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Roda de conversa sobre afro LGBT’s levanta discussões acaloradas na ABIA


Negro. Branco. Moreno. Indígena. Miscigenado. Inúmeras nomenclaturas raciais e no meio de todo esse viés ser um LGBT – principalmente afro LGBT. Esse foi o mote da “Roda de conversa Afro LGBT’s: Racismo, LGBTfobia e Guetos”, na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), na noite da última quarta feira (21), no Centro (RJ).

Organizado e mediado por Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da instituição, o debate iniciou-se com uma indagação sobre o que é exatamente ser parte integrante da comunidade LGBT. Sobre isso, Cléo Oliveira disse que “eu acho que é muito complicado definir quem de fato está ou é da comunidade LGBT, porque até o presente momento eu sou uma mulher trans e minha sexualidade não tem nada a ver com minha identidade de gênero. Então eu posso me considerar uma mulher heterossexual”, pontuou. “Por isso estamos aqui: para entender quem está ou não dentro da comunidade. Porque eu posso não ser LGBT, mas estar inserido no movimento porque luto por Direitos Humanos. E dentro disso há os nichos de LGBT’s negros, brancos, ricos da Zona Sul e pobres da Baixada”, completou Almeida. Essas palavras foram de encontro ao pensamento e atitude da ativista Alba Oliveira. Moradora da região litorânea do Rio de Janeiro, ela revelou que tem uma filha lésbica e sentiu-se confrontada com a questão, pois “quando ela me disse que não saberia como poderia dar certo sendo gay, gorda, mulher e pobre eu vi a carga que estava diante de mim, o peso que tudo isso tinha. Então, se eu tô (sic) aqui hoje lutando é porque eu também me sinto parte dessa comunidade e parte disso tudo”, afirmou ao som de aplausos dos jovens e adultos presentes.

Para o universitário Jorge Luís Miguel, a questão vai muito além porque uma comunidade nunca é uma coisa só. Que a homogeneidade “influencia e os interesses e conflitos de cada um acaba se cruzando ou não”. Isso se reforçou na fala de Almeida quando evidenciou a exclusão ou ausência do lugar de fala de outros arquétipos do movimento como LGBT’s indígenas e lésbicas obesas, por exemplo, e suas questões. “Eu acho muito importante existir um lugar de fala, mas muitas das vezes esse lugar é levantado por outra pessoa, mas apenas por ela não pertencer a esse grupo específico ela não é ouvida. Mas ela não está lutando pela causa também? ”, questionou o jovem Rômulo Maciel. “O que a gente precisa é buscar aliados, mas não falar a dor por mim. O branco é que tem problema (racismo) e não o negro. Infelizmente, nossa sociedade ainda é comandada por pessoas brancas e cisgêneras masculinas”, contextualizou Andrey Chagas. E completou: “e tá (sic) na hora do movimento negro e indígena se unirem. Porque eu me considero afro-indígena e quem morrem são negros e indígenas e como nortista eu preciso enriquecer o debate com isso. Porque não há comoção indígena. Ninguém se preocupa com eles e os índios foram tão escravizados quanto os negros”, exasperou. “É muita dor, não é fácil, mas é (possível) se empoderar, ocupar os espaços e encarar. Ou você morre de fome ou você mete a cara. E eu não preciso de ninguém fazendo e falando por mim. E isso eu faço antes da minha retificação civil”, atestou Cleo Oliveira sobre sua vivência transexual e os desafios do dia a dia para ser reconhecida socialmente. Vivência é a palavra chave de Marcos Furtado: negro, gay, da Baixada Fluminense e ex-pregador evangélico que por diversas vezes viu-se silenciado em sua casa pela própria mãe e também na universidade de ponta em que estuda, como bolsista, na Barra da Tijuca, área nobre da cidade, onde é um dos poucos negros. E mesmo assim querem falar por si. “Por isso é importante o lugar de fala. Até porque as cicatrizes são muito fortes e é preciso que o outro ouça sua história para que compreenda você. Até os aliados”, reiterou. Concordando com o que foi dito pelo colega, Andrey Chagas, voltou a se manifestar afirmando que “ O branco tem que estar aqui para ouvir o quanto as atitudes deles colaboram para o racismo. Para que assim se conscientizem de que o que para eles possa ser uma leve brincadeira, para nós não é.”

