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Segundo dia do Seminário Aprimorando III é marcado por temas densos e lançamento de livros


O segundo dia do “Seminário de Capacitação em HIV Aprimorando o Debate III: Estigma, Pânico Moral e Violência Estrutural” iniciou-se a partir das 09h30. Realizado no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, teve a Mesa 1 intitulada como “Estigma e Pânico Moral: ataques ao gênero, sexualidade e a luta contra a AIDS”.

Roger Raupp Rios, desembargador da Justiça Federal, abriu os diálogos tendo o estigma, o preconceito e a discriminação como planos de exposição sob a ótica da violência estrutural e direito à saúde. “Estigma é uma marca de conteúdo muito negativo e excludente (…) e na forma como estudamos hoje nas Ciências Humanas apresenta o indivíduo na sociedade antes mesmo dele chegar. Tem um efeito prévio como marca que se institui à margem de alguém”, afirmou ele.

Citando Richard Parker, diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), como uma das referências teóricas que falam sobre o estigma, Rios disse que “mais importante do que falar sobre estigma, é falarmos de estigmatização. Uma marca de deterioração que é muito forte, sobretudo no HIV/AIDS, que engendra opressões sociais e relaciona-se com inúmeras áreas”. Direcionando o debate para o campo do Direito, em que atua, o desembargador conceituou juridicamente a discriminação como: exclusão, restrição ou distinção, com o propósito ou efeito de restringir, prejudicar ou anular o reconhecimento ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos fundamentais nas esferas da vida pública, privada, social, econômica e cultural. “Esse conceito não é meramente uma formalidade jurídica. Pra chegar nesse conceito teve muitas lutas, disputas e sangue”, revelou.

A relação do estigma, discriminação e violência foi salientado pelo jurista como um elemento de privação arbitrária de direitos. A conjuntura desses fatores integra a violência estrutural, o que desarticula e impede respostas coletivas e institucionais diante de direitos.

Homoafetividade e a Política de Sexualidade no HIV/AIDS

Essa foi a temática da apresentação de Ângelo Brandelli Costa, professor de pós-graduação em Psicologia e Ciências Sociais da PUC-RS. Versatilizando a fala entre preconceito, discriminação, ativismo LGBT, moralismo, leis e direitos no campo homoafetivo e do HIV/AIDS, Brandelli disse que “politicamente esse conceito da homoafetividade no Direito foi criado para destacar relações e afetos românticos entre pessoas do mesmo sexo – o que heteronormatizou os mesmos – e cria ramificações que levam ao Direito Homoafetivo, como campo de atuação e o artigo do Princípio da Afetividade na formação familiar”, explica.

Isso, segundo o professor, vai de encontro a tese da Razão Humanitária: livro-conceito de Didier Fassin,     que justifica o afeto como instrumento de mobilização social para reparar desigualdades sociais.

Políticas Antigênero

Sônia Corrêa, coordenadora do SPW (Sexuality Policy Watch)/ABIA, foi a terceira palestrante do painel da manhã. A pesquisadora trouxe para o Seminário o debate acerca das políticas antigênero, “pois estamos vivendo isso de maneira muito ostensiva no Brasil, atualmente”, criticou ela. Mas os efeitos dessas políticas contra a chamada “ideologia de gênero” não é exclusivo do Brasil. Toda a América Latina sofre seus efeitos.

Para justificar isso, Corrêa evidenciou uma linha do tempo com um apanhado de ações e realizações que colaboraram para o estágio atual de cerceamento. “O ápice foram os anos 2016-2018 e começaram com os referendos de paz na Colômbia, passa pelas investidas de um ônibus antigênero por Nova York e Santiago, chega aos ataques a (filósofa e teórica) Judith Butler, até desembarcar no Brasil com o resultado das eleições de 2018 no que chamo de ‘catástrofe perfeita’, resumiu.

Diante dos dilemas postos, o que se observa é uma cruzada conservadora, moralizante e biomedicalizante acerca das políticas de gênero, muitas vezes, financiados e sustentados por atores ecumênicos (religiosos) e empresariais com interesses difusos. “Cria-se um discurso de (re)naturalização e (re)cristanização que desafia e despolitiza os direitos humanos, de gênero e sociais, também no HIV/AIDS porque novas dinâmicas comportamentais e  sexuais saem da lógica tida como normal”, atesta. Corrêa complementa que nunca a lógica Foucaultiana, do biopoder e controle social, se fez tão presente.

Todo o debate foi mediado pelo coordenador da área de Treinamento e Capacitação da ABIA Salvador Corrêa.

Fatores de Violência Estrutural

No período da tarde, entre 14h00 e 17h00, o Seminário retomou com a composição da Mesa 2. Intitulada “Fatores de Violência Estrutural na Resposta à AIDS” o painel foi composto por: Kátia Edmundo (Diretora-Executiva do CEDAPS e professora de pós-graduação em Saúde da Família), Maria Luísa de Oliveira (Rede Feminista de Saúde) e Célio Golin (Presidente do Grupo NUANCES). A facilitadora da mesa foi Carla Almeida, da Secretaria de Gestão da ANAIDS.

Maria Luísa Oliveira focou em desafios como o racismo, sexismo e o classismo como mote interseccional de sua intervenção. “Existe uma naturalização tão forte do racismo que parece ser normal. Que ninguém mais se assusta”, criticou. Segundo ela, outro fator de agravo, principalmente para o HIV/AIDS, é a opressão sofrida por muitas mulheres que impede ou dificulta a negociação de muitas delas no que tange ao sexo e sua prevenção.

“A relação entre violência e HIV/AIDS não possibilita que muitas mulheres tenham ou façam uma prática segura por conta dessas relações hierarquizadas. É o que determina os graus de desigualdades sociais e de gênero”, ressalta. E encerrou considerando que “não se pode perder de vista as especificidades, porque isso aumenta a desigualdade e corremos o risco de redução de uma perspectiva tecnológica sem levar em conta os parâmetros sociais e políticos para o exercício da vida e não da morte”.

 

Trajetória homossexual

A trajetória dos gays na epidemia de HIV e o seu histórico de militância no país, desde os anos 90, foi o tema de Célio Golin, do Grupo NUANCES. Segundo ele, “quando um gay se descobria com o vírus, ele não só descobria a doença como também acabava revelando (in)diretamente sua sexualidade. E eu tenho certeza que muita gente também morreu por conta disso, desse marcador que a sociedade cria e desafia no que significa ser gay nesse país”, disse contundentemente.

Isso se traduziu ainda num papel político naquela época, a partir de 1991, e se fortaleceu numa importante questão de Direitos Humanos, redes de solidariedade na resposta à AIDS e cobrança do Estado. Num segundo momento, o local de marginalidade foi deslocado para um debate político-social mais abrangente. “Nós não aceitamos mis estarmos colocados na questão de patologia. Isso criou um atrito porque gera mudanças e muda a relação de poder”, afirmou. O empoderamento alcançado pelos LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), para ele, é um caminho sem volta e positivista do segmento. “Mas a gente perdeu o conceito dos direitos humanos e a conjuntura do ódio tomou conta. É isso que tá colocado hoje mesmo com todos os avanços e eu não sei o que vai dar”, lamenta.

Kátia Edmundo, do CEDAPS e professora de pós-graduação em Saúde da Família, conceituou com mais afinco o que é violência estrutural e trouxe para o evento a perspectiva das pessoas com deficiências (PCDs). Com uma sociedade marcada pela desigualdade, em diversas áreas, Edmundo reuniu alguns dados e apontamentos sobre as disparidades de renda e educação entre regiões brasileiras, a pauperização da população e a alta letalidade (homicídios) no país – especialmente em pessoas negras – sob o organograma: favelas e periferias/pessoas com deficiências > racismo estrutural.

A correlação entre AIDS e deficiências, aliás, foi ponto de reflexão e indagação de Edmundo para com os presentes. “Inclusão tem que ser para todo mundo”, categorizou. Nesse momento, Kátia Edmundo exibiu um pequeno vídeo com jovens que tem síndrome de Down debatendo a importância da sexualidade, afetividade e sexo seguro. O vídeo recebeu elogios e aplausos diversos do público presente.

Cotidianos e direitos negados

Trabalhando em um projeto com foco em territórios periféricos, Edmundo apresentou fotos com demandas e direitos negados dessas populações locais que desafiam o dia a dia e vulnerabilizam essas pessoas, como falta de mobilidade, saúde, saneamento básico etc.

No que tange a sexualidade e PCDs, existen muitas limitações, segundo ela revela. A ausência de soluções inovadoras exclui esse público do alcance de suas possibilidades dentro de suas especificidades. “Precisamos saber o que falar, como e quando falar para incluir. A ideia é ganhar visibilidade no tema e produzir pesquisas”, contou. Durante a sessão perguntas e respostas surgiram questões sobre independência das pessoas com síndrome de Down, fim dos Conselhos da sociedade civil no governo Bolsonaro e também houve espaço para uma crítica construtiva por parte da participante Cléo Oliveira sobre a falta de interseccionalidade do evento e o academicismo de algumas exposições.

 

Lançamentos  

Finalizando o evento, Veriano Terto Jr – vice-presidente da ABIA – convidou os participantes para o (re)lançamento dos livros “Vida Após a Morte” e “A Terceira Epidemia”, de Herbert Daniel e Richard Parker e “Tratamento como Prevenção” e ‘Que País é Esse?” da Fonte Colombo, ambos de José Bernardi e Osman Miguel Bernardi, da Pastoral da AIDS.

“Convidamos todos vocês para levar para casa esses exemplares da ABIA e também da Fonte Colombo, que servirão para conhecer um pouco melhor de questões ainda tão atuais da epidemia de HIV/AIDS. Os da ABIA, Vida Após a Morte e A Terceira Epidemia são relançamentos de uma obra histórica anteriormente já publicada por Herbert Daniel e Richard Parker e que, certamente, contam muita coisa do histórico nosso de luta e resposta frente a epidemia de AIDS no Brasil”, afirmou Terto Jr.

Além desses materiais, também foi distribuído o Pôster Direitos Sexuais são Direitos Humanos, também relançados esse ano pelo Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA, coordenado por Vagner de Almeida.

Texto: Jean Pierry Oliveira

Foto: Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

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