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Segunda mesa do Seminário Repensando a Prevenção debate os meios utilizados de se fazer Prevenção na atualidade


Na segunda mesa do dia no Seminário Repensando a Prevenção coube a Richard Parker (diretor-presidente da instituição) juntamente com Vagner de Almeida e Juan Carlos Raxach (coordenadores do Projeto Diversidade), respectivamente, abordarem a temática Prevenção Combinada: o estado da arte. A coordenação ficou por conta de Veriano Terto Jr e mediação de Sandra Filgueiras.

 

Pedagogia da Prevenção Combinada

O conceito da Pedagogia da Prevenção foi elucidado por Parker como uma importante ferramenta para a reinvenção da prevenção do HIV no século XXI. Além disso, o antropólogo também abordou a relação da pedagogia da prevenção com o sexo seguro. “Esse conceito de sexo seguro nasceu dentro da comunidade, não foi um processo biomédico. Foram as comunidades mais afetadas como a dos homossexuais, por exemplo, no início da epidemia que iniciaram essa prática”, explicou ele.

Em sua fala, destaque para os paralelos com a questão da epidemia de AIDS o antropólogo disse que, atualmente, os cientistas também vêm tentando achar uma saída e respostas para a cura da COVID-19 e/ou seu tratamento mais eficaz, assim como a sociedade precisa encontrar novas formas de lidar com esse patógeno desconhecido. Até mesmo por isso, é necessário resgatar na história da Saúde Global das epidemias – principalmente o da AIDS – alguns apontamentos e lições. “A AIDS já foi uma pandemia e também precisou ser enfrentada de maneira global. 

 

“A primeira década foi uma década muito difícil, com um sofrimento terrível para as pessoas infectadas pelo HIV. Mas o positivo foi o começo de uma resposta solidária ao vírus e precisamos enfatizar isso hoje”, contextualiza. Outro ponto destacado foi a forma encontrada por cada comunidade para cuidar da epidemia e daqueles que estavam infectados mesmo com todo o processo de redemocratização, politização da sexualidade e o Movimento Sanitarista, que se fizeram presentes nessa primeira onda.

Para, Parker a prevenção começou a ficar confusa quando as pessoas diretamente afetadas deixaram de ser ouvidas e consequentemente o assunto passou a ser discutido pela comunidade científica, que segue apostando na biomedicalização como solução para a epidemia. “Foi por isso que a partir dos anos 2000 nasceu um conceito chamado de Prevenção Combinada por pessoas preocupadas com a biomedicalização. Isto é, aliar diversas opções de prevenção para cercar o vírus e enfrentar as barreiras estruturais, comportamentais, de raça, gênero e outros aspectos”, contou.

Mas ainda há “insistência nas apostas biomédicas. Então temos que pensar qual seria realmente o caminho para avançarmos numa pedagogia de prevenção combinada que queremos”, salientou ele. Outro ponto exposto por Parker foi “a necessidade urgente de recuperar as abordagens culturais como forma de prevenção. Nós temos que reinventar o sexo mais seguro para o século 21”

Como medidas importantes para se implementar e obter melhores resultados, Parker afirma que é necessário reinventar o modelo e aponta a Pedagogia da Emancipação como o primeiro passo. A proposta se caracteriza por:

  • Devolvendo o lugar de controle pela prevenção para as comunidades;
  • Reconhecendo que a maior expertise sobre a nossa sexualidade reside conosco;
  • Compreendendo que conhecimento é poder e que as comunidades afetadas pela epidemia são a maior fonte de conhecimento sobre elas mesmas;
  • Reinventando o sexo seguro como um exercício da solidariedade, uma prática comunitária, e uma forma de resistência, principalmente nestes tempos sombrios que estamos vivendo.

Rio das Prevenções

Coordenador de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) e integrante do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, Juan Carlos Raxach, apresentou o Rio das Prevenções para os convidados.  “Essa é uma metodologia que encontramos para ajudar a abordar a pedagogia da prevenção. Em conversas com Richard e pessoas da ABIA, pensamos: como falar de prevenção combinada com as comunidades? E daí chegamos na dinâmica Rio da Vida, onde você pode contar sua história através desse rio que nasce e vai cursando seu caminho”, explicou o coordenador de projetos.

Raxach explicou que o Rio das Prevenções tem como conceito à pedagogia desenvolvido por Paulo Freire na obra “Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa”. Para o médico o “Rio das Prevenções não é perfeito, mas permite que cada um tenha autonomia para escolher a sua forma de se prevenir.” 

Além disso, durante o seu discurso Raxach foi categórico ao falar sobre como o autoritarismo e a norma biomedicalizante desconsiderarem a perspectiva dos Direitos Humanos na Prevenção Combinada. O Rio da Vida, que deu origem ao Rio das Prevenções, consegue “conhecer os fatos da vida dessa pessoa, seu histórico, os acontecimentos significativos de sua vida para respeitarmos as decisões tomadas por ela, inclusive quando não quiser usar camisinha, por exemplo”, pontuou.

Sexo seguro, redução de danos, camisinha (externa e interna), entre outros quesitos, se apresentam de forma quase análoga ao HIV/AIDS e a dinâmica da epidemia no Brasil. Para Raxach, a ditadura da camisinha durante muito tempo criou resistências no seu uso como escudo para a prevenção. Daí a importância de se abrir espaço para novos recursos – para além dos biomédicos – de forma que democratize e tangibilize a acessibilidade para todos, conforme suas necessidades e experiências sexuais.

 

Também médico, Raxach afirma que até o surgimento da PEP (Profilaxia pós-exposição) e da PrEP(Profilaxia pré-exposição), mais recentemente, incorporou um controle mais significativo para as populações mais vulneráveis ao HIV/AIDS, entretanto, “nem sempre é fácil encontrá-lo no sistema público. O acesso, principalmente com a PrEP, ainda é muito difícil e limitado. Sabemos o que acontece atualmente”, resignou-se. 

Essa trajetória apresentada pelo Rio das Prevenções passou a ganhar forma através do surgimento desses conceitos, possibilidades e, sobretudo, direitos para exercer a sua vida sexual. A chamada “Caixa de Ferramentas, é composta justamente por esses fatores médicos (PEP, PrEP, Tratamento como prevenção etc), Comportamentais/Barreiras Físicas (Educação, Redução de Danos, Abuso de Álcool e outras Drogas etc) e Estruturais (Acesso universal para medicamento, acesso universal a camisinha, promoção e garantia dos Dir. Hum etc) apresentados pelo médico.

 

Finalizando, Raxach deixou algumas questões para o público presente refletir:

  • Quais métodos de prevenção podem ser combinados de acordo com o comportamento sexual das pessoas?
  • Em que medida as escolhas são informadas?
  • Como no Brasil as novas políticas de prevenção e tratamento são implementadas e o acesso aos novos antirretrovirais são incorporados em nossos protocolos?
  • A voz, experiências e necessidades das pessoas mais vulneráveis são atualmente ouvidas nos debates e políticas públicas de prevenção e tratamento?
  • Como o estigma, a discriminação e o preconceito continuam sendo obstáculos para a prevenção e o tratamento?

 

 

Ousar e Prevenir através dos Guias de Sexo mais Seguro

Importante ação do Projeto Diversidade Sexual nos últimos anos. A relação entre arte e prevenção foi elucidada por Vagner de Almeida, que dissecou como seu deu o processo de criação e produção dos Guias de Sexo Mais Seguro. Almeida falou da importância de não esquecermos a história. “Eu não entendo muito bem o porquê desse retrocesso. Eu entendo o retrocesso do governo, mas o nosso não”, indagou o cineasta.

A ousadia permitida pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS ao longo de sua história foi elogiada por Almeida, que acredita na prevenção através da arte.  “A ABIA deu a oportunidade de muitos jovens se reunirem para discutir sexualidade, juventudes, HIV/AIDS e sexo. As pessoas não sabiam o que estava acontecendo com ela, não sabiam onde ir, faltava um conhecimento geral. E era na ABIA que essa pessoas marginalizadas, na época “de ouro e de óbitos”, dos anos 90 que esses membros falavam e eram ouvidos”, relembrou ele.

Contudo, a perseguição creditada a instituição pela maneira como trabalhava a epidemia de HIV e AIDS e suas campanhas ousadas foram motivos de forte pressão política e midiática.  O coordenador revelou que a instituição era constantemente vigiada, criticada e atacada pelo tipo de trabalho que realizava e pelo perfil de público que focava, afinal, “ninguém queria trabalhar com pessoas soropositivas, trans, travestis e HSH e a ABIA foi corajosa em não deixá-las de lado”. Por isso, até hoje – na quarta década da epidemia no Brasil – a ABIA continua tão relevante e a ousadia presente.

