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Projeto Diversidade Sexual realiza roda de conversa sobre Saúde da População Trans


A noite da última terça feira (26/11) reuniu jovens e adultos na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) para discutir a Saúde da população Trans em mais uma Roda de conversa promovida pelo Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens.

Das 18h30 às 21h00, no Centro (RJ), importantes questões foram debatidas. Vagner de Almeida, coordenador do projeto, iniciou sua fala querendo entender quais são as complexidades envolvidas na saúde de travestis e transexuais e as contribuições necessárias para levar informação para outras pessoas. “Vamos tentar trabalhar em conjunto a saúde da mulher travesti e transexual e de demais grupos também, porque consideramos importante”, frisou ele. Com um cenário tão desfavorável em todos os âmbitos sociais, quando se fala em travestis e transexuais torna-se mais conflituoso os dilemas.

Uma das transexuais presentes Larissa “Larubia”, vice-presidenta do coletivo Transrevolução e morada da Casa Nem, disse ser contra o uso da PEP (profilaxia pós-exposição) e PrEP (profilaxia pré-exposição), por exemplo. Segundo ela, “não acho que seja correto uma pessoa que não vive com HIV – e também aquelas que vivem – tomar um medicamento que vai sobrecarregar o fígado dela, num sistema de saúde como o nosso que não vai dar assistência para ela depois. E também porque as pessoas romantizam a hormonização com o antirretroviral. Eu tive fragmentação óssea, câncer no reto e outras complicações por conta dos antirretrovirais (ARVs)”, revelou ela.

“Eu sempre digo para meus amigos que optam por tomar esses medicamentos que eles tenham noção do tipo de química que está sendo ingerida pelo corpo”, alertou Almeida. Ainda para Larubia – como prefere ser chamada – “o efeito da hormonização e do silicone industrial no meu corpo trouxe muitas consequências, que só eu sei, como uma difícil embolia pulmonar”, alertou. E completou: “e porque tomar hormonização também? Tem três anos que não tomo por conta disse”, afirmou.

Thaylla Vargas, jovem trans e ativista do Grupo Pela Vidda e da Rede de Jovens Rio+, reconheceu a importância de procurar formas seguras de se medicalizar. “Eu fui procurar um endocrinologista no meu plano de saúde e nem lá sabiam direito me orientar por conta da hormonização e outros medicamentos. E não era só tomar hormônio, era ter também uma alimentação saudável. Mas quem é que acessa esses serviços? Não é todo mundo que faz esse caminho como eu pude”, contou de maneira assertiva e lúcida sobre o privilégio de acessos perante outras meninas trans e negras.

Vargas lamenta ainda a falta de interesse e comunicação entre profissionais de saúde, sobretudo médicos, “que não querem se atualizar com relação à saúde de travestis e transexuais” e também criticou a passabilidade – ser colocada e “aceita” dentro daquilo que a sociedade julga como natural ou melhor – que permite a acessibilidade e cidadania para umas (inclusive para aquelas com HIV/AIDS passáveis) e não para outras.

 

Referência como liderança

“Quando eu abri meu diagnóstico e saí de uma caixinha, entrei em outra que foi a do HIV – para além de ser travesti”. Foi essa fala contundente que Larubia compartilhou com os presentes na Roda. A jovem afirmou que esse movimento à colocou numa vitrine, onde fica exposta ao estigma, mas também serve como referência (ou espelho) para outras meninas e pessoas trans na mesma condição de vulnerabilidade.

Mas ser um exemplo anda lado a lado com a prática da empatia. “Durante um bom tempo o CER (Coordenação de Emergência Regional) Centro não atendia pessoas trans conforme o nome social delas. Foi preciso eu, que estava lá, chegar e exigir que isso fosse praticado e a lei fosse exposta no local. Porque isso é um direito”, lembrou o enfermeiro e integrante da RNP+ Anselmo Almeida. “Eu tenho plano de saúde por conta do meu pai que é militar, mas porque não vou lutar pelas outras meninas serem atendidas na Clínica da Família?”, indagou Thaylla Vargas.

