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“Sou do candomblé por amor mesmo”, revela a jovem e independente Cassiele Rodrigues, em entrevista ao Projeto Diversidade Sexual


Mulher. Mulher negra. Mulher negra jovem. Mulher negra jovem e candomblecista. Cada um de nós é composto e atravessado/a por várias intersecções, que nos dão identidade e um pertencimento ao mundo. Esses matizes, tal qual os versos e prosa de Caetano Veloso, nos caracterizam conforme “a dor e a delícia de ser o que é”. E é dessa forma que Cassieli Rodrigues, carioca de 26 anos, encara a vida – desde cedo.

Atualmente moradora de Piedade, em entrevista ao Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens para a nossa seção Fala Jovem, a jovem conta que desde os 15 anos trabalha e que foi a partir dos 22 anos que se jogou  no mundo por si própria, sem depender de pai e mãe. Criada em berço evangélica, apesar dos preceitos neo pentecostais, foi no Candomblé que ela encontrou suas raízes e encontra refúgio e sentido na vida.

Empoderada, Rodrigues ainda falou acerca do machismo e do preconceito que sua pele, vestimentas e cabelo já sofreram. Nada que a tenha abalado, pelo contrário, continuam a fortalecendo por onde quer que passe. Em um relacionamento sério, nossa entrevistada também não se furtou em falar acerca de questões como prevenção, HIV/AIDS, importância das ONGs e seus sonhos para o futuro. Vale ressaltar que, diferente das demais entrevistas, essa foi realizada remotamente (por e-mail), diante da pandemia do novo Coronavírus.

Confira a entrevista completa abaixo:

 

Sobre Sua Vida

1 – Apresentação

Cassieli Andressa Rodrigues Silveira Da Silva, 26 anos – Piedade, RJ

2- Você tem 26 anos e já mora sozinha. Desde quando você assume as responsabilidades por si mesma? E porquê?

Cassieli: Com 22 anos decidi em sair de casa e fui morar com o meu namorado da época e moramos juntos por um ano, (aí depois) voltei pra casa da minha mãe e fiquei um mês até consegui juntar uma grana e sai pra morar com uma amiga minha. Fiquei morando com amigos por dois anos e depois fui morar sozinha. Eu sempre fui independente. Trabalho desde 15 anos e umas das coisas que eu mais prezo é a minha liberdade e paz de espírito, pois na casa da minha mãe me sentia presa. Ela e meu padrasto são evangélicos, ele tem um certo preconceito com a minha religião e com os homossexuais (respeita, mas fica aquele murmurinho chato) e a maior parte dos meus amigos são e (eu) não me sentia à vontade de levar-los em casa quando morava com eles, então decidi ir viver minha vida.

3 – Sempre morou no bairro que encontra-se hoje em dia? Caso não, de onde era e porque foi morar aí?

C: Me chamam de cigano pois já morei em tantos bairros. Minha infância foi em Mesquita e Tijuca (Morro do Salgueiro), minha adolescência foi em Belford Roxo e (depois) voltei pro Salgueiro e depois fui pra Guadalupe, Realengo, Anil (Jacarepaguá), Magalhães Bastos, Engenho de Dentro e Piedade onde eu moro (atualmente). A maioria das minhas mudanças foi com a minha mãe. Saí da barra da saia quando fui morar em Realengo e pretendo sair de Piedade pois é um bairro que não gosto.

4 – Como é a sua relação com sua família? Seus pais sempre apoiaram sua decisão de morar sozinha? Ou até hoje não aceitam muito bem?

C: Minha família é maravilhosa (e) bem grande. Pode não parecer, mas sou bicho do mato. Não sou de visitar muito os parentes, não sou de convidar ninguém pra minha casa, o povo que vem aqui avisa quando já estão no meio do caminho e eu nem ligo. Quando eu saí de casa pela a primeira vez, minha mãe não ligou tanto pois eu estava indo morar com meu o namorado então tem aquele pensamentominha filha está saindo de casa pra casar “. Mas quando eu fui dividir um AP com minha amiga no Anil o peso já foi maior, mais nunca influenciou na nossa convivência.

5 – Nesses tempos de isolamento social e quarentena por conta do novo Coronavírus, como você está sendo afetada pelas restrições? Teme alguma possível recessão ou que o período longo em casa gere desempregos?

C: Nos primeiros dias eu surtei, você fica de mãos atadas e o que me estressa é você não ter solução e isso era uma coisa que eu sempre tive. Os dias vão passando, dinheiro acabando. Pus minha cabeça no lugar e vi que eu seria a mais prejudicada então elaborei uma rotina. Na reunião do trabalho foi informado que não teria demissão, mas o medo sempre prevalece.

6 – Aliás, em que você trabalha? E há quanto tempo?

C: Sou recepcionista em uma clínica oftalmológica há  dois anos.

Religião

7 – Você é praticante do Candomblé, uma religião de matriz africana. Gostaria de saber e entender desde quando você a pratica e o porquê da escolha pelo Candomblé.

C: Sou do candomblé por amor mesmo. Cresci em um ambiente evangélico, já fui muito a igreja, já fui do ministério de louvor até os meus 12 anos e depois fui me afastando na adolescência. Conheci o samba, baile funk e (fui) cada vez (mais) me afastando. Não acho certo amar uma cerva (sic) bem gelada e ser serva de Deus. Aos meus 20 anos, através de uma amiga, conheci a umbanda em uma festa de Exu e por incrível que pareça eu amei o som do atabaque. Eu achei estranho, pois eu cresci ouvindo que aquilo era coisa do demônio, mas tava (sic) ali não entendendo nada e bebendo a vida!

Continuei frequentando a umbanda até que fui orientada pela mãe de Santo que não poderia mais resolver meu problema, pois meu Santo era do candomblé. Quando pulei para o candomblé pareceu (sic) que eu era da religião há muito tempo, é uma energia surreal. Estou aprendendo a cada dia mais sobre a religião tenho um zelador maravilhoso que supre todas as dúvidas. É um amor que eu não sei explicar só sei que amo.

8 – Infelizmente religiões de matrizes africanas no Brasil sofrem muita intolerância religiosa. Você já sofreu algum tipo de preconceito por conta disso? Porque isso é tão comum com sua religião em comparação com outras?

C: Eu não sofri preconceito em relação a minha religião. Lá no trabalho acontecem muitos debates sobre isso, pois tem pessoas que são evangélicas e todos sabem da minha religião e a gente debate com respeito sobre a sua religião.

9 – Alguns terreiros de candomblé e umbanda sofreram depredações em regiões da Baixada Fluminense e da capital do Rio de Janeiro. Isso te afeta? 

C: Muito. Deus não está somente nas igrejas, ele habita nos corações de todos nós. A maioria que prega o amor não põe em prática. Lutamos tanto para manter os terreiros de pé, mas a nossa fé não é abalada. Os terreiros depredados já estão de pé novamente e o amor sempre reina!

Racismo

10 – Enquanto mulher e negra de que forma o machismo e o racismo atravessa ou já atravessou sua vida?

C: Sim (já atravessou), porém hoje racismo não me atinge. Sinto mais quando acontece com outras pessoas do que comigo pois o que eu passei não foi tão grave, mas não deixa de ser racismo. Tem um tempo (sic) atrás que eu estava no ônibus e tinha um casal de idoso, eu entrei e sentei na frente deles e só ouvia os buxixos (sic)que cabelo é esse, muito duro”. E como sou uma pessoa que adoro incomodar comecei a passar a mão no meu cabelo e botando ele mais pro alto.

O que me tira do sério é  o machismo, eu fico louca quando isso acontece, eu brigo de verdade, quando eu ouço de algum homemVocê tem que obedecer o seu marido / tem pedir permissão ao seu companheiro pra fazer qualquer coisa / “Eu sou homem e posso fazer você não pode “. Uma outra que soltaram na minha cara e deu confusão (foi) “Sai daqui que isso é papo de homem “. A humanidade precisa evoluir e rápido e a mulherada acordar, pois uma coisa que o homem tem medo é de buceta, sempre tem uma mulher que ele treme na base. Se cada uma pôr isso na cabeça as coisas vão mudar e a gente domina o mundo. Quem joga o preconceito está incomodado com a presença e o incomodado que se mude não é mesmo?

11 – Ao mesmo tempo em que é inferiorizada, a mulher negra também é estereotipada. Você já se sentiu hipersexualizada por outras pessoas ou outros homens? 

C: Claro, você já ouviu falar que mulher preta tem o sangue quente? Isso acontece sempre. O que mais me chateia é o negro julgado sexualmente. “Olha aquela preta, tem cara de que fode pra caralho ” ou “Olha aquele negão, deve ter maior pirocão”. E não somos só isso.

12 – Você assume seu estilo afro em suas roupas e cabelo. Algo que hoje em dia é mais comum de se ver dentro e fora da Televisão, por exemplo. Você sempre teve esse tipo de empoderamento? Como avalia o crescimento da representatividade que negros e negras têm alcançado? Você teve ou tinha alguma referência nesse sentido (como mulher negra)?

C: Assumi o meu black aos 20 anos, vivo mudando de cabelo e eu amo isso. Cresci em um ambiente assim, (onde) todas mudam a todo tempo rs. Eu estou adorando o nosso movimento, juntos somos muito mais fortes. Claro que precisa ser melhorado muitas coisas, porém hoje o preto tem voz.

Relacionamento e Prevenção

13 – Atualmente você namora ou tem algum tipo de relacionamento?

C: Eu namoro e hoje eu moro com ele.

14 – Independente da resposta, qual a importância da prevenção em seus relacionamentos? É algo que você costuma dialogar, por exemplo?

C: No início usávamos camisinha. Hoje não usamos por escolha dele, pois sonha em ser pai. Mas não é o meu sonho no momento então uso o anticoncepcional.

15 – Sobre a questão da prevenção, você tinha abertura para conversar isso dentro de casa? Ou o assunto era tabu? Quando tinha dúvidas ou dilemas nesse sentido, como buscava resolvê-los?

C: Minha mãe nunca conversou comigo sobre sexo. Quando eu tinha uma dúvida sempre conversava com a minha tia (cunhada dela) e minha avó e eu agradeço muito a elas por ter o português rasgado comigo e me ensinado muita coisa.

16 – Atualmente muitos jovens não utilizam mais a camisinha. Em sua opinião, porque isso se tornou uma tendência?

C: Essa tendência é bem antiga, as famílias são fundamentais nesse tipo de assunto. É necessário conversar com seus filhos, netos, sobrinho. Os jovens precisam ser ouvidos e orientados sem julgamentos.

17 – Jovens de 15 a 29 são a principal faixa etária, atualmente, no que diz respeito aos índices de infecção por HIV/AIDS no Brasil. Ao mesmo tempo, nunca se teve tanto acesso à informações e outras tecnologias. Em sua opinião, o que faz com que a juventude se infecte tanto atualmente por HIV?

C: Não tem a orientação dentro de casa. Os comercias estão aí mostrando a importância do preservativo, mas a família é fundamental.

18 – O governo promove desde fevereiro uma campanha focada em abstinência sexual para adolescentes e jovens no Brasil de forma a evitar a gravidez indesejada e reduzir os dados de infecções sexualmente transmissíveis. Você concorda ou discorda dessa iniciativa? Por quê?

C: Isso é ridículo, tem os métodos contraceptivos e são muitos, poderiam investir a educação sexual nas escolas. Tem tanta coisa pro governo se preocupar.

19 – Você acha que projetos como esse que entrevista você, existentes em ONGs que trabalham com prevenção e outras prerrogativas de direitos humanos, são importantes?

C: Acho muito importante, porque tem muitas pessoas que já passaram ou estão passando por uma coisa que eu já passei, ou que outras pessoas que foram entrevistadas passaram, e ele vê que não é o único e que todo problema pode ser resolvido. Isso é  maravilhoso!

Futuro

20 – Qual sua perspectiva para o futuro (pessoalmente e profissionalmente)?

C: Tenho um sonho de ter a minha casinha própria e tô (sic) lutando por ele. Voltar pra faculdade e ser um servidor público. E que minha religião seja respeitada por meus familiares. 

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

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