Se o filme utiliza esse recurso para defender uma causa, é um tiro no pé”, avalia o psicólogo Antônio Carlos Amador, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Além disso, os filmes aprenderam a tratar o adolescente com respeito, segundo a professora Tatiana Travisani, coordenadora do Curso de Cinema da Universidade Anhembi Morumbi.
“Mudou a abordagem. Antes, eles tratavam o adolescente de modo um pouco pejorativo, como pessoas perdidas e caricatas. Agora, os filmes os levam a sério e mostram que seus problemas não são ridículos’”.
Quais os elementos do sucesso?
Gênero consagrado
John Hughes se tornou o herói das comédias adolescentes após dirigir “Curtindo a vida adoidado”, “Clube dos Cinco”, “Gatinhas e Gatões” e “Garota Rosa Shocking”.
Com status de cult hoje, eles são retratos bem-humorados desta fase complicada. O gênero é consagrado e queridinho dos jovens porque cria um elo entre o que vivem e o que veem nas telas, usando seu cotidiano para criar ficção.
Personagens comuns
Identificação e representatividade são valores reivindicados pelos movimentos de igualdade. Personagens com dilemas, com rostos, corpos e famílias reais têm ganhado o coração dos espectadores.
Para Travisani, a identificação sempre foi uma temática importante e acabou criando o “modo espelho”, em que as pessoas anseiam se reconhecer no que veem. “Isso mudou inclusive o modo de atuação, uma vez que o ator traz elementos de sua personalidade para deixar os personagens mais verossímeis”.
Thaís Moreira, estudante de 23 anos, tem acompanhado a nova leva de filmes: “Pela primeira vez, eu assisto a um filme adolescente e sinto que aquela situação poderia acontecer comigo ou qualquer uma das minhas amigas”.
Saúde mental
Ansiedade, estresse e depressão têm ganhado cada vez mais visibilidade no Brasil e no mundo. Com o crescimento do debate, o assunto também ganhou filmes.
“Não faz sentido fazer um tratado sobre transtornos mentais em um filme”, defende Amador. “Mas ele também não pode ser raso. É preciso ter uma boa consultoria para não desencadear justamente o que se busca combater”.
Geração combativa
Movimentos como o “Me too”, que tomou hollywood por igualdade de gênero com pautas contra o assédio e igualdade salarial, ajudam a incorporar na indústria essa preocupação com uma sociedade igualitária.
Parece não existir mais espaço para produções que sejam “politicamente incorretas” ou que reproduzam estereótipos e papéis que as minorias não aturam mais representar.
LGBT
Um romance adolescente protagonizado por homossexuais, sejam homens ou mulheres, não costumava ser comum.
“Com amor, Simon” e “Me chame pelo seu nome” mostraram o que o cinema estava perdendo ao não explorar a beleza das relações homossexuais nesta época de amadurecimento e deu aos jovens gays e lésbicas retratos cinematográficos dos amores que vivem e viveram fora das telas.
Fonte: G1