Teve início na tarde da última terça feira (05/11), no Hotel Atlântico Prime, na Lapa (RJ), a edição do Fala, Comunidade! 2019. Promovida pelo Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), o tema deste ano focou na Prevenção Combinada do HIV em contextos de favelas, aldeias, quilombos e territórios de periferias brasileiras.
Para abrir o evento Kátia Edmundo, diretora do CEDAPS, deu às boas-vindas aos convidados. “Quero agradecer a presença de todos vocês. Essa é a nossa 18ª edição e desde 1999 fazemos desse encontro algo histórico junto aos povos de comunidades e territórios”. Além disso, ela ressaltou a importância do Fala Comunidade. “Estamos aqui porque a nossa realidade não muda sozinha. Precisamos estar unidos, conhecer os problemas para resolvê-los”. Para tanto, foi repassado o trabalho desenvolvido Brasil afora pelas ONGs integrantes das Redes de Comunidades Saudáveis, algumas inclusive presentes no salão do hotel.
Mesa de Abertura
A importância de favelas, periferias e quilombos na prevenção de IST/HIV e Tuberculose foi o eixo central da mesa de abertura composta por CEDAPS, Ministério da Saúde/Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, SES/Gerência de AIDS e SES/Gerência de Tuberculose, Fórum AIDS-RJ e Fórum Tuberculose-RJ e assessor do gabinete da Deputada Estadual Martha Rocha (ALERJ).
Abrindo os diálogos Juliana Rebelo (SES/Ger. De AIDS) trouxe a perspectiva da epidemia de AIDS para o Fala, Comunidade!2019. A meta 90-90-90 (90% das pessoas infectadas diagnosticadas, destas, 90% em tratamento e, destas, 90% com carga viral indetectável) e a agenda prioritária no combate às novas infecções foram evidenciadas em sua apresentação. O cenário, porém, não é dos melhores, pois os recursos disponíveis para a saúde e educação são irrisórios para o campo, o que resulta no sucateamento do SUS e, consequentemente, do atendimento a população.
43 mil leitos para internação foram perdidos pelo SUS em 2018, sendo metade – quase 36% – só no Rio de Janeiro. A violência deflagrada por uma profunda desigualdade social e, sobretudo, racial também vulnerabiliza a população de negros e negras em números aterrorizantes de homicídios e assassinatos, conforme apontado pelo Atlas da Violência. “Essa contextualização foi para mostrar o quanto é difícil trabalhar com essas situações, no nosso trabalho lá na Gerência”, sintetizou Rebelo. Dados coletados entre 2000 e 2018, no estado do RJ, corroboram isso: só nesse período houveram 88.939 casos de AIDS, sendo:
- 715 casos notificados no SINAN;
- 125 casos registrados no Siscel/Siclom;
- 099 óbitos registrados no SIM
Fórum ONG AIDS-RJ
Logo em seguida Vagner de Almeida – coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) –, representando o Fórum de ONGs AIDS do RJ, foi o responsável pela apresentação. Apontando os problemas estruturais envolvidos com a questão HIV/AIDS, Almeida disse que “esse atual cenário que vimos na apresentação anterior mostra que não tá fácil. Não há nada bem. Mas isso não começou agora com esse atual governo, isso vem de muitos outros. E eu estou nesse cenário de HIV/AIDS desde 1984, quando muitos não eram nascidos, e desde a criação do Fórum de AIDS RJ – justamente para se articular e enfrentar isso”, chamou atenção.
Aliás, o coordenador apontou que é preciso olhar o passado para entender o presente. Segundo Almeida, o Fórum de ONG AIDS Rio e o movimento de AIDS “tem uma antropologia e etnografia muito importante para aprendermos lições da epidemia. Mulheres como Cleide Jane, Tânia, Ana Leila e outras são fundamentais para trazer as pessoas e as comunidades para a solidariedade. Assim como foi com aqueles amigos que já morreram”, pontuou fazendo citação a três importantes lideranças comunitárias do movimento social, principalmente da Baixada Fluminense.
O retrocesso político e social, além de vulnerabilizar indivíduos, derruba a autoestima. Mas para Vagner de Almeida é preciso resistir. “Temos que lutar (e) nos fortalecer como redes, fóruns, entidades e movimentos sociais para permanecer vivos. Temos um desmonte do SUS (Sistema Único de Saúde), um enfraquecimento geral e não podemos ser derrotados por isso”. Outro ponto de destaque em sua fala foi sobre recuperar a identidade do Fórum, com a inclusão de mais integrantes jovens, LGBTs e idosos, por exemplo. “Temos que lembrar que Direitos Sexuais também são Direitos Humanos”, encerrou.
Fórum Tuberculose-RJ
Uma das coinfecções mais famosas do HIV/AIDS a tuberculose ganhou espaço na presença de Roberto Pereira. “A tuberculose é uma das principais mortes de pessoas com HIV. E ainda há muito estigma sobre ela”, afirmou. Segundo ele, à exemplo do Fórum AIDS-RJ, o Fórum TB-RJ foi criado para incidir sobre políticas sociais e de mobilização voltadas para a enfermidade no Rio de Janeiro.
