Não é de hoje que estudos apontam que o uso de maconha por adolescentes pode trazer impactos negativos ao cérebro e, com isso, maior risco de desenvolvimento de transtornos psiquiátricos na vida adulta, como depressão e surtos psicóticos.
Alguns trabalhos demonstram, inclusive, que se o jovem usou maconha na adolescência, aos 25 anos terá menos chance de ter diploma universitário, menos relações amorosas estáveis e menos emprego do que quem não usou.
A explicação é que até os 21 anos o cérebro está em estado de desenvolvimento ativo e fica mais vulnerável às agressões ambientais e à exposição a drogas como a Cannabis.
Assim, pessoas que consomem a droga ainda na adolescência apresentariam menos conexões entre neurônios em áreas específicas do cérebro que controlam funções como aprendizado e memória, atenção e percepção consciente, controle inibitório e tomada de decisões, hábitos e rotinas.
Na semana passada, um relatório publicado no respeitado periódico científico Jama Psychatry colocou mais lenha nessa fogueira. Por meio de uma análise sistemática dos melhores estudos, foram selecionados 11 trabalhos internacionais que envolveram 23.317 adolescentes acompanhados até a idade adulta.
A conclusão foi que o uso da maconha antes dos 18 anos está associado a riscos de depressão e de pensamentos suicidas cerca de 50% maiores em relação àqueles jovens que não usaram a droga. Os adolescentes também foram 2,46 vezes mais propensos a tentar o suicídio.
Os pesquisadores dizem que os efeitos negativos da Cannabis podem variar entre adolescentes, e que não é possível prever o risco exato para cada um. Embora esses resultados sejam reforçados por estudos anteriores, ainda não há evidências claras da associação entre o uso da maconha e o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos. Ou seja, não se consegue estabelecer a causalidade. É a maconha que provoca esses distúrbios ou os portadores deles tendem a usar a droga para aliviar suas angústias?
De qualquer forma, em razão da grande popularidade da maconha entre os jovens, esses dados são bem preocupantes no âmbito da saúde pública, ainda mais em um momento em que cresce a taxa de suicídio entre crianças e adolescentes.
No Brasil, de 2000 a 2015, os suicídios aumentaram 65% entre pessoas com idade de 10 a 14 anos e 45% de 15 a 19 anos —mais do que a alta de 40% na média da população.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, divulgada pelo IBGE, mostrou que 9% dos estudantes que concluíram o 9º ano em escolas públicas e privadas de todo o país, a maioria entre 13 e 15 anos, tinham usado alguma droga ilícita —desses, 4,1% disseram ter utilizado maconha em algum momento nos últimos 30 dias antes do preenchimento do questionário.
Em artigo publicado em seu portal, o médico Drauzio Varella, colunista da Folha, diz que os inquéritos mostram que 9% dos que experimentam maconha se tornam dependentes. Esse número chega a um em cada seis (17%), no caso daqueles que começam a usá-la na adolescência.
Entre os que fazem uso diário, 25% a 50% exibem sintomas de dependência. Comparados com os que começaram a fumar na vida adulta, os que o fizeram enquanto adolescentes apresentam duas a quatro vezes mais sintomas de dependência, quando avaliados dois anos depois de fumar o primeiro baseado. Uma vez instalada a dependência, surgem crises de abstinência: insônia, irritabilidade, instabilidade de humor e ansiedade.
Também cresce a importância desse debate em um momento que vários países estão aprovando leis que liberam o consumo e o cultivo da droga para maiores de 18 anos. No Canadá, por exemplo, onde a maconha para uso recreativo está liberada desde outubro, existe o temor que a legalização amplie o acesso para crianças e adolescentes. O governo de Québec já anunciou que vai aumentar de 18 para 21 anos a idade mínima para a compra.
Se por um lado, muito se fala a respeito da diminuição da criminalidade (também não há estudos conclusivos sobre isso) e também do valor bilionário de impostos que a legalização e a venda maconha pode trazer, por outro mais do que nunca se faz necessário incluir a saúde pública nessa discussão.
Afinal, quem vai pagar essa conta? O que mais temos visto no Brasil e no mundo são lobbies políticos e financeiros e questões ideológicas interferindo nas políticas públicas a despeito do que mostram as melhores evidências científicas.
Fonte: Folha de SP