“Mas para ter autoridade tem que ter conhecimento, senão não vai adiantar nada”, alertou Larubia. Ela ainda sugeriu que houvesse a confecção de um material com informações do tipo, objetivo e com clareza, para atingir as meninas travestis e transexuais mais pauperizadas como forma de se empoderarem da lei 43065/13 (Lei do Nome Social). Salvador Correa, coordenador de Capacitação da ABIA, elucidou que os serviços especializados e seus respectivos tratamentos “são muito importantes para pessoas trans. O acolhimento, o infectologista e muitas outras coisas”. Vargas corroborou a opinião, mas ressaltou “que não é só passar e encher a pessoa trans de medicamentos” que vai resolver as coisas.

A vivência de homens trans também não passou batida pela Roda. Apesar da ausência de um representante deles no Salão Betinho, as duas representantes transexuais do recinto compartilharam as experiências de seus pares masculinos dizendo que “muitas vezes o homem trans vai na Clínica da Família para ser atendido pelo ginecologista e é visto como uma lésbica masculinizada, ou entra com uma amiga no serviço, para evitar os comentários”, disse a moradora da Casa Nem.

Diante disso e outros desafios, a participante adotou uma atitude considerada por ela mesma como radical. “Apesar de ter lutado pelo meu nome social, eu não acho justo conseguir acessar os serviços, enquanto minha amiga que não tem a retificação é impedida. Então até elas conseguirem, eu tô (sic) usando novamente meu nome de registro ao nascer para ir nos serviços”. “Isso é muito interessante porque quando a gente fala de movimento social a gente fala de coletivo. Só que é comum quando você consegue um micropoder, você esquecer de quem estava junto com você. Isso é perfeito”, elogiou o movimento de resistência de Larubia a ativista e advogada Regina Bueno.

Casa Nem

Um dos espaços lembrados como foco de resistência, símbolo de solidariedade, empoderamento e até de pesquisa é a Casa Nem. Atualmente localizada em um casarão, até então abandonado, em Copacabana – zona sul do Rio de Janeiro – a casa acolhe 26 travestis/transexuais, 6 homens trans e também homens gays cisgêneros (se identificam com o gênero que nasceu) e mulheres vítimas de violência doméstica.

Três frequentadores da Roda – incluindo Larubia – são moradores da Casa, liderada por Indianare Siqueira. Emocionada e grata pelo trabalho desempenhado por Larubia na ocupação, Regina Bueno afirmou que “respeito não se compra, se conquista e eu vejo o quanto você tá sendo responsável e dedicada naquele espaço. Eu nunca vi a Casa Nem tão organizada como eu vejo agora”, levando às lágrimas também a ativista.

Ressaltando que o movimento se trata de uma ocupação e não uma invasão, como muitos dizem, Larubia informou que “nós temos até 27 de janeiro de 2020 para permanecer ali. Se nosso advogado não conseguir mudar isso, nós teremos que ocupar outro espaço”, sobre o futuro ainda instável do coletivo em Copacabana. Sandra Britto, professora aposentada, mostrou-se indignada com esse prazo. “Se é uma ocupação ela é regular. Só é irregular o que é invadido. Se aquele prédio estava abandonado, sem pagar IPTU e impostos quem ocupa tem o direito de permanecer. E isso é no mundo inteiro. Só aqui no Brasil que há essa esculhambação”, explicou.

Inclusive, Larissa Larubia pediu para destacar “que foram as travestis que descobriram obras de artes no valor de R$ 2,4 milhões – segundo o IPHAN estimou – e devolveu à Polícia Federal”. Para somar forças, Almeida pediu que a Casa Nem e seus indivíduos possam se associar com outros espaços como a ABIA. “As pessoas falam que na Casa Nem os moradores só sabem se drogar e fumar maconha, mas porque elas só têm isso para fazer. As pessoas já não têm nada, são fudidas (sic), passam e passaram por uma situação extrema de vida e querem o quê? Tenho certeza que se chegarem lá e oferecerem um curso de capacitação de manhã até de tarde elas não vão fumar o dia todo”, advertiu.

“Nós temos que entender os níveis de cada um. Mas cada um tem que entender que tem que ter as vozes de todos, até para incentivar as vozes daquelas que não tem um conhecimento técnico e que têm outras riquezas para compartilhar”, falou Almeida em relação à dificuldade de outras lideranças trans de perfil mais acadêmico não atingir a linguagem das menos acadêmicas. “A gente precisa de afeto, abraço e conversa”, reforçou Larubia.

A Roda de conversa Saúde da população Trans foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA em 2019, com apoio da MAC AIDS Fund.

Texto: Jean Pierry Oliveira e Jéssica Marinho

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