O fomento de todos esses questionamentos compôs um prelúdio da encenação teatral do aluno Reginaldo Guimarães, da Oficina de Teatro Expressionista (OTE), sobre a realidade de um jovem vulnerável e morador de rua que perpassa pela falta de visibilidade, fala e existência. Um dos pontos nevrálgicos de toda a Roda foi a representação e a representatividade de cada um em seus espaços e a disseminação desses diálogos e informações para quem não pertence ao núcleo, movimento ou grupo social. A mortalidade de negros (as) dentro do contexto HIV/AIDS também não foi esquecida e acabou contemplada pelo jovem Lázaro Silva. Segundo ele, “a infecção continua atingindo e infectando a maioria das pessoas negras e estas são as menos assistidas também no Sistema Único de Saúde (SUS) ”. Também destacou a felicidade por ter encontrado uma amiga que, hoje, dissemina por todos os espaços as informações e lições aprendidas com ele, o “que eu considero muito importante”. Taxativo, Silva prosseguiu sua fala com uma reflexão acerca do peso e estigma que um LGBT negro e afeminado sofre (duplamente), pois “o padrão é ser branco. Então ser negro e afeminado é muito complicado”. Dentro do viés religioso que ser um LGBT também implica, a exclusão e a opressão tornam-se rotineira e até mesmo dentro de igrejas com lideranças classificada como inclusivas a pauta LGBT é silenciada ou abafada por conceitos moralizantes. “Eu fiz um seminário sobre a saúde da população LGBT dentro da minha igreja, que já existe há mais de 10 anos, mas eles não falam de HIV e AIDS. E eu brigo muito contra isso. Porque não é possível você falar para LGBT’s e não tocar nos assuntos que incidem sobre todos”, criticou o ativista.

Um dos momentos mais acalorados foi sobre a questão do racismo praticado entre pares, seja do LGBT para LGBT ou do negro para com o negro. Entre opiniões de ser, historicamente falando, impossível a utilização do termo ou possível pelo sistema social, os participantes discordaram em vários pontos. Pontos esses que serviram de trampolim para a segunda apresentação cênica da noite, dessa vez protagonizada pela atriz e travesti Biancka Santos, em texto autoral, sobre a lesbofobia atrelada ao racismo de uma mãe para com a filha. O vitimismo como forma de silenciamento também se apodera da questão da vivência e convivência LGBT, conforme levantou em debate o jovem e homem trans Rodrigo Oliveira. “Essa importância de ter a voz é muito importante. É a primeira vez que eu tenho uma fala numa roda de conversa. E querem me silenciar porque acham que tudo é vitimismo porque eu sou negro, homem trans e favelado”, revelou emocionado. “Nós temos que aprender a falar por nós mesmos. Porque muitas pessoas são silenciadas porque não estão preparadas para falar. O discurso da vitimização é muito rico e não podemos achar que nossa dor é maior ou menor do que ninguém. Porque se acharmos que nossa dor é maior do que quem está do nosso lado, a coisa vira um campo de vitimização”, alerta Almeida.

“Eu quero destacar alguns pontos que acho extremamente importante: a primeira é a questão do lugar de fala. É importante termos um soldadinho na luta comigo, mas a vivência é minha porque eu que tenho a dor da experiência e porque eu não quero ninguém deslegitimando minhas conquistas a partir do silenciamento do vitimismo”, disse o assistente de projetos Jean Pierry Oliveira. E completou: “E também que possamos falar do colorismo, porque a minha experiência por ter a pele mais clara é diferente de quem tem a pele mais retinta”, pediu. “Eu tenho muitas cicatrizes porque cresci ouvindo minha mãe dizer que eu tinha que ser três vezes melhor e bom porque eu sou negro. E isso é muito complicado, porque até você se reconhecer e aceitar-se como negro, nesse sistema, é muito difícil. Se eu estou aqui é porque eu resisto. Eu resisto a cada dia”, disse com um misto de pesar, satisfação e incômodo Lázaro Silva. Encerrando a Roda, o jovem ativista de Belford Roxo Jean Vinícius quis passar uma mensagem com um misto de reflexão, ensinamento e experiência diária. “Eu penso que há uma série de conflitos e tudo está ligado a empatia e com coisas que diretamente eu não sou afetado. Então se ela é branca e quer falar de racismo para quem é negra, ela não tá (sic) vivendo (a experiência). Então, eu tenho que criar mecanismos de suscitar empatia nela de forma que compreenda a minha existência e fazer ela entender o outro”. Além disso, o ativista citou um trecho de um texto do presidente da Associação Interdisciplinar Brasileira de AIDS, Richard Parker, exposto na publicação “ O fim da AIDS?”, lançado pela instituição que salienta a necessidade que deixemos de pensar apenas como a “academia” nos ensina e comecemos a agir um pouco mais seguinto a linha da empatia, pois só assim conseguiremos chegar a um eixo comum.

“Afro LGBT’s: Racismo, LGBTfobia e Guetos” foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA em 2017, com apoio da MAC AIDS Fund.

Texto: Jean Pierry e Jéssica Marinho
Fotos: Vagner de Almeida

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