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‘Sexo químico’, a transa com drogas que leva foliões gays ao desatino


Imagem: iStockphoto

Alternativa ao Carnaval clássico, as festas eletrônicas que se realizam fora do circuito dos blocos e dos desfiles na avenida reúnem passistas animadíssimos. Sob o efeito de um coquetel de drogas estimulantes e depressoras do sistema nervoso central, como a cocaína, a metanfetamina, o ecstasy, o MDMA (princípio ativo do ecstasy), o GHB, a Quetamina (anestésico de uso veterinário) e o álcool, uma parte considerável desses foliões alternativos se entrega sem reservas ao chamado “chemsex”, ou, em português, sexo químico. A dois, três ou mais, tudo se permite.

O designer gráfico Pedro C., 30 anos, assume sem ressentimento que seu prazer é produzido artificialmente. Ele acredita que não conseguiria o mesmo efeito “a seco”. “O sexo aditivado é muito mais intenso. E duradouro. Você se desconecta do tempo, tem uma espécie de gozo eterno”, define ele, cuja primeira experiência com “chemsex” foi no fim de 2018. Assim como Pedro, a maioria dos praticantes da modalidade são, como se diz na nomenclatura dos especialistas, HSH (homens que fazem sexo com homens): gays, bissexuais e correlativos.

Tédio sexual precoce

Em uma análise ligeira, mas não desprezível, Pedro C. acredita que a superexposição de vídeos e imagens eróticas na Internet levou sua geração a uma espécie de “tédio precoce” em relação ao sexo. “É como se a gente precisasse de mais estímulos para ter o mesmo prazer que um tiozinho que transou pela primeira vez aos 18 anos, sem saber direito por onde começar.”

Não que Pedro e seus correligionários saibam. A facilidade de acesso ao sexo virtual não garante desenvoltura na conquista “real” — nem liberta o internauta de preconceitos. Daí a necessidade do aditivo. De acordo com o infectologista Marcio Fernandes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “esses jovens usam a droga como automedicação para enfrentar a homofobia internalizada (intolerância em relação à própria homossexualidade), a religiosidade extrema (o pecado do sexo com outro homem) e a vergonha associada à homoafetividade (o desprezo pelo amor entre dois homens)”.

O conjunto de fatores que levam a situações de risco é chamado pelos especialistas de “sindemia”. O psiquiatra Marco Scanavino, responsável pelo laboratório de impulso sexual do Hospital das Clínicas, cita o eventual abuso sexual sofrido na infância, a depressão e a ansiedade. “A ideia do conceito de sindemia é a de que os fatores interagem, amplificando os riscos.”

As drogas usadas no sexo químico promovem a providencial sensação de autoconfiança, invulnerabilidade, aumento da energia e do desempenho sexual. Marcio Fernandes diz que, por isso, são chamadas de drogas “sexualizadas” e “sociáveis”.

Pronto para enfrentar o “carão” 

Nas palavras do publicitário Thiago R., 33, que há pouco mais de dois anos tornou-se adepto do chemsex, a droga o faz se sentir “invencível” na balada. “Em condições normais, sem esse estímulo, a impressão que se tem em uma festa gay é a de que todo mundo faz ‘carão’ (esnoba). Tomar só álcool não resolve. A bala, o K, o GHB te deixam ligado e relaxado, ao mesmo tempo. Rola uma ‘hipersensualização’. Todo mundo que antes fazia carão passa a te desejar”, acredita ele, que solta uma risada infantilizada enquanto fala.

Segundo o infectologista José Valdez Madruga, pesquisador do Centro de Referência e Treinamento (CRT-DST/Aids), de São Paulo, substâncias como o GHB (que é um poderoso desinibidor psicológico e, ao mesmo tempo, um suave anestésico), e o MDMA, conhecido também como “MD”, “Michael Douglas” e “droga do amor” (por proporcionar alterações sensoriais, aumento do interesse sexual e euforia) frequentemente levam o usuário à overdose.

No caso do GHB, a faixa farmacológica de segurança (limite de toxidade) é muito estreita. “Muitos desses baladeiros usam como medida a própria tampinha do frasco, que tem 1ml, e não esperam fazer efeito”, diz o médico. No auge do desatino, tomam outra e outra. A pior consequência disso seria o coma induzido e o risco de morte por broncoaspiração do próprio vômito.

O paradoxo do medo

Madruga explica que a sensação de invulnerabilidade frequentemente faz os praticantes do sexo químico se esquecerem do medo de contrair o HIV, vírus causador da Aids. O médico conta que um paciente disse a ele: ‘Doutor, eu já sei de tudo isso, porque você já me falou várias vezes. Mas na hora em que a gente bebe e usa droga, não lembra de nada.”

Para tentar driblar esse risco, muitos acrescentam no coquetel do chemsex o antirretroviral Truvada, componente da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), um medicamento de prevenção ao vírus com quase 100% de eficácia. Desinformados, eles ignoram que a PrEP tem indicação de uso contínuo. Não faz o efeito desejado, se tomado apenas na balada.

Além disso, tanto a PrEP, quanto a PEP (Profilaxia Pós-Exposição, também conhecida como “pílula do dia seguinte da Aids”) previnem contra o HIV, mas não contra outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, a gonorreia e as hepatites B e C, que podem se tornar crônicas e evoluir para a cirrose e o câncer hepático, se não tratadas precocemente.

Empurrãozinho na ereção

Mais recentemente, o coquetel do sexo químico ganhou o reforço do Viagra — já que a ereção do usuário pode ficar comprometida pelo uso de substâncias depressoras do sistema nervoso central, como o GHB e a Quetamina. O grupo mais jovem de adeptos ao chemsex é chamado pelos especialistas de “geração MTV” – iniciais de Metanfetamina (e/ou MDMA), Truvada e Viagra.

“Esses usuários acreditam que, tomando esse trio de substâncias, eles estarão garantidos em três frentes: prazer, prevenção e ereção”, diz Márcio Fernandes.

Os números do sexo químico

De acordo com um estudo realizado em 2018 pela Lamis (Latin America MSM Internet Survey), a idade média dos praticantes do chemsex no Brasil é aproximadamente 30 anos. Do total de entrevistados na pesquisa, 51% eram brasileiros ou mexicanos; desses, 30% declararam ter começado a praticar o chemsex há dois anos, e 18,4 % a menos de um ano; 13% eram sabidamente soropositivos.

A maioria vive em grandes centros urbanos, tem bom nível de escolaridade e estava empregado quando respondeu à pesquisa, o que faz supor que podia pagar o preço cobrado pelas drogas.

Segundo o estudo, 72% já tinham tido diagnóstico de infecção sexualmente transmissível, e apenas 1,1% afirmaram fazer uso da PrEP. Os especialistas acreditam que o número baixo reflete a falta de informação e de acesso ao medicamento, uma vez que as políticas públicas para sua distribuição nos países latinos é recente e não uniforme.

Difícil não pertencer

Os médicos afirmam que, para além do estrago físico, o chemsex provoca uma considerável “dependência afetiva”. “A pessoa sente muita dificuldade de deixar um grupo no qual estava sendo aceita”, diz Marcio Fernandes. “Ao mesmo tempo, não há garantia de engajamento afetivo verdadeiro, fora dali.”

Aparentemente, Pedro C. não tem intenção de abandonar a prática do sexo químico. Ele parece resignado: “Eu sei que não é bom para o organismo, que no dia seguinte vai rolar aquela ressaca tenebrosa e que corro risco até de morte, mas pago o preço. Se você experimentar, não vai querer outra coisa.”

Pedro não é um caso isolado entre os jovens HSH, e por isso os especialistas passaram a priorizar a redução de danos e a chamada “prevenção combinada” contra o HIV — que se realiza de acordo com o momento de vida da pessoa, suas necessidades e preferências. O psiqiuiatra Scanavino lembra ainda da importância de “afirmar o orgulho da opção sexual e associá-la ao empoderamento.”

Fonte: Paulo Sampaio/UOL

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