O ano mal começou e as coisas já estão quentes no mundo do HIV/aids no Brasil. Mas dessa vez é por um bom motivo e não como no início do ano passado.
A ONG da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, a maior do país, decidirá por votação nesta quinta-feira (9) o tema da edição de 2020 do evento. E um dos candidatos finalistas é o que me interessa aqui: “Democracia é Acesso! LGBT + Prevenção e Tratamento do HIV e da aids”.
Desde 1997, ano da primeira Parada de SP, diversos foram os temas que já figuraram as edições do evento. Boa parte deles apontaram reivindicações que, dentro de algum tempo, acabaram se tornando vitórias para a comunidade LGBT brasileira. Exemplos disso são o uso do nome social pelas pessoas trans, o casamento homoafetivo e a até a criminalização da LGBTfobia.
Aliás, nesses 23 anos de Parada em São Paulo, em 10 deles os temas de alguma forma envolveram LGBTfobia. E em absolutamente nenhuma edição chegou nem perto do HIV/aids.
De fato, por mais que a epidemia de HIV acometa de maneira desproporcionalmente mais pesada a população LGBT, é nítido como existe uma grande dificuldade para que esse grupo se aproprie da causa com a prioridade que ela requer.
Caetano Veloso, por exemplo, cantou em 1992 na música Americanos:
“…Só um genocida em potencial
– De batina, de gravata ou de avental –
Pode fingir que não vê que os viados
– Tendo sido o grupo – vítima preferencial –
Estão na situação de liderar o movimento para deter
A disseminação do HIV…”
Apesar disso, 28 anos depois, vemos ainda que, para muitos viados, a epidemia de HIV/aids deve ser uma preocupação apenas dos outros, mas não deles. Ou ainda, afirmam equivocadamente “sabia que não são só os LGBTs que pegam HIV, por isso associar essa epidemia a eles é só mais um jeito de reforçar estigmas ultrapassados”.
Ajudar a população que é a mais afetada pela epidemia de HIV/aids não é reforçar estigmas. É dar a importância certa para aquilo que merece toda a importância.
Em 2018, escrevi um texto aqui nessa coluna discutindo como o não priorizar dos LGBTs na epidemia de HIV/aids poderia ser prejudicial para eles próprios. Demonstrei que o número de mortes nesse grupo em decorrência da aids anualmente é quase 10 vezes maior do que as por violência motivada por LGBTfobia.
Um estudo também de 2018 demonstrou que, em São Paulo, enquanto a prevalência da infecção por HIV na população geral era de 0,4%, entre os homens gays já chegava a 25%. E mesmo assim, nesses últimos dois anos pouca coisa mudou na percepção das pessoas sobre essa epidemia.
A comunidade LGBT em grande parte continua sendo sorofóbica, discriminando as pessoas que vivem com HIV, mesmo havendo múltiplas novidades da Prevenção Combinada, e fingem que esse assunto não existe, facilitando assim o crescimento da epidemia.
Mas, felizmente, isso pode começar a mudar se o tema em questão for o escolhido para a Parada 2020. O debate sobre o acesso à informação, educação sexual, diagnóstico, tratamento e prevenção do HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis se tornará, com isso, um ponto central de discussão no Brasil, já que aquilo que é abordado pela maior das paradas costuma ser replicado pelas demais paradas do país.
A própria cidade de São Paulo é um bom exemplo de como falar sobre o HIV e sua prevenção é um jeito eficiente para se reduzir o número de novos casos da infecção.
Caetano Veloso, muito antes da primeira Parada do Orgulho LGBT acontecer, já sabia o caminho certo para virar o jogo contra essa epidemia. Ainda dá tempo de ouvi-lo.
Só precisamos encarar a questão com seriedade e de frente.
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Fonte: Viva Bem (UOL)