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‘Que diante da minha escolha outras pessoas se encorajem’, diz trans que cursa medicina na Ufba


O sonho do curso de medicina se concretizou este ano para Thaiz Andrade, de 37 anos. A mineira é a primeira transexual a ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) por meio do sistema de cotas.

“Quero que diante da minha escolha outras pessoas trans se encorajem e voltem a estudar. Acredito que a educação é a maior porta para um futuro melhor para todos”, destacou.

Ainda no primeiro semestre do curso, Thaiz conta que está encantada pela medicina e certa da escolha da profissão. Ela já foi agente de saúde na cidade de Divinópolis, em Minas Gerais, mas ressalta que não foi o trabalho com o público que a influenciou na escolha da profissão. Ela deseja ser médica para atuar na área de endocrinologia e ajudar pessoas trans no processo de hormonização.

Há cerca de três anos, Thaiz tentava ingressar na faculdade de medicina. Este ano, ela bateu na trave do curso na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): “Por seis pontos não passei”, revelou.

Foi na Bahia que ela encontrou as portas abertas para ser médica. “Quando vi o resultado [da Ufba] fiquei sem dormir três dias”, relatou.

Thaiz é uma das 22 pessoas trans que ingressaram na universidade baiana este ano, por meio das cotas. A universidade ofereceu 88 vagas para todos os cursos.

“Este é o primeiro ano das cotas para pessoas trans e refugiados. Estamos muito satisfeitos com o primeiro resultado. Já é um avanço e a expectativa é de que cresça no ano seguinte. A universidade renova o compromisso com os Direitos Humanos e dá visibilidade social, demonstrando que 22 pessoas trans querem estudar, quebrando aquele preconceito de que as pessoas trans querem se prostituir. O que as pessoas querem é oportunidade e a gente mostrou que quando a oportunidade é dada elas aproveitam”, disse o pró-reitor de graduação da Ufba, Penildon Silva.

Para Thaiz, que estuda e trabalha desde os 15 anos, quando deixou a casa da mãe, o acesso à universidade foi algo essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional.

“Não é fácil. Eu estudei por conta própria, não tinha dinheiro para pagar cursinho, não a família para me apoiar e precisava conciliar estudo e trabalho, mas não desisti”, ressaltou. Diante da própria experiência, ela acredita que a oportunidade de estudo pode ajudar outras pessoas trans.

“Para quem não é a favor das cotas, elas são necessárias. Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) 95% das pessoas trans sobrevivem com o trabalho de profissional do sexo. Nunca me prostituí, mas não julgo quem o faz, afinal as pessoas trans vivem à margem da sociedade, porque durante o dia somos invisíveis. Na maioria das vezes somos procuradas apenas a noite e para o sexo”, relatou.

Há cerca de quatro meses em Salvador, Thaiz conta que além da universidade, o povo baiano é outro fator que está a ajudando a se adaptar na nova moradia.

“Me mudei para uma cidade que não conheço ninguém, mas estou amando Salvador e povo nordestino. As pessoas são muito acolhedoras aqui. Fui bem recebida e isso para mim é maravilhoso”, concluiu.

Profissão

Apesar de ainda estar no primeiro semestre, a especialidade médica de Thais já está definida. “Quero ser endocrinologista. Quando eu estava no processo de hormonização, aos 21 anos, eu não encontrava médicos que atendessem pessoas trans, aqueles que além de nos entender, nos respeitasse. Esse público ao qual eu pertenço torna-se cada dia mais numeroso e as pessoas se automedicam”, explicou.

Conforme Thaiz, a automedicação é um risco para as pessoas trans e ir em busca de um profissional é o melhor caminho para passar por qualquer tipo de processo hormonal.

“Já ouvi pessoas trans dizerem que tomaram Perlutan [contraceptivo à base de hormônios] a cada dois dias, sendo que a indicação é de uma vez ao mês. Isso detona o fígado. As pessoas tomam desesperadas em ver logo um resultado, ele [medicamento] ajuda na redução de pelos, cresce as mamas, mas não pode ser tomado de qualquer jeito”, aconselha.

Além de amar a medicina, Thaiz diz que a escolha da profissão é uma forma de ajudar outras pessoas transexuais.

“Na Bahia, por exemplo, que é o maior estado do Nordeste, o ambulatório transexualizador do HUPES [Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgar Santos], específico para atendimento clínico e terapêutico de pessoas trans, começou a funcionar apenas em outubro de 2018, atendendo a um clamor de vários anos dos médicos responsáveis por esse setor do hospital. Isso me encoraja a desbravar novos caminhos e ser útil, no sentido literal da palavra, principalmente aos meus semelhantes que passam por um processo doloroso ao ter que adequar seu corpo, suas características físicas, a sua mente”, disse.

Vagas

O ingresso aos cursos de graduação da UFBA com vagas reservadas a pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis) e a imigrantes ou refugiados em situação de vulnerabilidade começou neste ano.

A universidade também tem vagas reservadas para candidatos índios aldeados e moradores das comunidades remanescentes dos quilombos, desde 2004.

A continuidade da política de reserva de vagas na seleção para os cursos de graduação da UFBA foi aprovada pelo Conselho Acadêmico de Ensino (CAE), conforme dispõe a Resolução nº 07/2018. A partir de então, foram incluídas as novas categorias com a reserva de vagas para pessoas trans e imigrantes/refugiados.

Poderão se candidatar às vagas definidas os candidatos que se submeteram regularmente às provas do ENEM 2018. No caso específico dos candidatos imigrantes ou refugiados no Brasil, é necessário que tenham feito o ensino médio ou equivalente em outro país e a realização do ENEM 2018 é opcional. A condição desses candidatos será comprovada mediante visto humanitário permanente ou temporário, emitido pelo Conselho Nacional de Imigração.

A condição de quilombola e a de aldeado será comprovada, respectivamente, mediante certificado da Fundação Cultural Palmares e da Funai. As comunidades remanescentes de quilombos são apenas aquelas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. O candidato deverá ainda comprovar seu endereço mediante documento fornecido pela Associação dos quilombos remanescentes.

A condição de pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis) deverá ser comprovada através de documento de autodeclaração disponível no site Ingresso UFBA.

De acordo com o pró-reitor, Penildon Silva, como todas as vagas para trans e e refugiados não foram preenchidas, a universidade deve reabrir o processo seletivo no segundo semestre para aqueles cursos que não tiveram as vagas ocupadas.

Fonte: G1

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