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Richard Parker participa de Seminário sobre cuidados às pessoas vivendo com HIV/AIDS na Casa de Rui Barbosa


De 11/02 a 12/02 foi realizado na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro o “Seminário Coro de Vozes numa Teia de Significados: sobre o cuidado às pessoas vivendo com HIV/AIDS na rede de atenção à saúde”.

O primeiro dia contou com a abertura feita por importantes instituições e/ou entidades como IFF/FIOCRUZ, Gerência de AIDS/SMS, Coordenação AIDS/SES, Movimento Nenhum Serviço de Saúde a Menos, ABIA e Grupo Pela Vidda. Veriano Terto Jr – vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – foi um dos debatedores da Mesa 1 sobre “Os desafios do cuidado nas redes de atenção à saúde no município do Rio de Janeiro”. Durante esse momento Terto Jr contemporizou a situação da cidade do Rio de Janeiro no tocante à epidemia de HIV/AIDS, em meio ao caos do serviço público de saúde, arrocho fiscal e econômico e da pauperização da sociedade como um todo.

Já no período da tarde, de 13h30 às 16h30, o seminário concentrou-se na reunião dos grupos de trabalho que tinham como premissa elaborar proposições, para posteriores apresentações, com Juan Carlos Raxach – assessor de projetos da ABIA – presentes no comando dos grupo, para responderem acerca da indagação: O cuidado às pessoas vivendo com HIV/AIDS no município do Rio de Janeiro : como fazer mais e melhor no cenário atual?

Macro e micro política na resposta brasileira ao HIV/Aids nos dias atuais

Esse foi tom e tema da mesa composta por Richard Parker, diretor-presidente da ABIA, e Fátima Rocha (ENSP/FIOCRUZ) na condição de coordenadora. Entender os paradigmas que fomentam e tensionam avanços e retrocessos na atual conjuntura de enfrentamento do HIV/AIDS no Brasil – especialmente em contexto sócio-político fundamentado pela extrema-direita, moralismo e conservadorismo – foi o objetivo desse primeiro momento do dia 12/02, das 09h00 às 12h00, na Casa de Rui Barbosa.

Com uma plateia formada por pesquisadores, universitários, ativistas e outros interessados no assunto Parker evidenciou em sua fala as quatro ondas do HIV/AIDS no Brasil e no mundo. “O exercício da solidariedade sempre foi um dos caminhos para o HIV/AID. O estigma é muito grande, sempre foi, e sem solidariedade não é possível que isso se reduza”, afirmou ele. O diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) também ressaltou que o conceito da Pedagogia da Prevenção é um dos principais mecanismos para o enfrentamento da síndrome. Isto é, “as abordagens das comunidades mais afetadas e suas estruturas comportamentais e estruturais. Afinal, o conceito de sexo seguro não foi inventado pelos médicos, mas sim pelas comunidades de base”, reconheceu.

Também houve espaço para se abordar a questão da biomedicalização como política de prevenção no enfrentamento da epidemia. Com o advento de novas tecnologias de prevenção como, por exemplo, PrEP (profilaxia pré-exposição) e PEP (profilaxia pós-exposição) – entre outras – Parker criticou o direcionamento massivo dado ao eixo no que tange a prevenção do HIV/AIDS. “As abordagens biomédicas são importantes. A camisinha é uma ferramenta biomédica. Mas as pessoas querem e estão transando sem camisinha. Isso tá ligado ao comportamento e exige mudanças. Por isso, a noção das abordagens comportamentais e estruturais também precisam ser levadas em conta para criar uma mudança na forma das pessoas fazerem sexo e (realizar) sua prevenção”, explicou.

Inclusive, ainda sobre essas e outras questões paradigmáticas da epidemia Parker foi questionado pelo professor e pesquisador Lucas Melo da USP de Ribeirão Preto, do interior de São Paulo, sobre a aliança entre a biomedicalização e neoliberalização como respostas preventivas à epidemia. “Eu acho que todos embarcamos na AIDS como uma questão crônica. E sim, ela é e não é ao mesmo tempo. É uma faca de dois gumes, mas na medida que você esquece que a AIDS também é uma infecção e tem características de doenças infecciosas, você perde a complexidade de AIDS. Você perde um monte de nuances. E com essa ideia de condição crônica a gente saiu por um caminho cheio de problemas. Você acaba não sabendo muito o que fazer com isso. E a gente não consegue avançar muito. Então isso é um problema e eu acho que a re-biomedicalização da epidemia fez um efeito extremamente negativa na maneira como as comunidades se mobilizam frente à AIDS”, criticou.

E completou: “Não estou dizendo que não quero essa nova modalidade de prevenção biomédica. Lógico que quero. Mas enfrentar a AIDS requer enfrentar outras coisas como o estigma, que esses medicamentos, essas ‘balas mágicas’ não tem o poder de enfrentar. Estigma e discriminação é sobre opressão de alguns e a biomedicalização não atua sobre isso no contexto social”. “As pessoas que vivem com HIV/AIDS têm pressa. A gente não pode se omitir diante disso. Não podemos deixar de falar isso em seminários e em todos os espaços. Falar de raça/classe, de racismo e alteridades de sexualidade. Temos um grande enfrentamento sem respostas e respeito. A ciência tem que debater e colocar isso. A gente ainda pode muito. São quase 40 anos (de epidemia) e vemos pessoas que estão desde o início desse processo”, completou Fátima Rocha.

Debate

Após o final da apresentação de Parker, foi iniciada a sessão de perguntas e respostas, o famoso debate. Nesse momento muitos argumentos, questionamentos, constatações e dúvidas surgiram. Na primeira delas a professora paraibana Lucineide quis entender melhor os meandros que antagonizam saúde global x contextos periféricos. Em resposta, o diretor-presidente disse o seguinte:

“A tensão entre o global e o local que encoberta o significado é um grande problema. Estou há quase 10 anos tentando fazer um livro que fala sobre isso e é difícil sair porque a complexidade é imensa. Você não consegue fazer justiça sob essa diversidade. A necessidade de enfatizar a necessidade plural das respostas é profunda e as respostas criadas pelas comunidades, como sexo seguro pelas comunidades gays em cidades americanas, foi criada pela necessidade da diversidade. E a gente cria respostas dependendo da necessidade de nossa diversidade”, explicou.

Já o estudante Rafael Agostini do IFF/Fiocruz quis que o antropólogo falasse melhor sobre a ascensão da extrema direita e conservadorismo no país, a partir do crescimento dos evangélicos no Brasil e a falta de diálogo do movimento social com essa parcela da população. Segundo Parker, “essa questão levantada pelo Rafael é extremamente importante. As pessoas ficaram chateadas com uma declaração do (ex-presidente) Lula fazer algo voltado aos evangélicos dizendo ‘como é que pode?’. Mas porque não pode? As comunidades evangélicas atuam onde o Estado se ausenta e cria condições horrorosas e esquecidas. Eles vão lá para resgatar e criaram algo atraente para essas pessoas. E temos que deixar de ser preconceituosas de achar que todo evangélico pensa da mesma forma. Lógico que tem aqueles que se aliam e se articulam de forma mais conservadora, mas também tem aqueles mais progressistas. E também há conservadorismo na Igreja Católica”, ressalta.

E completa: “Eu não acho que o movimento evangélico é tão unificado assim. E que nem são todos conservadores. Nem todos os evangélicos são (como) a pastora Damares ( Alves do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos). E temos que trabalhar com eles e entender isso. Durante cinco anos fizemos um trabalho com religiões e AIDS na ABIA junto com a USP, UFRGS, e UFPE, pra tentar trabalhar conscientização de diferentes tradições religiosas – Católica, Evangélica e Afro-brasileira. Depois tentamos montar um projeto para trabalhar especificamente com os evangélicos, para estimular elas de se envolver mais com o enfrentamento das AIDS, mas os pareceristas do nosso projeto disseram que não era viável por causa do conservadorismo das igrejas. E sem tentar as pessoas já tinham a cabeça fechada de que não ia dar certo. E isso era um pensamento preconceituoso nosso, da nossa comunidade acadêmica. Então temos que quebrar esses nossos preconceitos, estigmas e discriminações com essas pessoas, que é o mesmo tipo de coisa que acontece e fazem com pessoas vivendo com HIV/AIDS”, pontua.

Outro momento e ponto importante do debate se deu a partir da fala do psicólogo e ativista Roberto Pereira, que criticou a atuação dos movimentos sociais no Brasil, inclusive o de AIDS, pautado mais na identidade do que na solidariedade. Reforçando e criticando esse mesmo pensamento, Parker chamou atenção ao dizer que antigamente “você tinha uma relação com não só o movimento LGBT, mas com o movimento de mulheres e movimento negro. Laços que foram além de grandes virtudes e baseados na política de solidariedade muito mais do que de políticas de identidade. Eu acho que isso foi uma virtude, acho bom pensar nisso porque possibilitou uma movimentação progressista, de fato, positiva do chamado ‘arco íris’. Acho que nós perdemos isso e tem muita autocrítica a ser feita sobre isso. Perdemos (essa característica) a partir dos anos 2000 onde as políticas de identidade tomaram a frente e que no futuro temos que superar, de certa forma”, lamentou.

Indagado sobre se esse não seria também um momento para recuperar a solidariedade a partir das identidades, Richard Parker ressaltou o seguinte: “o problema é que muitos movimentos (sociais) que tem um lado mais identitário tem dificuldades de criar laços de solidariedade com outros grupos. O princípio ético de solidariedade é entender o sofrimento do outro como se fosse nosso, se comprometer com a luta e enfrentar as causas desse movimento. Você pode fazer isso do seu lugar como sujeito e com suas identidades múltiplas e a superação das barreiras criadas pela identidade. Você tem que trabalhar essas construções que implicam solidariedade e identidade, que não pode ser separado. Continuo achando que o enfrentamento da epidemia não pode perder a solidariedade como luz-guia, que foi muito presente nos primeiros anos da epidemia e que se perdeu”.

Complementando a resposta ele ainda disse que isso não é difícil de recuperar, nem foi algo tão distante assim dos movimentos sociais, uma vez que “nos anos 90 e 00 você podia ter posições partidárias divergentes, mas que viveram a ditadura e sabiam que o compromisso da democracia era mais importante. Me parece que é isso que nos últimos tempos tem se perdido no Brasil e no mundo. É um processo global”.

Falando em democracia, Parker pegou o gancho para responder outro questionamento sobre como a neoliberalização tensiona e/ou pode fragilizar a sociedade e os sistemas sociais, incluindo a própria democracia. “Eu acho que neoliberalização pode conviver com a democracia, mas o perigo é que eles desvalorizam um monte de coisas e desrespeitam o debate. Os neoliberais mais ferrenhos são incapazes de ouvir outras posições. Acho importante e interessante observar alguns personagens neoliberais e a forma como eles vêm enfrentando essa construção como Armínio Fraga. É diferente do que penso, mas quero saber como ele pensa e como quer colocar isso dentro de nossa democracia e cidadania. Porque num regime autoritário não se tem cidadania. Não é fácil, porque a extrema-direita fecha o diálogo e desmonta com uma rapidez impressionante o que levamos décadas para construir”, resume.

O coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens Vagner de Almeida também compunha a plateia e ao pedir a palavra durante o debate chamou a atenção para o fato de que “tem inúmeras coisas antropológicas, sociológicas e históricas que precisam ser levantadas, como a pobreza e a AIDS. E a mobilidade também, porque muitas não podem estar aqui porque não tem dinheiro para se locomover. Alguns comentários online criticaram o fato de eventos como esses serem muito acadêmicos e não conseguir atrair as agentes comunitárias e pessoas de favela que estão na ponta do processo. E é preciso repensar isso, nas novas montagens e estruturas técnicas desses tipos de encontros nos dias de hoje”, criticou construtivamente.

Já a estudante de Nutrição da UERJ, chamada Juliana, se mostrou surpresa com “o que ouvi hoje porque na minha cabeça e dos meus amigos, quando conversamos, as coisas parecem mais resolvidas. É só ir lá pegar o coquetel e não se morre mais de AIDS. E o que a gente vê no Youtube, com vídeos de LGBTs que são os que mais falam isso, porque a gente consome muito esse conteúdo, eu fiquei muito curiosa sobre as metas de 90-90-90 e que 90% da população já estivesse indetectável em 2020. E eu queria entender sobre isso: porque não estão ainda (indetectáveis), se estão tomando os coquetéis? Não ouço falar muito sobre isso”.

Sintetizando, até por conta do tempo, as duas menções acima Parker rechaçou da seguinte maneira: “As metas atuais que ignoram a situação das pessoas na pobreza, por exemplo, escondem realidades sociais que ficam pra trás e impedem que as pessoas sigam corretamente o tratamento e sigam suas vidas. Porque estão em precariedade e situação de pobreza profunda. A gente ignora essas questões e não podemos pensar sem olhar essas realidades econômicas e políticas que influenciam qualquer possibilidade de seguir o acesso de forma verdadeira. Temos que continuar entendendo que a AIDS é completamente política”, advertiu ao encerrar a manhã do Seminário, sob aplausos.

O período vespertino ainda destacou “A descentralização do cuidado às pessoas vivendo com HIV-Aids: desafios para atenção integral”, das 13h00 às 16h30, e encerrou-se com as apresentações de Ivia Maksud e Eduardo Melo (Coordenação da Pesquisa Raids).

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

Fotos: Vagner de Almeida

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