Warning: Use of undefined constant php - assumed 'php' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/storage/d/d2/36/abianovo/public_html/site/hshjovem/wp-content/themes/ultrabootstrap/header.php on line 108

Sem escola, mais de 1,5 milhão de crianças estão em casa há 9 meses em SP


Sheilla Gardenia César com os filhos em sua casa na zona leste; ela batalhou pela reabertura da escola deles – Eduardo Anizelli/Folhapress

Crianças que acordam meio-dia e ficam até de madrugada assistindo a desenhos na TV; adolescentes colados no TikTok, YouTube, Instagram e WhatsApp o dia inteiro, sem tocar nas apostilas; meninos e meninas que ajudam a limpar a casa e a dar banho no cachorro para o tempo passar mais rápido.

Quase 99% das escolas municipais e 48% das estaduais na cidade de São Paulo estão fechadas desde o fim de março. São mais de 1,5 milhão de crianças e jovens que estão em casa há nove meses sem ter o que fazer, enquanto os pais trabalham ou procuram emprego. Segundo professores, apenas uma minoria tem acessado as aulas online, e muitos não conseguem acompanhar as lições pelas apostilas que receberam na escola.

“Os meninos ficam vendo desenho até meia-noite, aí acordam meio-dia. Para que vou acordá-los cedo, para ficarem o dia inteiro sem fazer nada?”, diz a manicure Bianca da Costa Marques, 28. A escola de seu filho Marco Antônio, de 8 anos, está fechada desde março, assim como a creche de David, de 2 anos.

Desde o início, ela não conseguiu acompanhar as aulas online pelo aplicativo, porque a senha não funcionava, diz. Marco Antônio está no segundo ano e ainda não consegue ler, nem escrever.
Bianca contratava uma amiga psicóloga para ir à sua casa ajudar Marco Antônio nas lições, por R$ 30. Teve que parar. Ela recebia o auxílio emergencial, mas o valor caiu de R$ 600 para R$ 300, e ela está com contas atrasadas.

“Foi um ano perdido, era para ele ter aprendido a ler e escrever, mas está indo para o terceiro ano e não sabe”, diz.

Rafaelly Christinny Rios, 11 anos, desistiu das aulas online bem no começo e tampouco tem conseguido fazer as atividades escritas. Está com várias apostilas em casa, mas só fez uma, a de português.

Ela está no sexto ano de uma escola estadual que não reabriu e só vai para lá buscar as apostilas com a mãe, Ziane de Souza, 45, vendedora de produtos Avon, Natura e Boticário de porta em porta. “Não tem nada para fazer…acordo ao meio-dia, ajudo minha mãe a limpar a casa, fico um pouco no TikTok, no WhatsApp, dou banho no cachorro e assisto a novelas na TV”, diz Rafaelly.

Das 4.000 escolas municipais de São Paulo, só 36 (e mais 9 de ensino médio) reabriram em outubro. No Estado, de um total de 5.300 escolas estaduais, 1.800 retomaram atividades presenciais. Na capital, onde há 1.100 escolas estaduais, 700 voltaram. No caso das municipais, a decisão de abrir ou não cabe aos conselhos das escolas, compostos de professores, pais e membros da gestão.

Quando avisaram que a escola municipal Brigadeiro Correia de Mello ia reabrir para atividades extra-curriculares, em outubro, Sheilla Gardenia Cesar de Brito, 35, teve vontade de gritar de alegria. Seus filhos mais velhos, Ywry, de 12, e Yhago, de 9, ficaram tão animados que dormiram de uniforme.

“Eles não aguentavam mais ficar em casa, o Ywry estava até deprimido, porque não podia ir para a rua, andar de bicicleta, ver os amigos”, diz Sheilla, que tem mais três filhas —Yhara, de 5, Ysis, de 2 e Yhani, de 8 meses.

Yhara ficava assistindo a desenhos de ballet, Ywry gosta da Marvel e Yhago, de Scooby Doo, e os dois jogam com Playstation 2. “Mas aqui em casa, ninguém fica sem ter o que fazer: colocava um para lavar o banheiro, outro pra lavar a louça, depois limpar o chão e cuidar dos menores”, diz Sheilla.

Sheilla, o marido, Severino, e os cinco filhos se dividem em dois quartos em uma casa alugada no Jardim Eliane, zona leste de São Paulo. Na hora de fazer lição, Yhara se virava com o criado-mudo, e Ywry e Yhago compartilhavam a mesinha da cozinha.

Eles não têm computador nem tablet. O único celular ficava com o pai, que era eletricista em um hospital antes de ser demitido no meio da pandemia de Covid. Sheilla comprou um aparelho e rachou um pacote de dados com uma vizinha, mas a “sócia” gastava toda a franquia, então Sheilla parou de pagar. Agora, ela divide uma conta de wifi com outra vizinha, mas, mesmo assim, nunca conseguiu entrar nas aulas online.

Os filhos mais velhos, Ywry, 12, e Yhago, 9, trazem para casa as apostilas que a escola dá —mas Sheilla não consegue ajudá-los. “Eu estudei faz muito tempo, não me lembro”, diz ela, que saiu no primeiro ano do ensino médio.

Pouquíssimas crianças tiveram a mesma sorte que os filhos de Sheilla, que faz parte do conselho da escola e batalhou pela reabertura.

“As crianças estão passando horas em frente à TV e à tela do celular, o que causa atraso no desenvolvimento neurológico, psíquico e motor”, diz o pediatra Luiz Guilherme Florence. “Nas crianças de 5 a 10 anos, vem aumentando incidência de ansiedade, depressão e automutilação.”

Florence participa do movimento Ciência pela Reabertura das Escolas, que reúne mais de mil pediatras em defesa da volta às aulas presenciais com medidas de segurança.

