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Projeto Diversidade Sexual realiza roda de conversa “Sexo Seguro e COVID-19”


Foto: Jéssica Marinho

Com a iminência da pandemia por todo o mundo e a insurgência de novos hábitos de higiene e proteção, as demonstrações de afeto precisaram mudar pela nossa segurança. Mas e quanto ao sexo? É possível transmitir o vírus de COVID-19 na hora H? Existe um jeito seguro de transar ou isso também está fora de cogitação? Quem está mais exposto: jovens, adultos ou idosos? O sexo oral acarreta mais ou menos riscos?

Interessado em dialogar sobre o tema o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA realizou na última terça feira, 30/03, das 17h00 às 18h00 a Roda de Conversa “Sexo Seguro e COVID-19”, via Zoom. Com a presença de jovens, adultos, ativistas e curiosos sobre a temática – de diversas partes do Brasil – a ação foi mediada por Vagner de Almeida – coordenador de projetos do Projeto Diversidade Sexual da ABIA.

Debate

Para o jovem Rafael Sann, da Rede de Jovens MG+, a monogamia foi a melhor estratégia para se adotar nesse momento durante seu relacionamento – que é aberto. “Não estou me sentindo 100% em me relacionar com outras pessoas da forma como as coisas estão acontecendo. Até porque eu também trabalho, então decidi junto com meu namorado que adotaríamos a monogamia nesse período”, revelou.

Já a pesquisadora da Fiocruz Carla Pereira, que se debruça sobre a prevenção do HIV em populações vulneráveis, disse que a partir dos resultados colhidos até agora em seu doutorado a maioria dos/as participantes estão escolhendo melhor seus clientes – no caso das profissionais do sexo – ou reduzindo os encontros, ou ainda adotando novas formas de prevenção. “Entretanto aquelas mulheres que atuam e atendem na rua ficam complemente desprevenidas, praticamente impossível, fazerem quarentena e se prevenirem porque precisar estar na rua para obter seu ganha pão”, disse ela.

Vagner de Almeida disse que essa questão “é algo paralelo na história se lembrarmos na história do início do HIV/AIDS. Muitos ficavam se perguntando onde colocar o prazer do seu sexo, por conta do medo. E a COVID trouxe isso de novo. Hoje é possível transar virtualmente, mas como as pessoas estão reagindo a isso? Como vocês aqui presentes reagem a isso?”, indagou.

A jovem Emilly Valle chamou a atenção para a questão de PrEP e PEP. Isso porque, falando a partir de sua experiência e o uso da camisinha, “no começo as pessoas ficaram com muito medo. E nós tivemos muita perda de jovens que não queriam tomar PrEP e fazer testes, adesão e nesse sentido de ficar preso e não pode estudar, trabalhar e fazer nada muitas pessoas chegaram pra mim e falaram que não aguentaram. Que precisaram “sair pra mamar”. Eu não tenho como falar que eles não podem transar, mas é complicado. E nessas horas as coisas acontecem. Porque não tem como transar sem beijar na boca. É buscar conversar pra diminuir esse impacto e eu não sei como dialogar sobre isso com esses jovens”, advertiu com sinceridade a ativista.

Sobre isso o coordenador de projetos disse que é importante entendermos que, por “N” razões, os jovens irão manifestar a dificuldade de usar a camisinha ou de se segurar em casa por conta da COVID-19. “E é preciso não culpabilizarmos esses jovens quando buscam esses locais de prazer. Acho muito legal esse papo que você tem com eles, via chat ou outro local, porque eles têm tesão e vontade. Assim como de beber e socializar. E o sexo é um intercâmbio entre o isolamento e a necessidade de transar”, pontuou.

Para o professor soteropolitano Pedro Paulo “há muitas festas clandestinas rolando, principalmente aqui em Salvador, com divulgação de banners – inclusive de festas de sexo LGBT. E a maioria nessa festa pensa que, apesar de só ser permitida a entrada de máscara, acreditam que dessa forma não serão infectados. Às vezes entro no Grindr só para ver as mensagens que as pessoas colocam lá e muitas dizem ‘não estou saindo’, ‘só vou sair quando melhorar’”, disse ele que acha muito difícil esse debate no meio LGBT via aplicativos de pegação.

Wiliam Peres se disse “jurássico” no sentido do uso de aplicativos de relacionamentos e que também nunca teve curiosidade de usá-lo. Contudo, é casado há muitos anos num relacionamento estável e que por ser de grupo de risco sequer consegue frequentar – nesse momento – os espaços de socialização LGBT. Mas que como morador de Londrina (PR), quando se depara com salas virtuais de bate papo na internet, ele percebe “um grande número de homens casados, garotas de programa, pessoas trans e mulheres e ninguém se preocupa com a pandemia não. O tipo de pensamento e preocupação, ao meu ver, fica mais comprometido ainda. E quando me chamam para conversar e eu digo que só estou observando as pessoas me agridem: dizem que sou frouxo e otário   “, disse.

