O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) reuniu lideranças empresariais em São Paulo (SP) na quinta-feira (28) para discutir a importância de se garantir os direitos de crianças e adolescentes no país. Na ocasião, a representante da agência no Brasil, Florence Bauer, alertou sobre o alto número de assassinatos de adolescentes.
“São 32 adolescentes assassinados por dia. Nenhum país em guerra tem esses números. O Brasil é o país com mais homicídios de adolescentes no mundo”, alertou Bauer, defendendo políticas públicas que garantam a igualdade de direitos.
Sala cheia e muita interação marcaram o 3º Café com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que aconteceu na quinta-feira (28), em São Paulo (SP).
Organizado pela agência da ONU, o evento teve como objetivo reunir lideranças empresariais para falar sobre direitos de crianças e, em especial, de adolescentes.
No mês em que a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) completa 30 anos, o café começou com um vídeo e a pergunta: “meninas e meninos, em todo o mundo, estão fazendo a parte deles. E você, o que você vai fazer?”. A indagação, feita no telão pela cordelista Samya Abreu, de 9 anos, deu o tom ao evento.
Assim que o vídeo terminou, Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil, subiu ao palco para traçar um panorama desses 30 anos da CDC no Brasil.
“Nesses 30 anos, tivemos avanços fundamentais. No mundo, a mortalidade infantil caiu 60% em 30 anos. No Brasil, esse avanço foi maior ainda: 70%. Na educação, o Brasil também melhorou mais que a média global. A escolaridade obrigatória foi ampliada e o número de meninas e meninos fora da escola caiu”, comemorou.
No entanto, o país ainda tem desafios, lembrou. “Ainda há 2 milhões de crianças fora da escola. E temos também o desafio da violência. São 32 adolescentes assassinados por dia no país. Nenhum país em guerra tem esses números. O Brasil é o país com mais homicídios de adolescentes no mundo”, alertou.
“É preciso haver políticas que busquem a equidade. Temos que investir nas duas décadas da vida. A primeira infância é a primeira janela, em que a crianças precisa de saúde, nutrição, estímulo, carinho.”
“Mas há que também investir na segunda década. São os adolescentes que estão fora da escola que são vítimas de homicídios. O Brasil salvou 800 mil crianças, mas perdeu 191 mil. O país não pode continuar perdendo os adolescentes na segunda década da vida”, enfatizou a representante.
Foi o gancho para Lázaro Ramos, embaixador do UNICEF no Brasil, pegar o microfone e destacar todas as potencialidades da segunda década da vida. “Fiquei honrado de eu, com 41 anos, ser chamado para falar sobre esse tema”, disse ele, conquistando risos da plateia.
“Mas esse adolescente que eu fui é um belo padrão de comparação com os meninos de hoje. Os adolescentes são contaminados por este tempo em que a gente vive. É um tempo de morte e ressignificação de profissões, de morte literal de adolescentes pelo suicídio ou pela violência.”
“De morte de ideias e surgimento de novos pensamentos. Temos muitos desafios hoje. E convido vocês a pensar, como a campanha do UNICEF: o que você vai fazer? E proponho que a gente pense nesse tema, não olhando para a morte, mas para a vida, para as potencialidades. O que a gente ganha quando preserva vidas, quando dá oportunidades aos adolescentes, quando faz a nossa parte?”, discursou o embaixador.
As falas de Florence e Lázaro abriram espaço para o painel “Os Desafios da Adolescência”. Conduzido por Léo Senra, sócio-diretor da Ana Couto Branding e professor da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), o painel reuniu diferentes experiências empresariais voltadas ao público adolescente e jovem.
As empresas e a promoção da diversidade
Para começar a conversa, foi exibido um vídeo da adolescente Lays dos Santos, do Rio de Janeiro (RJ), falando sobre os desafios de ser menina, negra, no mercado de trabalho. E ela deixou a pergunta: “BNP Paribas e Grupo Boticário, o que vocês vão fazer para quebrar estereótipos e promover a diversidade?”.
Lucimara Ferreira, responsável por Diversidade e Inclusão no Banco BNP Paribas, começou respondendo com uma história. “Era uma vez quatro mulheres, CEOs, de bancos no Brasil. Elas decidiram fazer uma medida assertiva de inclusão de mulheres no mercado.”
“Começamos em dezembro, e escolhemos 60 meninas negras, pardas e de baixa renda, para um grande investimento, com inglês, formação e outros temas. Hoje, 50% já estão empregadas. E o projeto está crescendo”, contou ela.
Em seguida, foi a vez de Renato Amendola, chefe de Diversidade e Inclusão do Grupo Boticário, falar sobre como a marca trabalha para o rompimento de estereótipos. “Quando a gente pensa na formação de identidades na infância e na adolescentes, é fundamental ter espelho, ter em quem se inspirar. E esse é o papel das marcas”, disse.
