Warning: Use of undefined constant php - assumed 'php' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/storage/d/d2/36/abianovo/public_html/site/hshjovem/wp-content/themes/ultrabootstrap/header.php on line 108

Soropositivos ‘indetectáveis’ reescrevem história do HIV


Christiano Ramos, de 54 anos, leva uma vida bem diferente do período logo após descobrir que tinha HIV, aos 18 anos. Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA — A escritora Thaís Renovatto, de 38 anos, trabalha na área de marketing de uma multinacional. DJ nas horas vagas, ela se apaixonou pelo marido em uma das festas que organizou para os amigos do escritório. Em pouco tempo, estavam casados e eram pais de duas crianças. Hoje, Thaís se divide entre tarefas profissionais, da casa e da vida em família. Uma vida que pode parecer comum, mas traz uma história especial narrada em seu livro “Cinco anos comigo”: Thaís faz parte da geração de “indetectáveis” que carregam o vírus do HIV, mas em carga tão baixa que a infecção não se manifesta nem é transmissível. Diferentemente dos pacientes que, nos anos 1980 e 1990, viam o vírus como sentença de morte, eles levam uma vida com cuidados, mas saudável e, sobretudo, feliz.

Após descobrir que havia sido infectada pelo ex-namorado, em 2014, Thaís transformou sentimentos de revolta e medo em perdão. A terapia fez voltar a confiança. Um comprimido ao dia mantém o resto de sua rotina normal. Thaís e o marido Rodrigo são “sorodiferentes” — ela tem o vírus; ele não —, mas a diferença nunca foi problema. Os filhos, nascidos após a infecção, não são soropositivos.

— Engravidei de forma natural. Procurei me aceitar e comecei a me abrir para as pessoas. Daí, já não estava mais preocupada com o preconceito — diz a escritora, que na gestação tomou cuidados especiais e não amamentou, seguindo o protocolo médico.

Hoje, além de tomar regularmente medicamentos antirretrovirais, garantindo que a carga viral se mantenha indetectável, ela se examina a cada oito meses, para acompanhamento:

— Hoje em dia não uso preservativo com meu marido. A gente tem um relacionamento fechado, fomos ao médico, que nos orientou, e decidimos isso.

Thais Renovatto, de 38 anos, com a família
Foto: Arquivo pessoal

A médica infectologista Lívia Ribeiro, referência técnica distrital em infectologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, explica que não há risco de transmissão por indetectáveis, em relações sexuais. Ela reforça, no entanto, que a não utilização de preservativos aumenta o risco para outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).

— O objetivo da terapia antirretroviral é de manter a carga viral no sangue indetectável, o que é constatado através do exame de RT-PCR para HIV. Com isso a pessoa continua a conviver com o vírus em alguns reservatórios, mas não tem quantidade de vírus circulante suficiente para infectar outra pessoa — afirma.

Um estudo do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) revela que, no Brasil, 40 anos depois do início da epidemia, 81% das pessoas entrevistadas ainda relatam ser muito difícil conviver com o preconceito.

— As pessoas mais vulneráveis perdem emprego e abandonam os cuidados com a saúde — observa Claudia Velasquez, representante e diretora do Unaids no país, alertando para a urgência de democratização das informações.

Thaís, que passou a militar para derrubar estigmas sobre a doença, lamenta que ainda haja pessoas que brincam com frases como “ah, tá magro, então está com Aids” ou perguntam se HIV passa pelo beijo.

‘Indetectáveis’ escrevem um novo capítulo

Os “indetectáveis” escrevem um novo capítulo na história da doença. Cada vez mais o HIV é tratado como uma patologia crônica. Em 1977, a médica dinamarquesa Margrethe Rask, que esteve na África investigando o Ebola, foi a primeira a morrer com uma pneumonia após desenvolver “quadro clínico estranho”. A epidemia explodiu nos anos 1980. No Brasil, uma imagem marcante foi a de Cazuza, levado pela doença aos 32 anos, no auge da carreira musical. Casos eram associados erroneamente à sexualidade.

Além de derrubar premissas falsas, especialistas se preocupam com a piora das estatísticas no Brasil, com os casos notificados passando de 12.985, em 2011, para 41.919, em 2019. Estudos indicam que a pandemia prejudicou ações de assistência, prevenção e testagem da doença.

Mas o cenário é outro. Com o início precoce do tratamento, a pessoa soropositiva não desenvolve necessariamente a Aids, que se instala com infecções oportunistas em estágio avançado da doença.

Com 1.87 metros de altura e 90 quilos, Christiano Ramos, de 54 anos, faz uma hora de caminhada por dia e gosta de jogar vôlei nos fins de semana. Engordou com a pandemia, como muitos, e leva uma vida bem diferente do período logo após descobrir que tinha HIV, aos 18 anos. Entre 1988 a 1994, ficou “esperando por uma morte que não vinha”. Agora, espera envelhecer.

— É uma doença crônica, como qualquer outra, que tem tratamento de alta qualidade. A pessoa precisa aprender a conviver com o remédio, que vai passar a ser o seu elixir da vida — diz Christiano, que preside a ONG Amigos da Vida no DF, e também atua pelas causas LGBTQIA+, prestando assistência jurídica a cerca de 250 pessoas por mês.

O borracheiro Paulo de Tarso (nome fictício), de Goiânia (GO), de 28 anos, passou por várias superações para ter trabalho, lazer e um namoro estável. Ele nasceu com o HIV, e a mãe morreu de Aids quando tinha 10 anos. Foi levado a uma instituição. Hoje, ele se cuida, mas esconde a doença.

— Estou bem de saúde. Nunca vou falar para ninguém que tenho HIV. Mas a pessoa não precisa mudar a vida dela. A única coisa a fazer é tomar os comprimidos.

Paulo conta que começou a se tratar na adolescência de forma “desleixada” até que entendeu que precisava de disciplina. Ele diz que é difícil para quem tem o vírus encontrar “pessoas bacanas” e encarar relacionamentos “numa boa”.

— Já sofri até ameaça. Fiquei como uma pessoa, e o irmão, que sabia da minha situação, chegou e disse: “vamos parar com isso, se não eu vou te matar”. Na escola, a diretora sabia e me tratava diferente.

Lívia Ribeiro lembra a importância do respeito:

— O indivíduo merece ser respeitado e ter acesso ao serviço (de Saúde). Quem tem risco HIV é todo e qualquer indivíduo que se expõe sexualmente.

 

Fonte: O Globo

%d blogueiros gostam disto: