“A crise de Covid-19 abalou o mundo. Isso deixou todas as pessoas com medo e muitas delas enlutadas. Prejudicou economias, enfraqueceu os sistemas de saúde e prejudicou progresso rumo a todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Atingiu as pessoas mais vulneráveis com mais força. Em todo o mundo, tomadores de decisão se encontraram em situações extremamente desafiadoras, mal preparados e com poucos recursos, e tiveram a responsabilidade de agir rapidamente com base em informações incertas.
Muitas ações exemplares foram tomadas, salvando vidas e protegendo meios de subsistência enquanto os governos trabalharam com as comunidades para fornecer transporte médico de emergência gratuito, estender serviços de água, colocar moratórias em ações de despejos, fornecer abrigo temporário, suprimentos de comida de emergência ou benefícios em dinheiro, implementar entrega comunitária ou distribuição de remédios para múltiplos meses, instituir programas de liberação de detentos para reduzir a superlotação e diminuir o risco de pandemia e gastar milhões para mitigar as perdas salariais. No entanto, para garantir uma resposta eficaz a esta crise que se desenrola, é necessário aprender com o que não deu certo.
Isso é crucial para cumprir o mandato do Unaids e seu Programa Conjunto. Em nosso trabalho em nível local, apoiando governos e comunidades, vimos como a crise da Covid-19 exacerbou as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que vivem com HIV, inclusive no acesso a cuidados de saúde capazes de salvar vidas. Também vimos como a crise ampliou as desigualdades sociais e econômicas que aumentam a vulnerabilidade ao HIV de grupos marginalizados – incluindo meninas adolescentes e mulheres jovens, pessoas LGBTI, migrantes, trabalhadoras e trabalhadores do sexo, pessoas que usam drogas e pessoas privadas de liberdade. É claro também que a crise não é apenas um problema de vírus. Em muitos casos, os efeitos indiretos da resposta tiveram um impacto ainda mais profundo que o vírus sobre os grupos marginalizados. A derrota da aids depende de como o mundo responde à Covid-19.
Quatro décadas de aprendizado com o HIV demonstraram a relação essencial entre os direitos humanos e a saúde pública e, portanto, como uma referência para esse aprendizado, o Unaids recebeu o mandato de ajudar a colocar essas lições em prática. Para superar a Covid-19 e evitar atrasos no progresso da superação da aids, os países precisarão construir respostas à Covid-19 com base no respeito aos direitos humanos e na escuta dos mais marginalizados. O objetivo deste relatório é ajudar os governos e outras partes interessadas nacionais a fazer exatamente isto.
Este relatório foi produzido porque observamos, na primeira fase da resposta à Covid-19, muitos casos em que as abordagens punitivas e discriminatórias prejudicavam os mais vulneráveis e, ao fazê-lo, impediam o progresso no combate à Covid-19 e ao HIV. É vital estudá-los para garantir que sejam evitados no futuro. Os exemplos compartilhados no relatório são de 16 países com prevalência significativa de HIV e onde estudos de casos mais completos puderam ser reunidos. As questões evidenciadas por estes exemplos vão muito além desses países e os elementos neles descritos foram relatados em todo o mundo. Os exemplos ilustrativos são incluídos não para restringir o foco da discussão apenas aos seus países de origem, mas para ilustrar abordagens que refletem muitas nações. Os exemplos são uma fotografia instantânea de um período entre fevereiro e maio de 2020. Em várias situações, os governos tomaram medidas muito bem-vindas para abordar casos específicos, e tanto o relatório quanto o progresso de nosso trabalho em conjunto nos países se beneficiaram muito das nossas conversas construtivas sobre os exemplos incluídos. O objetivo de compartilhá-los neste relatório não é atribuir culpas, mas ajudar o mundo a aprender lições de casos concretos, incluindo exemplos onde ações judiciais ou governamentais ajudaram a retificar impactos prejudiciais aos direitos registrados anteriormente, para apoiar os avanços na eficácia da resposta em todos os países do mundo.
Estamos aprendendo mais sobre a Covid-19 e sobre a resposta no dia a dia. Aprender e se adaptar é fundamental para o sucesso. Nós convidamos e esperamos continuar as conversas com governos e outras partes interessadas para trocar experiências, fortalecer planos e continuar a aprender sobre como podemos melhor apoiar os países em nosso trabalho conjunto.
O que este relatório destaca, acima de tudo, é que, em vez de uma resposta de saúde pública e uma resposta baseada em direitos serem pólos opostos, as respostas de saúde pública só são totalmente eficazes se forem absolutamente fundamentadas nos direitos humanos e tiverem a confiança e a segurança inabaláveis das comunidades. Quando a transmissão de doenças ocorre entre humanos, os direitos humanos devem ser o motor fundamental da resposta. Discriminação, estigmatização e criminalização de comunidades marginalizadas são ruins para a saúde de todas as pessoas. Nenhuma pessoa está segura até que todos nós estejamos seguros. Quando, em contraste, garantimos que nenhuma pessoa seja deixada para trás ou empurrada para trás, isso nos ajuda a seguir em frente.
A boa notícia é que não precisamos abrir mão de nossos direitos humanos para preservar nossa saúde. Os direitos humanos não são apenas intrínsecos, mas também o meio pelo qual os governos podem vencer uma pandemia. Venceremos a Covid-19 e venceremos a aids, enquanto – e se de fato – valorizarmos os direitos e a dignidade de cada pessoa. As conversas geradas por este relatório nos ajudarão a fazer isso.
O Programa Conjunto está trabalhando lado a lado com governos, sociedade civil e comunidades para promover uma resposta baseada em direitos humanos para as pandemias duplas de HIV e Covid-19 e juntos seremos bem-sucedidos“.
Por Winnie Byanyima, diretora- executiva do Unaids.
Clique aqui para acessar o relatório Direitos em uma pandemia – lockdowns, direitos e lições do HIV na resposta inicial à Covid-19 (pdf).
Fonte: ONU