Relacionamentos que são afetados por padrões > que são afetados pelas redes sociais > que são afetadas por um mascaramento da realidade > que afeta nossa saúde mental > que afeta a sociedade > que uma vez afetada se isola > e quando se abre busca caixinhas (identitárias) para se sentir mais acolhida ou menos vulnerável. Foi dessa maneira, interseccional, que ocorreu os debates durante a realização da Roda de Conversa “Solidão no Universo LGBT”, na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), na noite da última quarta-feira (17/10), das 18h00 às 21h00, no Centro (RJ).
Organizado pelo Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens e coordenado por Vagner de Almeida, o evento iniciou-se com apontamentos sobre o isolamento social e o consequente esvaziamento mobilizatório causados em parte por uma apatia geral e em outras pelo advento das redes sociais e o “ativismo de sofá”. Anna Paula Uziel, psicóloga e professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e coordenadora do LIDIS – Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos e pesquisadora associada do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ), foi a especialista convidada da Roda e disse que “hoje em dia é preciso resistir e buscar uma forma de se equilibrar em meio a isso tudo. Porque é preciso pensar em como fazer a minha parte pensando no outro. E o que tá acontecendo agora é que, com todas as diferenças ideológicas que podemos ter, não tem ninguém fazendo discurso para aniquilar ou matar o outro. E isso tá sendo feito. Não se trata de quem é bom ou ruim. É do que pode ou não pode”, contextualiza ela.
Já a assistente de projetos Jéssica Marinho observou criticamente a falta de interlocução entre gerações “Eu acho que devemos dialogar mais entre nós enquanto cidadãos e movimento social. Então, não podemos somente ficar nessa de ‘você é do (movimento) LGBT, você do feminista, você do negro e não unificarem as lutas em prol de todos. Por isso vemos nos encontros (especialmente os de HIV/AIDS) só os ‘dinossauros’ (pessoas mais velhas) e os mais jovens não se integram. Assim como os mais velhos também não o fazem com os mais jovens”. “Nós não estamos num nível de civilidade para manter os diálogos, onde os pontos de apoio entre os diferentes possam se manter firmes”, ressaltou Almeida com relação ao “gap” intergeracional. “É por isso que eu gosto da ABIA, sem desmerecer outras ONG’s. Mas aqui é possível obter uma margem de conhecimento não impositiva ou robótica. Ela te faz pensar”, elogiou o participante Ricardo Piacentini.
“As pessoas estão cada vez mais solitárias”. Esse é uma percepção latente na visão de Sandra Brito, uma das presenças da Roda. Para ela, esse isolamento não somente dificulta as relações interpessoais como afeta outras vertentes. “Eu vejo e sinto uma dificuldade enorme de falar de HIV com os jovens. Eu tenho um neto de 13 anos e ele está começando a ficar mais ‘nervosinho’ e os pais dele são ignorantes. Não querem conversar. Mas, além disso, também não se importam em falar de sexo e sexualidade, nem com menino e muito menos com meninas, no geral. Então eu mesmo dou camisinhas para ele e oriento a ir se estimulando. Porque para mim o importante é usar”, contou ela. Já para a psicóloga Penélope Esteves é preciso entender quais e que caminhos nos trouxeram até aqui, nesse momento conturbado, para encontrarmos respostas. “Eu acho que mais do que solidão política, nós vivemos uma solidão enquanto humanos. Ontem eu me deparei com um texto sobre suicídio, onde pessoas com até 35 anos são as que mais pensam em morrer. E o que eu vejo ao meu redor é justamente isso: pessoas jovens querendo se matar. Então isso é algo que eu compreendo que não vêm de agora, porque basta você entrar nas redes sociais e ler determinadas coisas que há dois anos atrás você não veria, por exemplo. Então o momento de agora é onde as pessoas chegaram no limite e encontraram formas de despejar aquilo que sentem, inclusive se matar”, analisa.
Mas a busca pela sobrevivência dentro de um sistema de macro violências – e interseccionais – é o que reduz indivíduos em grupos identitários como “escudo” para maiores opressões, por mais difícil que seja não sair do lugar. Isso é o que Maria Lúcia Meira, jovem universitária, percebe entre amigos e outras pessoas ao seu redor. “Eu acredito na capacidade das pessoas aprenderem. Mas, no momento, as pessoas estão cegas, surdas e mudas e só enxergam o que querem. Então é difícil porque até mesmo quem faz parte dessa caixinha que você está inserido reproduz determinadas ações e aquilo te desaponta. Você passa então a não acreditar em mais nada”, afirma.
Para Almeida, “é necessário entender nossa história. As pessoas não lembram do passado, são ralas e rasas. Se preocupam com o hoje, com o amanhã, mas o que aconteceu para chegarmos até aqui elas não se importam”. “Mas é importante saber do seu passado, mas também da nossa contemporaneidade. Hoje a questão da identidade está sendo capturada através dos meios de comunicação a seu favor por movimentos de extrema direita. É importante fazer essa reflexão, saber da nossa história e da dimensão dessa humanidade. Reconhecer a humanidade, principalmente do povo negro que ao longo do período escravocrata e até hoje é desumanizado, porque somos a resistência do nosso país: negros e brancos enquanto sociedade”, rebateu a jornalista Angélica Basthi. O assistente de projetos Jean Pierry Oliveira também endossou o comentário, destacando que a busca pela retomada dessa história torna-se fundamental na medida que governantes populistas utilizam-se dos artifícios mais baixos e emocionalmente escusos para atrair votos e promover suas ideologias conservadoras e autoritárias.
“Diante disso tudo, quero agradecer a presença de todos vocês e a importante contribuição que trouxeram para refletirmos no coletivo diante de nossos dilemas”, saudou Vagner de Almeida ao final do evento. A da Roda de Conversa “Solidão no Universo LGBT” foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens em 2018, com apoio da MAC AIDS Fund.
Texto: Jean Pierry e Jéssica Marinho