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Projeto Diversidade Sexual realiza roda de Conversa sobre “Juventude, Estigma e COVID-19”


Com mais de 250 mil mortes, numa população de 210 milhões, e mais de 10 milhões de infectados, o Brasil desponta no mundo como um dos principais focos de COVID-19 no mundo. As desigualdades sociais, econômicas, culturais e outras vulnerabilidades estruturais impõe uma realidade ainda mais cruel para os brasileiros.

Alguns grupos considerados de risco – sobretudo idosos, profissionais de saúde e doentes crônicos – são os mais visibilizados pelas políticas de saúde e foco de atenção na prevenção do “novo normal”, de forma que diminua as chances de adoecer e morrer pelo vírus. Entretanto, para todos vale a mesma regra: álcool em gel, máscaras, limpeza constante de utensílios, superfícies e roupas, por exemplo.

Mas entre infectados, curados e mortos, eis uma importante questão – que faz frente ao que foi o auge da epidemia de HIV/AIDS: a culpabilização de determinados indivíduos. Por mais vacinas que o mundo começa a produzir e empenhar para a imunização em massa, a população de jovens são os mais criticados por sua postura diante do coronavírus: culpados por se aglomerar, culpados por festejar, culpados por passear, culpados por sair para dançar, culpados por marcarem encontros para transar entre outras coisas. 

Mas afinal, é possível culpabilizar tão e somente essa faixa geracional pelo alastro da pandemia? E os jovens de favelas, conseguem fazer isolamento social como aqueles de apartamentos? A desigualdade de oportunidades para trabalhar em casa é uma questão? É uma população menos empática? Muitas perguntas encontram-se sem respostas, mas são importantes serem discutidas.

Por isso o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) reuniu na última sexta feira (26/02), via Zoom, jovens, ativistas, estudantes e demais interessados no tema. 

 

Debate

Com mediação de Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, o debate foi introduzido por ele com algumas questões: como e por quê os jovens estão sendo culpabilizados por parte do alastro da pandemia? Por que eles vão para suas boates? Será que eles são únicos?

Jéssica Marinho, assistente do Projeto Diversidade Sexual, disse que o grande problema está “na desigualdade social que existe no Brasil. É muita hipocrisia achar que todas as pessoas têm a possibilidade de se protegerem igualmente. Quem mora aqui perto do Complexo da Penha como eu percebe a dificuldade de muitas pessoas nas favelas para fazer prevenção”, disse ela. E acrescentou: “por isso acho que não são somente os jovens os culpados por transmitir a epidemia ou que saem sozinhos. Vimos aí o Belo que foi preso porque fez show numa escola pública sem autorização. Ele está errado? Sim. Mas porque não prenderam outros artistas que fazem o mesmo e atraem jovens para esses lugares?”, indagou.

Em seguida, o também assistente de projetos Jean Pierry Oliveira, compartilhou sua leitura. Para ele, além da desigualdade social no Rio de Janeiro – e em todo o Brasil – “temos o fato de que a pandemia permanece por muito mais tempo do que pensamos que ficaria. Isso, naturalmente, causa um cansaço em toda a população. Isso não serve de desculpa para jovens e adultos abrirem mão dos seus cuidados com a pandemia, mas significa que para além disso temos um governo negacionista, que descredibiliza a imprensa e confunde mais do que ajuda a população”, advertiu.

Para a ativista Kátia Coelho, com diversos trabalhos em prol da juventude, é preciso compreender que o conceito de juventude no Brasil compreender pessoas de 15 a 29 anos. Isso “aponta uma demarcação em que os coloca num certo limite de cobertura em saúde e políticas públicas. Então o conceito de juventude está posto. E esse jovem vai ser assistido a partir do conceito de estudante. Há uma conotação muito contundente em que vai ou poderia estar assistido na mesma idade, desde sempre. O jovem da periferia não considerados jovens: são os excluídos. Por isso o Estado brasileiro pode invadir um baile funk e fazer qualquer coisa”, provocou ela.

Grupos de risco

Através do chat o assessor de Projetos, Juan Carlos Raxach,  pontuou que “com relação ao conceito de Grupo de Risco, acho que devemos propor, se tiver sentido, falarmos de Grupos EM Risco e não DE Risco. Para mim tem sentido essa mudança porque o EM me faz pensar também na vulnerabilidade. Grupo de Risco sempre me trouxe esse lugar da culpabilização.”

Pós-doutoranda da Fiocruz e parceira da ABIA em projetos e pesquisas Carla Pereira afirmou que “aquele jovem que está na periferia e que tinha muitas atividades de socialização que não acontece mais, ele não calcula o quanto é importante estar com os amigos e olhar para outras coisas. Em contrapartida, aqueles jovens que estão lotando bares na Zona Sul não estão aí pra nada. E esses não aparecem no Jornal Nacional”, criticou. 

