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Segundo módulo do Curso de Capacitação de Jovens Multiplicadores na ABIA aborda os 35 anos de epidemia de AIDS no Brasil e as novas tecnologias de prevenção


O segundo módulo do Curso de Capacitação de Jovens Multiplicadores do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, foi realizado na tarde da última terça- feira (13/06), na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), e teve como temática os “35 Anos da AIDS no Brasil e no Mundo” e as Novas Tecnologias de Prevenção. A abertura foi com o diretor-presidente da instituição Richard Parker que falou sobre a história social e epidemiológica da AIDS no âmbito global, a partir das quatro grandes “ondas” da doença. São elas:

  • 1981-1991: Primeira onda – anos de crise, mas também de resistência;
  • 1991 – 2001: Segunda onda – as batalhas para o acesso, articulação e proposição;
  • 2001 – 2011: Terceira onda – administrando a epidemia, no contexto do “scale-up” (escala maior de serviços e tratamentos no geral) e fragmentação;
  • 2011 – ??: Quarta onda – o fim da AIDS? Somente com repotilização e radicalização da resposta frente à epidemia.

Parker classificou as quase quatro décadas da doença desta maneira, pois de acordo com ele “ as ondas são caracterizadas pelo seu vai e vem e nós nunca sabemos o que esperar da próxima, que pode ser mais forte ou não. É possível apenas estarmos um pouco mais atentos”

“No início da epidemia foi muito difícil, eu vi muitos colegas morrendo de AIDS lá em São Francisco (EUA). Nesses primeiros anos também surgiram coisas bastante interessantes das comunidades mais afetadas que nos deram uma resposta interessante”, revelou Parker. Sobre a iminência de organizações como a UNAIDS (Programa Unido das Nações Unidas sobre HIV/AIDS), por exemplo, que preconizam e acreditam que até a década/ano de 2030 a AIDS esteja com sua epidemia erradicada, Parker enfatizou que há uma desmobilização de ações e contextos que vão à contramão desse objetivo. Um dos grandes problemas associados à epidemia e aos soropositivos é quanto ao estigma e a discriminação. “Herbert Daniel (importante ativista na luta contra a AIDS) já dizia que o vírus social é mais letal do que o vírus biológico. E o que podemos fazer para enfrentar isso é uma das grandes questões da epidemia”, ressaltou o diretor.

A arte do Cuidar aliada a construção da Solidariedade é um dos “princípios éticos e políticos que engajam as pessoas no enfrentamento. Vale dizer que o Brasil sempre saiu na frente, principalmente por Betinho, nessa questão”, completou Richard. Para ele, esses dois fatores constituem uma política de solidariedade que constrói pontes entre diferentes grupos afetados pela AIDS e auxilia o combate à epidemia, no entanto, Parker enfatizou que “ ainda continua muito impressionado como ainda é difícil lutar contra o estigma no país passados tantos anos”.  Outro tema pautado em sua fala foi a invenção do Sexo Seguro – surgido entre homossexuais no período do auge da epidemia e não como fator acadêmico – como enfrentamento da doença. “O sexo seguro surgido nos primeiros anos foi muito mais eficaz do que aquele da Medicina e Ciência, que geralmente vem com muita arrogância em sua abordagem”, completou. Práticas e comportamentos esses que fomentaram o chamado Ativismo Cultural, com campanhas e trabalhos artísticos de vanguarda, criativos e sem caretices – conforme vistos em eras contemporâneas – com ousadia, visibilidade e extensão nos direitos humanos e sexuais. “Na medida em que o Brasil começou a ceder a crescente onda conservadora e religiosa, isso enfraqueceu as respostas à epidemia e se resume no fracasso das ações”, criticou Parker. Em seguida, foi aberta as discussões para apreciação e debates dos 14 jovens e adultos presentes. “Eu não vejo formas de se alcançar os jovens hoje em dia se não adentrarem dentro da cultura e linguagem da juventude. E eu não vejo forma eficaz de se conseguir isso se não for por meio dos aparatos tecnológicos, como as redes sociais”, disse o assistente de projetos Jean Pierry Oliveira. Já para o ativista Lázaro Silva, há um retrocesso desde a adoção de TARV’s (Terapia Antirretroviral), em 1996, até hoje, haja visto que só metade da população infectada foi alcançada ou está em tratamento.