“Fizemos alguns seminários no Brasil e no Rio de Janeiro, criamos uma Frente Parlamentar em 2007, mas ainda é pouco. Até na formação de profissionais de saúde a Tuberculose (TB) é negligenciada. Eu sou chamado há uns dois anos pelos estudantes de Medicina da UFF (Universidade Federal Fluminense) para falar sobre o tema, porque eles dizem que minha visão de ativista vai ser mais rica do que a dos médicos. E são esses profissionais que vão para a ponta do atendimento”, observou.
Para finalizar, Pereira recitou uma frase célebre de Dom Hélder Câmara, para reflexão sobre a importância dos Fóruns. “Um sonho que se sonha só, é só um sonho. Mas um sonho que se sonha junto é realidade”.
ALERJ
Marcelo Bento, do gabinete e em representação da Deputada Estadual Martha Rocha, da ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) foi a voz do Legislativo no evento. Há 15 anos no palácio dos deputados ele disse que há movimentações com a questão da tuberculose sendo feitas dentro do mandato, como uma audiência pública sendo convocada para falar sobre o fechamento do Hospital Santa Maria “que é um hospital de extrema importância para a população fluminense”.
Sem saber se será aprovado, mas esperançoso, Bento revelou ainda que será pleiteado uma emenda parlamentar em torno de R$ 30 à 40 milhões, plurianuais, para serem destinados à ampliação, estruturação e reformulação da unidade. Também trouxe a perspectiva de criação do Plano Estadual de Enfrentamento à Tuberculose, que deve ser apresentado na próxima semana, como:
– Transversalidade das ações e setores (secretarias);
– Redução da mortalidade e morbidade da TB no estado;
– Políticas públicas voltadas para a TB;
– Detectar anualmente pelo menos 90% dos casos diagnosticados, Tratar 90% destas pessoas.
“Também esperamos descentralização de recursos entre a Secretaria de Transporte e a Secretaria de Saúde para a questão do Vale Social. Além de distribuição de cestas básicas para aqueles que mais precisam e o enfrentamento à doença no estado com o combate à pobreza, através da vinculação de recursos”, disse. E completou: “também vamos olhar para aqueles apenados (presos), porque é um tema que não pode continuar negligenciado no nosso estado”, finalizou.
Ministério da Saúde
Vindo diretamente de Brasília, em nome do Ministério da Saúde, Leila Barreto – do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis – trouxe maiores elementos sobre os territórios, “pois são eles que têm o conhecimento para os enfrentamentos das infecções, doenças, IST e outros”. Ainda para ela há populações mais afetadas que outras, conforme os territórios, o que mostra uma desproporcionalidade e demanda ações diferenciadas e específicas que desafiam a prevenção.
Uma das estratégias passa pelo amplio do acesso para as chamadas populações-chaves da epidemia, estabelecer parcerias estratégicas, ações de prevenção, diagnóstico e tratamento e o enfrentamento do estigma e da discriminação. Tudo isso demanda comunicação em saúde, com informações e mensagens objetivas, qualificação de trabalhadores da saúde, educação e investimentos.
“Todo e qualquer cidadão deve ter seu direito assegurado. Mas algumas populações não acessam isso de forma equânime e adequado”, advertiu. Um dos territórios prioritários, nesse e em outros fatores, segundo Barreto, trata-se justamente do Rio de Janeiro.
Encerrando a mesa de abertura foram exibidos dois vídeos do Fala, Comunidade! de 2018, onde jovens e adultos da última edição relataram a experiência de participação no evento e a importância dos temas abordados no mesmo para a sociedade civil.
Saúde Sexual e Prevenção
Em seguida à mesa de abertura coube ao consultor de saúde sexual João Geraldo Netto comandar o Painel 1. Intitulado a partir do eixo “o que gostaria de falar para jovens e comunidades?”, o brasiliense – soropositivo há 17 anos e com passagem de quase 8 anos pelo Ministério da Saúde – trouxe o contexto da prevenção combinada, das vulnerabilidades, HIV/AIDS e assuntos correlatos para sua exposição.
Dinâmico e seguro – “apesar do TDHA (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade)” – Netto buscou falar, mas também ouvir. Para isso interagia à todo momento com o público para ouvir histórias, depoimentos e relatos sobre a relação individual e/ou coletiva com o HIV. Além disso, o profissional ajudou a desmitificar conceitos estigmatizantes relacionados ao HIV e à AIDS, no tocante à linguagem. Também explicou didaticamente o que é a PrEP (profilaxia pré-exposição), alguns estudos clínicos importantes e o que é vulnerabilidade mediante raça, classe social, gênero etc.
