A juventude pleiteia o reconhecimento de uma sexualidade não calcada em estereótipos de gênero e recebe como resposta do governo usar rosa ou azul e abster-se sexualmente, numa clara demonstração de que não há diálogo.
O abismo da comunicação é preenchido pelas redes virtuais —antes era a rua—, nas quais as informações jorram sem o menor filtro.
Mesmo quando são de qualidade, não cumprem a função educativa, que para merecer esse nome tem que ser paulofreiriana: oferecer informações de qualidade, que contemplem questões formuladas pelos jovens de forma significativa em suas vidas singulares, promovendo reflexão —antídoto para governos autoritários.
Dada a aridez da situação não é de se espantar que a nova temporada da série inglesa “Sex Education” (Netflix, 2019) cumpra uma função para além do entretenimento.
Uma jovem de 20 anos, que sempre teve livre acesso à informação, diz em tom de queixa que gostaria de ter assistido à série quando era bem mais jovem.
Conhecidos da minha idade me perguntam se estou assistindo, dando a entender que eu deveria. É amplo o espectro dos interessados no programa.
Na série desfilam nerds, populares e demais tribos que compõem o imaginário adolescente inglês —globalizado—, sem o puritanismo norte-americano.
Embora apresente os adolescentes em situações nada angelicais, a série tem o bom gosto de tratá-los sem o cinismo comumente associado às novas gerações.
São sujeitos que sofrem e se divertem com suas questões sexuais e identitárias retratados sem a desconsideração que têm sido a tônica na representação da juventude atual.
Laurie Nunn, idealizadora do programa, acerta ao abordar a questão do consentimento e do respeito por si e pelo outro.
Sexo é uma brincadeira prazerosa —de sérias consequências físicas/afetivas— e como tal, só pode ser realizado por quem quiser, com quem quiser, quando quiser, como quiser e com toda a informação necessária.
Dizer sim ou não ao sexo parece simples, mas vale lembrar o controverso conto de Kristen Roupenian, que dá título ao livro “Cat Person e Outros Contos”, (Companhia das Letras, 2019).
Publicado no site da revista New Yorker, o conto causou furor ao retratar com brilhantismo o autoengano de quem consente em um sexo/relacionamento sem desejo.
A dificuldade de reconhecermos nosso desejo, quando confrontado com o desejo do outro não é pouca nem simples.
O ato sexual pode ser autorizado sem que, contudo, a pessoa se pergunte se o está fazendo por desejo de transar, desejo de agradar ou medo de ser criticada por dizer não.
Esse é um tema importantíssimo para o jovem ainda inseguro de si que a educação sexual deve abordar.
Os jovens não querem saber só sobre vírus ou gravidez, eles querem falar sobre os novos volumes e pelos em seus corpos, se suas fantasias eróticas são normais, como fazer sucesso com o parceiro/parceira, enfim, se há algo de errado com eles —a maioria acredita que sim.
Diferentemente do que se imagina, o temor em se abrir, o constrangimento em perguntar, a dificuldade em encontrar fontes e ambientes confiáveis é altíssima.
Falar sobre sexo com os filhos pode ser pedir demais para pais e mães sobrecarregados de temores e expectativas.
Escolas e centros de saúde são lugares privilegiados para transmitir a informação e escutar os jovens sem o constrangimento que costuma existir entre pais e filhos.
Concordo com a jovem que lamentou não ter visto a série antes. Teria sido ótimo tê-la assistido na minha adolescência e conversado sobre isso.