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Proteção legal a LGBT nos EUA acende discussão sobre inclusão no Brasil


Na última segunda-feira, 15, a Suprema Corte americana declarou ilegal que empresas demitam seus funcionários apenas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero. Embora tenha acontecido nos Estados Unidos, a decisão representa uma vitória do movimento LGBTI+ rumo à equidade no mercado de trabalho e pode influenciar outros países a fazerem o mesmo. No Brasil, há leis que proíbem a discriminação, mas o problema continua sendo a cultura não inclusiva das empresas.

No caso dos EUA, a decisão se baseou em uma lei de 1964, que já proibia a discriminação no local de trabalho por raça, cor, religião, sexo ou origem nacional. Como nem metade dos 50 Estados do país possuem leis específicas para a população LGBTI+, o problema estava na interpretação da lei nacional: por não falar explicitamente em identidade de gênero ou orientação sexual muitas vezes não garantia aos trabalhadores a sua aplicação.

“Eu acompanhava essa discussão há mais de um ano e o pessoal falava que a chance de a Suprema Corte tornar essas demissões ilegais era grande porque muitas empresas estavam apoiando a causa. Elas estavam ao lado dos LGBT e a boa notícia é que elas também estão no Brasil”, aponta Márcia Rocha, advogada e uma das fundadoras da Transempregos, plataforma de empregabilidade para transgêneros.

Para os especialistas, em termos legais, o Brasil está até mais avançado que os Estados Unidos, o problema é a aplicação desse entendimento dentro do mercado de trabalho. A advogada Luanda Pires destaca que a lei brasileira protege o trabalhador LGBTI+ em três frentes. A primeira é a própria Constituição, que garante o princípio da igualdade.

Há também a Lei 9.025, de 1995, que proíbe qualquer prática discriminatória no trabalho por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros. Nesse caso, o “entre outros” abrange identidade de gênero e orientação sexual.

Em terceiro, ainda que não diga respeito exclusivamente ao ambiente de trabalho, também há a decisão do Supremo Tribunal Federal do ano passado que enquadrou a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo até que o Congresso aprove uma legislação sobre o tema.

“Se a pessoa identificou que foi discriminação de cunho homotransfóbico, ela tem que comunicar os superiores, caso ela não venha diretamente do superior. Se não for tomada nenhuma medida, o que orientamos é entrar com processo de rescisão indireta, para que a Justiça determine que ela seja mandada embora e indenizada. Além disso, entra com o processo dentro da lei do STF, para que o causador do dano responda de forma criminal”, explica Luanda.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, em 2019 o órgão registrou 204 denúncias de discriminação por orientação sexual, 49 delas no Estado de São Paulo. De janeiro a junho deste ano, já foram registradas 40 denúncias em todo o País. Para a procuradora do Trabalho Sofia Vilela, os dados refletem uma subnotificação das denúncias.

“Entre a população transexual e travesti a informalidade é tão grande e, muitas vezes, marcada pela prostituição que as denúncias não chegam no MPT. São pessoas que têm muitos problemas para ingressar no mercado de trabalho, por discriminação do nome social, por não poderem usar o banheiro que corresponde ao seu gênero, até discriminação estética direta das empresas. As denúncias são de pessoas que já estão trabalhando ou que estão saindo do trabalho, mas essa população é tão discriminada que ela sequer entrou no mercado de trabalho”, diz Sofia.

Outra imprecisão nos dados do MPT é que muitas vítimas, ao fazerem as denúncias, listam o problema como abuso hierárquico ou assédio moral, o que dificulta a contabilização. O órgão trabalha para que o filtro “identidade de gênero” seja incorporado à plataforma de denúncias.

Dificuldade para comprovar

Uma pesquisa realizada pelo LinkedIn no ano passado mostrou que 35% dos profissionais LGBTI+ já sofreram discriminação no ambiente de trabalho. Deles, 12% afirmaram que o preconceito partiu de líderes da empresa, de forma direta ou velada.

As discriminações podem ocorrer de duas formas. A ativa, quando há a humilhação direta, falada, e a passiva, quando a pessoa é deixada de lado no trabalho, sem equipamento, lugar para ficar e se trocar, sem atividade enquanto o resto da empresa está produzindo. “Temos relatos de pessoas que passavam o dia inteiro trancadas no banheiro porque não tinham o que fazer no trabalho e sofriam pressão”, explica Thaís Faria, oficial técnica regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Um ponto unânime entre os especialistas entrevistados é a dificuldade de provar que aquela demissão ocorreu por discriminação. “A discriminação é mais velada do que descarada. Os abusos são feitos geralmente de forma a não parecerem violações ao gênero ou orientação sexual”, explica a psicanalista Telma Abrahão, que faz o acolhimento de vítimas de discriminação na Comissão de Diversidade da OAB de São José do Rio Preto.

Para isso, a advogada Luanda Pires recomenda que se reúna o maior número de provas possíveis. “Grave conversas, mande a comunicação para o seu superior, registre isso por e-mail ou de alguma forma que você consiga comprovar que foi denunciado, que houve essa conversa.”

“A última coisa que queremos é punir. Queremos que as discriminações não aconteçam, então é melhor que as ações das empresas sejam de forma mais inclusiva, do que no fim das contas ter uma situação condenatória. Isso não resolve o preconceito e a pessoa continua fora do trabalho, estigmatizada”, aponta Thaís.

Inclusão nas empresas

O caminho, apontam os especialistas, é trabalhar a cultura de inclusão nas empresas. “Nada acontecerá de diferente se a alta liderança das companhias não entender a urgência do tema. As equipes, em todos os seus níveis hierárquicos, precisam estar na mesma página. Além de atrair profissionais LGBTI+, é importante retê-los nas companhias, e de fato incluí-los”, explica Leonardo Freitas, especialista em Carreiras e CEO da HW Human Capital.

O executivo de marketing Eliezer Silveira, gay, viveu uma situação de discriminação. Depois de seis anos trabalhando em uma multinacional de tecnologia, foi chamado à sala do CEO após cumprimentar o marido com um beijo num evento da empresa. Segundo ele, foi ameaçado e informou ao chefe que aquilo era passível de processo. Tempos depois, por outro motivo, foi desligado.

Na época, Eliezer decidiu não processá-lo, mas focou sua atuação na inclusão e hoje dá aulas de diversidade a líderes num curso de MBA. “Essa discussão dos EUA deve vir para o Brasil como uma reflexão de ‘e nós, o que estamos fazendo?’. Se estamos dando oportunidades.”

A pauta LGBTI+ no Legislativo

Apesar de, segundo os especialistas, as leis brasileiras garantirem que pessoas LGBTI+ não possam ser discriminadas no local de trabalho, há uma carência de leis específicas para esse público.

“O que a gente tem como LGBTI+ são decisões judiciais, que são mais frágeis do que ter uma legislação mesmo. Não temos legislação porque não passa no Congresso. Enquanto a sociedade como um todo tiver preconceito, o representante dela também vai ter. O caminho é empregar, mostrar que somos capazes, dar visibilidade, para a sociedade mudar. A sociedade precisa cobrar do legislativo. Precisamos de leis específicas e mais sólidas”, explica a advogada Márcia Rocha.

Ainda que concorde que a lei brasileira é mais avançada do que a norte-americana, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) – primeiro senador declaradamente gay do Brasil – acredita que é preciso um mea culpa do Congresso.

“Todas as conquistas da população LGBTI+ foram por decisão judicial, não por força de lei. Quando o Supremo equipara a homofobia ao racismo é porque nós do Congresso não legislamos sobre isso, quando há determinação de adotar o nome social, o direito ao casamento civil, colocar o companheiro como dependente no Imposto de Renda, receber pensão por morte ou invalidez, tudo foi pelo Judiciário. Nenhum direito se deu pelo Legislativo”, explica.

A deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL-SP), primeira mulher transexual a ocupar o cargo, afirma que as leis são fundamentais, mas não são o suficiente. “Uma lei sozinha tem pouca funcionalidade se não houver um pacto social voltado para a mobilização dessa legislação, com processo de formação nos espaços escolares e apoio dos Estados.”

Para ela, recorrer à Justiça para decisões que deveriam já estar acordadas na sociedade “denuncia a violência, o estigma, o preconceito e a discriminação”. “É uma prova do quão incipiente os outros poderes ainda são na caminhada de romper com esses estigmas”, finaliza.

Para denunciar homotransfobia no local de trabalho

A denúncia deve ser feita no site do Ministério Público do Trabalho ou pelo aplicativo MPT Pardal. Também é possível registrar a denúncia nas Superintendências Regionais do Trabalho e no sindicato da categoria.

A vítima ainda pode procurar a Comissão de Diversidade da OAB para receber orientação sobre quais procedimentos tomar. A comissão, a depender da cidade, também disponibiliza acolhimento psicológico.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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