Vagner de Almeida complementou que todos nós, no fundo, estamos sendo grupos de risco ou nos colocando dentro desses grupos conforme a dinâmica social nos faz ir para a praia, encontrar os amigos ou algo similar. E que a noção do distanciamento “começou semelhante ao boom da epidemia de AIDS quando as pessoas começavam a se aproximar e aqueles que não seguiam as mesmas premissas eram estigmatizados”, pontuou. E perguntou: qual a noção de vocês de grupo de risco?

O professor de Salvador (BA) Pedro Paulo diz que observa “a dificuldade das pessoas onde eu resido para manter o isolamento social. Porque aqui é um bairro periférico e há ausência de espaços de lazer por conta do não investimento do setor público. Já os bairros mais exclusivos, é o contrário. A rua passa a ser uma extensão da sua porta de casa. E você percebe como isso não é discutido: os espaços de sociabilidade dos bairros periféricos. Salvador passou de 17h00 é lockdown total. Só pode serviços essenciais. E, culturalmente, os brasileiros não estão acostumados com a falta de toque e abraço desse período pandêmico”.

Angélica Basthi, coordenadora de comunicação da ABIA, elogiou o tema escolhido para debate pelo Projeto e quis compartilhar sua visão sobre os fatos. Para ela, “o que fica mais evidente – seja para o jovem da periferia ou para o jovem da Zona Sul – é a (ausência) da prática da solidariedade. Então como é que a gente responde isso enquanto sociedade civil? Isso é o que mais me angustia: não poder ver seu pai, sua mãe e tudo mais. O que está sendo colocado é isso: como praticar a solidariedade em meio ao caos. Seja para o jovem periférico, mas também para aqueles da Zona Sul. Como tornar isso uma prática cotidiana?”, indagou.

“É difícil para o jovem hoje enxergar o amanhã. Então a disciplina não tem muito sentido. Porque a disciplina requer uma doação de si e como você vai alcançar isso se não tiver uma regra, uma postura? O jovem hoje está difícil para alcançar o isolamento social. Ele quer o hoje. Eu penso que dentro dessas políticas públicas e do marketing foi tudo muito errado para largar as pessoas ao nada. Tem que haver sensibilização. O vírus é invisível.”, chamou a atenção a professora aposentada Sandra Britto.

O estudante universitário Jean Vinícius deixou claro que existe uma dificuldade do jovem, mas também das pessoas em geral, se achar ou se ver dentro da categoria de grupo de risco em situações limites como a pandemia. “Assim como foi na época do HIV/AIDS onde grande parte da sociedade só achava que a síndrome atingia a população de gays ou mulheres trans”. 

André Feijó, médico sanitarista, reconheceu sua posição privilegiada nesse momento de pandemia. Mas quis compartilhar sua opinião afirmando que “no meu caso, eu tenho 64 anos, e meu marido é mais novo que eu. Ele está em São Paulo, é ator. Mas o que eu vejo nessas falas é que somos uma sociedade totalmente dividida. Cada um, obviamente, se justifica e defende seu grupo. Não que isso seja errado do ponto de vista do comportamento humano. Mas isso vai passar um dia – com a vacina ou uma mutação menos virulenta – e essas experiências coletivas deveriam servir para refletirmos saídas para a sociedade. Não era pra estarmos hoje nessa situação, o histórico de imunização que o Brasil tem. Não temos vacinas. E o jovem não tem nenhum exemplo das figuras que estão aí.”, lamentou.

Para Márcio Villardi, do Grupo Pela Vidda – RJ, “não podemos perder de vista o que já conquistamos. Eu não concordo com esse termo grupo de risco porque isso vêm da época do HIV e tem muitos estigmas. Agora, concordo com o que foi falado. E os jovens perderam o principal, a escola. Tudo bem que a família é o cerne, mas a educação abre mente, instrui e incentiva o pensamento crítico”. “Não estamos vulneráveis só ao coronavírus, mas sim a tudo aquilo que pode nos afetar no dia a dia, como a violência, por exemplo”, pontuou Vagner de Almeida. 

Cristina “Kiki” Alves, profissional de saúde, disse que é preciso trabalhar entre pares para atrair os jovens diante daquilo que lhe interessa. “Não podemos esperar nada do governo. Jovem pro governo é só escola e eles não estão nem aí para a escola. Até porque ele não vive só na escola”, disse ela. 

Encerrando o evento, Vagner de Almeida convidou as pessoas à reflexão. “Vamos pensar melhor acerca do uso da máscara, da nossa prevenção pela pandemia e dos cuidados que devemos ter uns com os outros”.

A roda de conversa “Juventude, Estigma e COVID-19” teve uma grande alcance através das redes sociais do projeto Diversidade Sexual.O evento criado em uma semana teve acesso de mais de 500 pessoas, o que demonstra a importância de pautas como esta em nosso dia a dia.

Para conferir a nossa roda de conversa na íntegra clique aqui

 

Texto: Jean Pierry Oliveira e Jéssica Marinho  

Foto: Jéssica Marinho

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