“O fortalecimento da fala lá fora, em outros espaços, é muito assustador. As pessoas não sabem. Isso é uma grande preocupação para mim, o fortalecimento do saber. E é justamente por isso que eu fico muito feliz de fazer esse Curso”, pontuou Vagner de Almeida. “Eu acho que seria interessante a instituição chegar e trazer esse jovem de hoje, da comunidade, para falar sobre isso: o HIV/AIDS, da relação com o sexo, da liberdade e do acesso fácil ao ambiente sexualizador e que foge do controle dos pais”, sugeriu a estudante de Serviço Social Cléo Oliveira. “A rebiomedicalização e uma certa arrogância do Estado para com as comunidades e a sociedade civil, são dois dos problemas que se relacionam com tudo isso. Você tira da sociedade a possibilidade de fazer as coisas, o que seria mais adequado às organizações civis, e trata tudo sob a ótica partenalista do Estado como se eles fossem resolver todas as coisas”, criticou Parker. Uma indagação norteou também o curso: o que é Sexo Seguro? “Para mim o que foi passado e o que é dito para as mulheres é não engravidar. É usar camisinha, pílulas anticoncepcionais, essas coisas. E por ser heterossexual ninguém disse para mim me preocupar com HIV/AIDS. A única preocupação é não engravidar”, falou a assistente de Projetos do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI/ABIA) Clara Alves. Já segundo Lázaro Silva, “para quem é soropositivo é não infectar uma outra pessoa. É ser visto como um corpo perigoso. As pessoas têm a fala do use camisinha, mas que outras opções dão para quem não usa ou não quer usar?”, questionou. “Para mim, de acordo com as experiências que tive, é que eu sempre fui o risco. Que eu sempre representei o risco. Porque eu era, até então, o viadinho. Sendo hoje uma mulher trans/travesti é não ser puta. Não se prostituir. Não ser uma fonte de HIV. Hoje, para além do preservativo, é a comunicação entre as partes (o sexo seguro). Deixar a pessoa à vontade sobre tudo que envolve a AIDS e DST’s”, categorizou Cléo Oliveira. Para Richard Parker, não há uma definição sobre a questão do Sexo Seguro, uma vez que tudo aquilo ensinado pelo Estado sempre foi passado de maneira muito dogmatizado e conservador, sem levar em conta fatores externos para além dos preservativos. Para finalizar sua participação Parker afirmou que “ sem falar de sexo a gente nunca conseguirá ter sucesso no enfrentamento da

epidemia. ”

Perspectiva Relacional

Veriano Terto Jr, vice-presidente da ABIA, foi o segundo palestrante do Curso em seu segundo módulo. O foco de sua fala concentrou-se em novas abordagens de trabalhar a sensualidade e a negociação das práticas sexuais, do ponto de vista relacional. Destacou as seguintes nomenclaturas: Barebacking, Serosorting, Segurança Negociada e Compensação de Risco. “Será que o meu corpo só me pertence e eu faço com ele o que eu quero? Isso também faz parte da prevenção. E na medida que eu quero me dar para o outro, então o meu corpo não somente me pertence”, explicou ele. A importância de entender quem é o jovem atualmente é uma das premissas para se trabalhar a palavra (e o contexto) no plural e não no singular. Logo, o resgate dessa perspectiva vai de encontro justamente às classificações acima citadas e suas relações sexuais. Sobre o barecking, Terto Jr contextualizou dizendo que o conceito e a prática “surgiu nos EUA contra esse discurso do “use camisinha” em comunidades gays. É a prática do sexo sem camisinha, contra a dimensão do discurso de prazer. Ela foi o suficiente para que qualquer pessoa que não use camisinha, especialmente gays, seja taxado como bareback”.  “As pessoas a partir do seu conhecimento vão adotando outras práticas como, por exemplo, o Serosorting. Ou seja, quando alguém com sorologia positiva procura alguém com a mesma sorologia”, disse ele. E questionou: “isso é sexo seguro, escolher o tipo de parceiro dessa maneira?”.

Mas quando dentro de uma relação há relacionamentos extraconjugais, praticados consensualmente, pode haver a Segurança Negociada, ou seja, com os/as “de fora” usa-se camisinha e com os/as “de casa” negocia-se o não uso da camisinha. Quanto à compensação de risco, o contexto determina até onde a prática mais arriscada irá e/ou onde a menos invasiva pode ser negociada como, por exemplo, não gozar dentro. Ou quando for ativo, não usar camisinha, mas quando for passivo sexualmente falando, negociar o uso do preservativo com o parceiro. “Precisamos resgatar essa noção de Sexo Seguro dentro da prevenção contra esse discurso moralizante e estatal”, finalizou Terto Jr. Almeida enfatizou a fala de Terto ao afirmar que “ Não é a quantidade e sim a qualidade do sexo que te coloca em risco ou não”. Um aliado do Sexo Seguro é a Prevenção Combinada, assunto pautado na fala de Juan Carlos Raxach, assessor de Projetos da ABIA, e terceiro debatedor do dia no Curso. Foram salientados diversos novos métodos ou tecnologias de prevenção, que são verdadeiras barreiras ao HIV, como o preservativo/camisinha (masculino e feminino), PEP (Profilaxia Pós Exposição). PrEP (Profilaxia Pré-exposição), Tratamento como Prevenção (TCP), Circuncisão e a própria noção de Profilaxia.“A influência cultural que a gente tem é muito forte e por isso mesmo se desvincular da camisinha é complicado. Mas tudo é um hábito. É um novo aprendizado”, afirmou Cléo. “Quando chegou a necessidade do uso da camisinha, muitos diziam que brochavam. Mas vocês nasceram numa época de “se não usar eu morro”, então a associação foi de sobrevivência. E isso continua no imaginário das pessoas”, rebateu  Almeida. “É preciso passar e produzir esse conhecimento, porque elas estão cientificamente amparadas como boas, e deixar claro que essas pessoas que não querem usar a camisinha tem o direito de usar a PrEP, por exemplo. É um direito humano”, deixou esclarecido Raxach.

O terceiro e último módulo do Curso de Capacitação de Jovens Multiplicadores sobre Comunicação e Ativismo Cultural será realizado na próxima terça feira (20/06), das 14h00 às 18h00, no Centro (RJ), na sede da ABIA.

Texto: Jean Pierry e Jéssica Marinho
Fotos: Vagner de Almeida

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