Combina Aqui, Combina Ali
É o menu da prevenção combinada, onde cada pessoa fica responsável pela sua profilaxia (forma de se proteger). Dessa maneira é que Netto cunhou o que chama de Combina Aqui, Combina Ali em sua apresentação seccionada. Organizada em formas de “combos”, ele as dividiu da seguinte maneira:
- Combo 1: Tranquilidade – PrEP + Camisinha
- Combo 2: Calmaria – PEP + Teste
- Combo 3: Sossego – Tratamento + Camisinha
- Combo 4: Equilíbrio – Pré-Natal + Tratamento
A maneira fácil, dinâmica e interativa de falar dos assuntos suscitou inúmeros questionamentos no público, majoritariamente adulto, e ajudou a elucidar dúvidas. Os aspectos estruturais como questões sociais, culturais, comportamentais, políticos e jurídicos influenciam diretamente na epidemia das IST. Para dirimi-las, algumas estratégias ajudam, tais como:
– Buscar conhecimento;
– Compreender o local;
– Compreender o público-alvo;
– Usar canal e linguagem adequada;
– Formar multiplicadores.
“Talvez para mim que sou gay, porém branco e de classe média seja mais fácil atuar com essas estratégias. Mas e aqueles que são mais vulneráveis como negros e transexuais, por exemplo? Que tipo de apoio e assistência e possibilidades são permitidas a eles e elas? Então é importante estarmos atentos para essas questões, porque há muitas outras realidades além das nossas”, disse ele que ao encerrar a apresentação deixou disponível para todos/as os/as convidados/as seu power point com informações adicionais.
HIV, estigma e os desafios da comunicação são temas vespertinos do Fala Comunidade 2019
Após o intervalo para o almoço Daniel de Castro, assessor de comunicação do UNAIDS, iniciou seu painel sobre os desafios da comunicação para pautar o HIV. Em sua primeira fala Castro indagou-os presentes para que entendessem que “comunicação não é só falar, mas sim ouvir. ”
O assessor do UNAIDS agradeceu ao convite e a possibilidade de conversar com um grupo tão diverso regionalmente, sexualmente e geracionalmente. Castro explicou as lideranças presentes no auditório todo o trabalho desenvolvido pela instituição no campo do HIV/AIDS salientando o quão necessário é a promoção de políticas sociais em conjunto do âmbito social/ativista e governamental em prol das pessoas que vivem e convive com o HIV. Agradeceu ao convite e a possibilidade de conversar com um grupo tão diverso regionalmente, sexualmente e geracionalmente.
Em sua apresentação o jornalista utilizou da famosa frase de George Bernard, “ o maior problema da comunicação é a ilusão de que ela foi alcançada” para que o grupo pudesse compreender o sentindo geral do que realmente é comunicar. Outro ponto abordado no painel foram os estereótipos criados pela mídia no passado e que ainda continuam tão presentes. Castro criticou o sensacionalismo incessante gerado pelo universo midiático quando abordados temas relacionados a gênero, sexualidade e HIV/AIDS. O assessor demonstrou através de exemplos fotográficos com capas de revista importantes na trajetória da epidemia como não existe a necessidade de se apresentar o HIV/AIDS estigmatizando as pessoas ou as impondo medo.
Já se encaminhando para o final de sua fala Daniel Castro indagou sobre a importância de os comunicadores entenderem que termos bélicos e palavras que estigmatizam essas populações vulneráveis a epidemia podem e devem ser evitadas em matérias. Para Castro “ o politicamente correto é você estar informado por evidências. ”
Encerrando sua participação no Fala Comunidade 2019 o assessor apresentou campanhas produzidas pelo UNAIDS nos últimos anos, que tiveram um bom retorno para a instituição.
Representações Comunitárias em ação
Ao fim do bate-papo com o representante do UNAIDS coube a Wanda Guimarães, coordenadora geral do CEDAPS, a convidar os representantes comunitários, jovens e ativistas para se dividirem em grupos e desenvolverem formas de comunicação variadas que pautassem a Prevenção Combinada do HIV.
Jéssica Marinho, assistente do Projeto Diversidade Sexual, ficou alocada no grupo sobre camisinha feminina, masculina e gel lubrificante. Temas como Redução de Danos, PEP, Prep e Transmissão Vertical também foram pautados pelos demais grupos. Iniciada a dinâmica o grupo formado por uma extrema diversidade logo apontou a necessidade de mudança dos termos femininos e masculinos, que atualmente devem sem nomeados internos e externos, para que contemple todxs as populações.
Após muito bate-papo o grupo finalizou a tarefa apresentando no auditório um rap sobre a importância da prevenção e ideias a serem desenvolvidas posteriormente pelo setor gráfico do CEDAPS como figurinhas de interação para WhatsApp, “memes” e gifs, que segundo eles são a nova tendência de comunicação entre os jovens.
O Fala, Comunidade! 2019 ainda teve um segundo dia (06/11) de atividades focado nas iniciativas territoriais de prevenção (quilombos, aldeias indígenas, periferias, negritude), sexualidade e deficiência, juventude e prevenção combinada e apresentação de expressões culturais comunitárias.
Fotos: Jean Pierry Oliveira
Texto: Jean Pierry Oliveira e Jéssica Marinho