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Ser LGBT e gostar de futebol é existir de forma invisível, diz torcedor do Palmeiras


A discussão sobre homofobia no futebol ganhou mais força e espaço com a recente medida do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) de punir clubes cujas torcidas cantem gritos homofóbicos. A punição pode ser de multa ou perda de pontos e desde que entrou em vigor já modificou – ao menos um pouco – o cenário: pela primeira vez no País uma partida foi interrompida por causa dos gritos de “viado”. Além disso, diversos clubes da série A do campeonato Brasileiro se uniram em um manifesto contra a homofobia.

“Temos uma redução no grito de ‘bicha’ feito coletivamente pelas torcidas, mas as ofensas individuais seguem acontecendo, e para que isso acabe de vez é preciso educar o torcedor sobre o tema, de forma permanente, como se faz com o racismo e o machismo”, afirma William de Lucca, 32, ativista LGBT e co-fundador dos coletivos Palmeiras Livre e Resista SP, ao HuffPost Brasil.

A medida do STJD atende à recente criminalização destas ações no País estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu em junho deste ano que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo ― pena é de até 3 anos e crime será inafiançável e imprescritível ― e também a diretrizes internacionais da Fifa, que já pune com multa ações do tipo.

Apesar de ser um grande passo, o processo para que o futebol seja mais inclusivo e que os estádios se transformem em locais realmente seguros para o público LGBT ainda é longo. Torcedor do Palmeiras desde a infância, De Lucca frequenta estádios há anos e em 2018 recebeu ameaças e ofensas após criticar os cantos homofóbicos durante partida de seu time contra o São Paulo.

“A torcida do Palmeiras, em sua homofobia típica, canta que ‘todo viado nessa terra é tricolor’. Parece que encontrei uma exceção a regra: eu mesmo, viado e palmeirense, e que cola no estádio em TODOS os jogos”, escreveu o torcedor em tuíte que viralizou em março deste ano. De lá para cá, algumas coisas mudaram, mas outras nem tanto, ele conta.

“As ameaças nunca cessaram completamente e ainda, de vez em quando, tem gente que me acusa de ter ‘usado’ o Palmeiras em benefício próprio, quando o que eu fiz foi apenas uma crítica a um canto intolerante, para ter um espaço de torcida que respeite a diversidade”, explica. E essa luta pelo espaço de respeito à diversidade é a que ainda continua – e que não deve acabar tão cedo.

De acordo com o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays e 35% contra bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos, de abuso sexual a tortura.

Canal oficial do governo, o Disque 100 recebeu 1.720 denúncias de violações de direitos de pessoas LGBT em 2017, sendo 193 homicídios. A limitação do alcance do Estado é admitida pelos próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação e falta de dados oficiais.

“Com os clubes se posicionando, quem acha que o futebol é um espaço de intolerância perde incentivo de discriminar livremente”, aponta Lucca, ao elogiar as ações recentes que o Bahia têm promovido como, por exemplo, a criação do “Núcleo de Ações Afirmativas” dentro do clube e ao fazer apelo para que clubes paulistas como Palmeiras, São Paulo e seus rivais se posicionem.

Leia a entrevista completa:

HuffPost Brasil: Após alguns meses em vigor, qual a sua avaliação da medida do STJD de punir cantos homofóbicos nos estádios? 

William de Lucca: Eu acredito que a decisão foi paradigmática, mas já está caindo no esquecimento. Temos uma redução no grito de “bicha” feito coletivamente pelas torcidas, mas as ofensas individuais seguem acontecendo, e para que isso acabe de vez é preciso educar o torcedor sobre o tema, de forma permanente, como se faz com o racismo e o machismo.

Quais as principais mudanças que você pode destacar em relação à inclusão no futebol nos últimos anos? O ambiente dos estádios está mais seguro para o público LGBT? 

O ambiente do estádio segue sendo hostil para os LGBTs, e é por isso que não vemos pessoas LGBT nestes espaços, pelo menos não de forma visível. Você pode existir nestes espaços, mas de forma invisível. Quando te percebem, por criticar cantos homofóbicos ou por você estar acompanhado de seu namorado ou namorada, por exemplo, você passa a ser alvo de ameaças. No meu caso, as ameaças nunca cessaram completamente e ainda, de vez em quando, tem gente que me acusa de ter “usado” o Palmeiras em benefício próprio, quando o que eu fiz foi apenas uma crítica a um canto intolerante, para ter um espaço de torcida que respeite a diversidade.

Qual o papel dos clubes nesse debate e a importância de se posicionarem em relação a isso? Que medidas eles podem tomar para melhorar a experiência no estádio?

Os clubes tem papel preponderante neste debate. É deles a responsabilidade de mudar esta cultura dentro do futebol, especificamente. Quando o clube se exime de participar, a torcida entende que é permitido, que é aceitável, e o posicionamento faz com que, aos poucos, esta cultura mude. O que o Bahia tem feito [com a criação do Núcleo de Ações Afirmativas] é certamente histórico e não só em relação aos LGBT, mas em relação aos negros, as mulheres, aos povos indígenas. Com os clubes se posicionando, quem acha que o futebol é um espaço de intolerância perde incentivo de discriminar livremente.

Qual a importância de o futebol estar inserido nas discussões e movimentos sociais e de inclusão? 

O futebol não é uma ilha, mas é um espaço inserido em uma sociedade e que reflete, às vezes de forma ampliada, as intolerâncias desta sociedade. Vivemos em um país extremamente machista, racista, homofóbico, transfóbico, xenofóbico, e isso se vê nos espaços de esporte. Essa troca é constante e é preciso que o futebol se aproprie destas pautas e que a sociedade esteja atenta para o que acontece no futebol. É claro que não veremos mudanças nos estádios e arenas se não tivemos antes mudanças na própria sociedade, e isso inclui criminalizar a homofobia na Constituição e criar um programa amplo de educação pela diversidade, desde muito cedo. Sem isso, o futebol não mudará.

Que barreiras e/ou tabus ainda precisam ser quebrados para que os estádios se tornem um ambiente mais inclusivo e seguro para todos? 

O futebol é um espaço onde existem masculinidades construídas e quem não se enquadra acaba sendo discriminado, inclusive homens heterossexuais. Temos casos célebres de jogadores que não cumpriam um papel nesta construção esperada de gênero e que, mesmo que se posicionem como heterossexuais, acabam sofrendo discriminação. Isso afasta a possibilidade de termos jogadores de futebol, treinadores ou outros profissionais ligados ao esporte assumidamente gays, lésbicas ou bissexuais, e menos ainda pessoas trans, o que também seria importante para a visibilidade da causa.

É impossível imaginar que não tenhamos um numero considerável de LGBTs dentro do mundo do futebol e que eles não podem viver suas identidade de gênero ou orientações sexuais livremente, o que traz um sofrimento enorme. Construir um espaço onde a diversidade seja celebrada e não demonizada é importante. Um dia, teremos jogadores assumidamente gays, casais gays e lésbicas vivendo seus afetos livremente enquanto torcem e amam seus clubes. Mas para isso, é preciso agir hoje na direção da diversidade, e isso inclui torcidas, clubes, federações, a sociedade civil e o governo. É dever de todos.

Fonte: HuffPost Brasil

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