Um dos trabalhos mais ousados e contemplativos sobre a sexualidade e populações mais vulneráveis atende pelo nome de Guia de Sexo Mais Seguro, desenvolvido em 2020 dentro do Projeto Diversidade Sexual. Focados na questão do HIV e da AIDS, os guias de sexo mais seguro pensaram especificamente em três populações (HSH, mulheres cis e mulheres trans) o que mais surpreendeu os participantes. “Todos esses materiais foram compostos, produzidos e criados com a ajuda das populações com as quais direcionamos o foco. O voluntarismo deles, desde os grupos focais, até as fotos vistas no folder foi fundamental para o sucesso que temos alcançado com os materiais até aqui”, disse Almeida.

As fotos explícitas ao mesmo passo que foram elogiada por uns, causaram incômodos em outros. Mas, Almeida é taxativo sobre o tema: “não se pode fazer um guia de sexo mais seguro sem falar de sexualidade”, resumiu. Uma última versão que será dedicada aos Homens Trans, está em fase de pesquisa e por isso não existe ainda a previsão de lançamento. “Na contramão desse retrocesso nós ainda estamos produzindo arte em busca de uma prevenção mais igualitária e sincera para a população”, conta Almeida. 

O coordenador do Projeto Diversidade finalizou sua participação falando sobre a importância de resistir em tempos tão difíceis como este em que estamos vivendo com a chegada da pandemia de COVID-19. “Eu pensei que em 2021 eu não precisasse mais falar sobre Silêncio= Morte, mas essa invisibilidade que estamos sofrente está nos levando ao retorno desta campanha que fez tanto barulho décadas atrás” enfatizou Almeida.

Almeida ressaltou ainda que todo esse trabalho- entre outros – podem ser encontrados no site do Projeto Diversidade Sexual (hshjovem.abiaids.org.br), onde há um amplo leque de materiais informativos e audiovisuais sobre gênero, sexualidade, prevenção e HIV/AIDS. “Também estamos buscando enfrentar esse momento, frente à falta de recursos e limitações da pandemia, com uma ação muito bacana de distribuição de kits de prevenção com nossas máscaras personalizadas, álcool em gel e camisinha”.  

Discussão

 

Sandra Filgueira foi a responsável por fazer as considerações durante o momento da discussão, após o intervalo. Racismo, homofobia, discriminação, preconceito, estigma e as carências de diálogo do dia a dia foram pontuados em sua fala. Para ela, “isso tem sido algo escasso, logo o diálogo, uma matéria prima para construir um cuidado integral e ajudar as pessoas a refletirem. O diálogo é uma ferramenta essencial na saúde e no cotidiano e não podemos perdê-lo do horizonte ético”, afirmou ela. 

 

E completou: “precisamos que o diálogo seja retomado para que, de fato, seja implementado como ferramenta na integralidade do indivíduo. Temos que ter atenção para isso”. A representante da Secretaria Estadual de Saúde também ressaltou a importância de se valorizar o SUS (Sistema Único de Saúde) e reforçar os seus princípios: equidade, integralidade e universalidade. 

 

Richard Parker seguiu na mesma direção. “Temos que defender o SUS mesmo. Eu acho que a mobilização das organizações e da sociedade civil precisa prescindir de uma grande coalizão no país. É o que eu vejo como uma intervenção estrutural sim e uma prioridade das organizações”, ressaltou. Já Juan Carlos Raxach disse que é preciso se atentar para a chegada das OSs nos serviços de saúde. Falando do contexto do Rio de Janeiro, em determinados locais há caminhos mais fáceis para se chegar ao atendimento e acesso ao tratamento. Mas “o que nasceu para criar uma solução, criou uma desigualdade no serviço”, observou.

 

Outra discussão levantada foi sobre o trabalho dos agentes comunitários nesse contexto de epidemia e pandemia. “Eu entendo que os gestores estão pressionados pelas questões neoliberais. Isso está sacrificando questões importantes e necessárias para se trabalhar a prevenção. É preciso uma reflexão crítica sobre o neoliberalismo e sobre a manutenção do que é pior na política de AIDS e o tipo de pedagogia da prevenção que buscamos defender”, apontou Richard Parker em resposta. Complementando, Veriano Terto Jr alertou ainda para a precarização do trabalho por conta dessa característica, que contrata mão de obra barata e prejudica o serviço.

 

 

Texto: Jéssica Marinho e Jean Pierre

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