Estudos mostram que as crianças abaixo de 11 anos transmitem muito menos a Covid-19 e que, quando são contaminadas, são assintomáticas ou apresentam um quadro leve.

Estimativas indicam que as mortes de crianças representam menos de 1% do total de óbitos causados pela doença. “Na maioria das crianças, os sintomas do coronavírus são febre baixa por dois dias, dor na barriga e na cabeça e tosse e coriza leves”, diz Florence. Uma pequena porcentagem das crianças, no entanto, desenvolve a síndrome inflamatória multissistêmica, que é grave.

No caso das crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos, o índice de contaminação ainda é menor do que entre adultos, embora bastante acima das crianças menores.

Apesar das orientações dos pediatras, alguns pais, com medo da doença, optam por não mandar os filhos para as aulas. Toda a família de Gabriel, de 15 anos, pegou Covid-19 —mãe, dois irmãos, e o pai, que chegou a ficar internado uma semana. Só ele escapou.

Como o barraco onde eles vivem é apertado, a mãe colocou Gabriel em isolamento embaixo do beliche durante duas semanas —fechou a cama com cobertores e sacos plásticos, e o menino só saía de lá para ir ao banheiro.

Quando a escola entrou em contato para chamar Gabriel para as aulas extra-curriculares presenciais, a mãe disse que não ia mandar. “E ele é um menino que tem dificuldades, sempre fez reforço, seria muito bom que ele viesse às aulas presenciais”, diz Maria Aparecida Bernardo Pivotto, assistente da diretoria da escola Brigadeiro.

Pesquisa Datafolha divulgada em 17 de dezembro mostra que o fechamento de escolas como maneira de conter o avanço da Covid-19 é defendido por 66% da população brasileira.

“Nós não conseguimos comunicar de forma eficaz a importância de as crianças voltarem para a escola e a segurança dessa volta”, diz Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularidades e ex-secretário municipal de Educação.

“As pessoas ainda estão com muito medo de deixar os filhos irem para a escola, precisamos mostrar que a escola está preparada para dar segurança às crianças e aos professores, não adianta só dizer que uma porcentagem muito baixa de crianças se contaminam.”

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou em 17 de dezembro que as escolas seriam consideradas serviços essenciais e poderiam permanecer abertas mesmo em cidades que estejam na pior fase da pandemia, a etapa vermelha. No entanto, a decisão final ainda cabe aos municípios.

O estado pode autorizar, mas tanto as escolas públicas quanto as particulares só abrem com o aval da Secretaria Municipal de Saúde. Em nota, a Secretaria Municipal de Educação afirmou que 4 de fevereiro é a data de início do ano letivo de 2021, mas “as autorizações para retorno presencial dependem das autoridades de saúde.

Estão autorizadas na cidade aulas extracurriculares para estudantes do ensino infantil e ensino fundamental e aulas regulares para o ensino médio, seguindo o Protocolo de Volta às Aulas da rede, construído em conjunto com educadores, e o Plano São Paulo.”

Pesquisa do Ibope de agosto indica que, em domicílios com renda per capita de até meio salário mínimo, 24,2% não tiveram acesso à educação remota, diante de 9,5% entre os estudantes de domicílios com rendimento per capita de quatro salários mínimos ou mais.

Mas professores advertem que a porcentagem de alunos que realmente acompanham as aulas online é infinitamente menor. Na escola Brigadeiro, só 31% dos alunos estão acessando a plataforma. E isso não quer dizer que estão assistindo a todas as aulas. “No começo, eu tinha uns 30 alunos acessando, agora, no máximo 5…” conta a professora Rizomar Maria de Menezes, que dá aulas para o fundamental 1 na Brigadeiro.

Alfabetizar as crianças com aulas remotas é um dos maiores desafios. “Pessoalmente consigo fazer com que eles sintam o som das letras, à distância, não dá”, diz Rizomar. “Nenhuma criança do primeiro ano conseguiu se alfabetizar; normalmente, no final dessa série, a maioria estaria lendo e escrevendo um pouco já.”

Além das aulas extracurriculares, que têm de 6 a 7 alunos por classe, antes os 32 regulamentares, a escola também oferece um plantão pedagógico, com professores à disposição para ajudar alunos e pais.

“Se a escola não estiver aberta, essas crianças vão ficar o dia inteiro soltas, na rua, sujeitas a todos esses perigos —drogas, violência”, diz o diretor Fábio Cutolo Silveira.

Uma minoria conseguiu se adaptar.

Erika Moraes, 33, tem três filhos: Beatriz, 9, Bruno, 6, e Bárbara, de dois anos e oito meses.

Beatriz, que quer ser veterinária e sempre tirou notas altas, conseguiu acompanhar as aulas online e fazer as atividades da Trilha de Aprendizagem. Trouxe livros para casa, inclusive seu favorito “Em busca da Meleca Perdida”.

Já Bruno, não. Na aula online, a professora pedia para as crianças copiarem palavras, mas Bruno demora para escrever e não consegue acompanhar. Quando as crianças passaram a ir três vezes por semana às atividades presenciais na escola, ele fez reforço de português e matemática e melhorou.

E ano que vem? “Ninguém sabe se realmente vai ter aula. A gente acha que esse negócio da doença vai acabar, mas nunca acaba”, diz Erika, que é manicure e faz tiras e laços para vender.

Para Alexandre Schneider, ex-secretário da educação, as crianças não estão apenas paradas. “Muitas crianças vão andar para trás, e, para recuperar, vai levar dois, três anos”, diz. “É dramático do ponto de vista pedagógico.”

Fonte: Folha de São Paulo

%d blogueiros gostam disto: