Há um ano, o projeto PrEP-15-19, estudo multicêntrico que reúne a UFMG, a USP e a UFBA, lançou a primeira robô trans do Brasil – um chatbot batizado com o nome de Amanda Selfie – para ampliar o acesso das comunidades LGBTQIA+ às informações sobre os riscos de contágio pelo HIV. Durante a pandemia, Amanda tornou-se ferramenta indispensável para aproximar os jovens de 15 a 19 anos das estratégias de combate ao HIV/aids. Mais do que nunca, as ações no ambiente virtual têm ajudado a manter o fluxo de informações sobre a prevenção, além de acolher e apoiar essa população.
O projeto PrEP-15-19 é uma pesquisa que avalia o uso da Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP) – tenofovir combinado à entricitabina – como prevenção por jovens de 15 a 19 anos que se identificam como gays, homens que transam com homens, mulheres trans e travestis.
“A epidemia do coronavírus complica ainda mais a situação. As pessoas continuam correndo risco de se infectar pelo HIV, por isso é importante que tenham conhecimento e apoio”, afirma o infectologia e professor emérito Dirceu Greco, um dos coordenadores do PrEP-15-19 em Minas Gerais.
Para prevenir as duas infecções – covid-19 e aids –, o projeto abraçou ainda mais as plataformas digitais. Amanda Selfie tornou-se o elo preferencial com jovens que não se sentem à vontade para abordar suas dúvidas sobre sexo e sexualidade com outras pessoas. Com linguagem própria, descolada de preconceitos e bem adaptada aos “dialetos”, ela tem cumprido seu papel de levar informações e proporcionar aos jovens o sentimento de pertencimento.
Além disso, a assistente virtual “repaginou o visual” e ganhou novos amigos, que formam o “Bonde da Amanda”. A robô também assumiu mais responsabilidades: ela avisa quando é preciso tomar o medicamento pré-exposição ao HIV, um comprimido antirretroviral distribuído gratuitamente aos participantes. Amanda está acessível no site (prep1519.org) e no Facebook (@amandaselfie.bot), e em breve será possível bater um papo com ela em outras redes sociais.
Nas redes
O projeto lançou mão de outras estratégias para lidar com as inesperadas mudanças causadas pela crise sanitária – entre elas, o contato quase diário por meios digitais entre educadores pares e participantes, com objetivo de conhecer as realidades desses jovens, a oferta de apoio e orientação sobre a importância de se prevenir das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e de seguir as medidas de contenção da covid-19.
“A maioria não assume sua condição dentro dos lares, não tem com quem conversar neste período de isolamento. Então, temos trabalhado bastante dentro dos ‘aplicativos de pegação’, como Grindr e Tinder, e, principalmente, no Instagram, onde temos feitos lives”, comenta a educadora Jô Arllen.
De acordo com o infectologista Dirceu Greco, a participação de educadores como Jô é essencial. “Faz diferença ter alguém que fale a mesma língua que esses jovens, que tenha idade e história semelhantes, facilitando o entendimento e a confiança.”
Grupos de conversas no whatsapp também têm possibilitado aos jovens participantes trocarem ideias e se conhecerem. Antes, essa interação ocorria presencialmente no Centro de Referência da Juventude (CRJ), “um espaço aberto e tomado pelos jovens”, como descreve Greco.
“Temos que ficar muito atentos para que, depois da pandemia, o sistema não corra risco de não conseguir cuidar dessas pessoas infectadas, anulando os progressos que tínhamos alcançado antes dela”, alerta o infectologista.
A PrEP
O medicamento já é liberado no SUS para jovens maiores de 18 anos. A PrEP é um acréscimo à prevenção do HIV e deve ser combinada com outros métodos, pois não previne contra a transmissão das demais ISTs.
“Assim como ocorreu com o novo coronavírus, de grande repercussão sobre os grupos suscetíveis, o que muitas vezes levou a que apenas eles se atentassem à prevenção, o HIV/aids também teve e ainda tem esse viés, o que leva os adolescentes a imaginarem que estão imunes à infecção e ao desenvolvimento da doença”, alerta Dirceu Greco.
Os jovens que se apresentarem para o estudo podem escolher usar ou não a profilaxia pré-exposição. Independentemente da opção, todos têm acesso a camisinhas, lubrificantes, aconselhamento, teste para diagnóstico de HIV (feito no local ou com o autoteste) e de outras ISTs, tratamento ou encaminhamento para serviço especializado, além da vacinação contra hepatite A e B. “A PrEP não deve ser uma medicação para todos, apenas para os mais suscetíveis, que têm dificuldades, inclusive, de negociar o uso do preservativo com os seus parceiros”, salienta Greco.
Para Gabriel Vinícius, de 17 anos, participante do braço PrEP do projeto, ou seja, do grupo que faz o uso da prevenção, o medicamento representa uma segurança a mais. “Quando encontrei o programa PrEP-15-19, achei perfeito, porque ele dá mais confiança e uma oportunidade de proteção que vai além do preservativo”, comenta.
Os jovens com menos de 18 anos precisam de autorização dos pais para participar do projeto.
Legados
Gabriel e os outros participantes estão contribuindo para possíveis mudanças na política pública de saúde do Brasil. Segundo Dirceu Greco, além de juntar prevenção com cidadania e conhecimento, o projeto busca avaliar se os jovens aceitam usar o medicamento e se têm consciência do que significa tomá-lo.
“Um dos nossos legados é reunir nossos dados com os da UFBA e com os da USP para saber sobre a aceitabilidade, o baixo risco colateral do medicamento e identificar o risco de substituir ou não o método de prevenção. Os resultados serão entregues aos participantes e ao Ministério da Saúde. Esperamos que seja avaliada a possibilidade de a política pública da PrEP alcançar também adolescentes a partir dos 15 anos”, conta Greco.
Fonte: UFMG