Renato apresentou vídeos da marca “Quem disse, Berenice?”, voltadas à quebra de estereótipos, e reforçou o papel da publicidade nessa área.
“No Grupo Boticário, fazemos parte da Aliança sem Estereótipos, da ONU, compromissos para usar a publicidade para quebrar estereótipos. As empresas precisam assumir sua responsabilidade na transformação do senso comum, e a publicidade é uma ferramenta para isso”, ressaltou.
A iniciativa privada e a promoção da segurança na internet
Para abrir o segundo tema, foi apresentado um vídeo da adolescente Sofia Soraia, de 15 anos, de Palmas (TO). A menina aproveitou sua fala para destacar a importância do uso seguro da internet. E perguntou: “Vocês aí, no Café com UNICEF: como é que a gente pode usar a internet de forma inteligente e aproveitar os benefícios dela?”.
A primeira a falar foi Daniele Fontes, gerente de Políticas de Segurança do Facebook, destacando o papel das empresas de tecnologia no tema.
“No Facebook, temos uma série de ferramentas que detectam abusos contra crianças e adolescentes da maneira mais rápida possível. Temos um compromisso de criar um ecossistema na internet, mais seguro para crianças e adolescentes. Para criar esse ecossistema, a gente precisa investir em educação. Ela é a semente da prevenção e de criar oportunidades na internet. E, por isso, nossa parceria com o UNICEF no projeto Caretas”, contou ela (saiba mais em unicef.org/brazil/projeto-caretas).
Empresas, fundações e a educação para o futuro
Para o terceiro bloco, foi apresentado um vídeo com o adolescente Felipe Caetano, 17 anos, de Aquiraz (CE), falando sobre o enfrentamento do trabalho infantil. Felipe perguntou: “como o mundo empresarial pode contribuir para a formação dos adolescentes para o mercado de trabalho?”.
A resposta foi dada por Rodrigo Fernandes, diretor de Recursos Humanos da operadora Claro. “Há diferentes formas de incluir o jovem no mercado de trabalho. Na Claro, entre as frentes em que atuamos, está o programa Jovem Aprendiz Claro, alinhado à lei de aprendizagem. É uma iniciativa que existe há 17 anos, e pela qual já passaram 10 mil jovens.”
“Desses 10 mil jovens, 65% são meninas. O objetivo é formar o jovem para o mercado de trabalho, mas em especial desenvolver o ser humano, prioritariamente os jovens oriundos de populações e famílias mais vulneráveis. O trabalho voltado ao desenvolvimento do aprendiz, com 60% da carga horária voltada às atividades na empresa e 40% para a formação, via Senai”, explicou.
Marcas com propósito
Terminado o painel, foi a vez de Luciana Bazzanela, da White Rabbit, assumir o palco para a palestra “Exploração de Tendências e Foresights para Co-Criação de Futuros Desejáveis”.
Luciana começou falando sobre como a sociedade percebe e valoriza o papel das empresas no enfrentamento dos desafios atuais.
“Cada vez mais, as pessoas afirmam que os problemas do país são também um problema das empresas. Isso acontece porque as pessoas acreditam que as empresas podem e devem ajudar”, disse. A prova dessa nova visão está retratada em pesquisas, segundo ela. “Marcas percebidas com propósito crescem duas vezes mais”, afirmou, apresentando um estudo da Edelmann.
Quando se fala de adolescentes e jovens, a ideia de participação é ainda mais forte. “Hoje, o ativismo é parte da identidade e define quem os jovens são. Dois terço dos jovens expressam preferência por marcas que têm um propósito e um posicionamento”, afirmou a palestrante.
Isso porque, segundo a pesquisa apresentada por ela, “56% dos jovens são ativistas. Doam tempo, dinheiro, participam de eventos, apoiam ou boicotam negócios, participam por mensagens de texto, assinam notícias e feeds online, lideram e organizam eventos”.
Já tendo nascido no mundo digital, adolescentes e jovens têm uma nova forma de se conectar com o mundo e com as mensagens que recebem. “Estamos diante de uma mudança de paradigma. Cada pessoa não está sozinha, mas conectada a uma rede, e é impactada por ela. Uma vez que o problema vem à tona, nas redes, não dá mais para esconder”, explicou Luciana.
A palestrante chamou a atenção para os problemas que não podem mais ser deixados na invisibilidade. Entre eles, as mudanças climáticas, os impactos no meio ambiente, as desigualdades sociais e os homicídios de adolescentes. “Hoje, as pessoas não querem ver os homicídios de adolescentes porque, depois, não vão mais deixar de olhar para o tema”, afirmou.
Finalizando a manhã, os participantes tiveram uma surpresa. Samya Abreu, a menina que narrava o vídeo de abertura do evento, subiu ao palco. A pequena cordelista recitou um cordel escrito por Tião Simpatia, falando dos 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança. A fala emocionou a todos, que saíram do evento com a pergunta “E você, o que vai fazer?”.
Fonte: ONU Brasil