E completou: “principalmente quando falo de prevenção, aí dizem que o governo nos engana e sou maluco”, contou. Peres contou ainda que o outro lado dessa realidade é que no caso das pessoas trans, muitas estão em condições de miserabilidade e me perguntam o que fazer, já que precisam pagar a cafetina, comer ou pagar as contas do mês”. Jéssica Marinho, assistente de projetos do Projeto Diversidade Sexual, disse que percebe as populações mais vulneráveis esquecidas pelas políticas públicas de prevenção por parte do Estado, mas ainda assim sendo os mesmos aqueles mais preocupados com si e seus coletivos. “Temos que repensar um pouco: será que as meninas que trabalham com sexo ou as pessoas trans são tão desorganizadas e despreocupadas assim? Elas se demonstram muito mais atentas ao seu autocuidado do que nós”, questionou.

“Você tocou num ponto fundamental desse debate Jéssica, porque no meio disso tudo aí tem a desigualdade. Desigualdade que acentua a diferença entre aqueles que podem se cuidar e aqueles que não podem. Entre os ricos e brancos e os pobres e/ou pretos. E até aqueles brancos pobres também que não conseguem se prevenir”, completou Vagner de Almeida. Jornalista, negro, morador de Santa Teresa e homossexual Marcos Furtado compartilhou parte de suas observações a partir de suas intersecções.

“Vejo que nesse momento de pandemia quando você já vem de uma correria, já tem dificuldades de afeto e ainda por cima é um homem negro e homossexual, só faz com que aumente sua carência e vulnerabilidade que te leva a se expor. Precisamos deixar claro que existe uma ausência muito grande do Estado e isso faz com que muitas pessoas não consigam ficar em casa, se protegendo e recebendo. Elas precisam sair, trabalhar e correr atrás de suas necessidades”, pontuou. O jovem ainda deixou em aberto a possibilidade de levar essa oportunidade para outros veículos de comunicação, a partir dos voluntários e colaboradores presentes na Roda de Conversa, “uma vez que o jornalismo ainda é um meio muito branco. E realidades como o dessas meninas trans e garotas de programas, por exemplo, num momento como esse não ganham destaque nas páginas de jornais como mereciam”.

Oriundo de Mesquita, na Baixada Fluminense, Neno Ferreira – articulador da ONG AGANIM – disse que “tanto o HIV como a pandemia são doenças pandêmicas e não tem como se safar delas. E aqui na Baixada ninguém quer ajudar, o poder público não quer fazer nada. Estou nessa resistência há 27 anos. E agradeço a você Vagner e a ABIA por pelo menos me oferecerem insumos de prevenção, porque nem isso temos aqui. Se não fosse vocês não conseguiriam fazer ações de prevenção”.

David Oliveira, da Rede de Jovens SP+, elogiou a ABIA pelo espaço de debate. Segundo ele, “a pandemia veio escancarar as desigualdades que já existiam e o HIV é o que mais pesa no consciente ou subconsciente desses jovens. O colega jornalista falou sobre as vulnerabilidades dos corpos e esses corpos estão buscando caminhos para encontrar essa afetividade, nos banheirões, nas saunas e outros locais. Isso aqui no contexto de São Paulo, mas que se estende para o âmbito nacional. No twitter você vê em tempo real o que acontece. E ontem um amigo me questionou ‘David como trabalhar prevenção no banheirão? Vamos abordar essas pessoas falando sobre PrEP’?’ E como trabalhar a educação nesses ambientes é uma oportunidade que a pandemia trouxe, ainda que com muitas dificuldades”.

“Quando a ABIA traz esse tema é para ouvir justamente esses relatos. Estamos vivendo tempos difíceis e é preciso saber como está a relação com o nosso corpo mediante a isso. Num momento onde o sexo, seja com quem tem ou não parceria fixa, ele transpira sexo. Mas como trabalhar esses desejos nos banheiros? Nos locais de esgoto à céu aberto ou pelos interiores das grandes cidades do país?”, indagou Almeida deixando como reflexão para os presentes.

Emilly Valle disse que é preciso levar em consideração que, no momento que o Brasil atravessa, será muito difícil falar de prevenção num contexto de desemprego e miserabilidade. De pleno acordo com a jovem, o assistente Jean Pierry Oliveira – também do Projeto Diversidade – afirmou que “esse é o grande questionamento que deve ser feito: não é possível falar de prevenção no sexo quando se precisa trabalhar para sobreviver e comer para encher a barriga e matar a fome. Isso reside na Necropolítica e é mais importante do que simplesmente dizer que é preciso usar camisinha. A questão da sobrevivência neste momento é muito mais importante.”, afirmou. “E onde está o povo para reagir frente à tudo isso? É só o que quero falar”, reforçou a ativista e advogada Regina Bueno, que completou a sua fala lembrando sobre mulheres cis em relacionamentos estáveis que são abusadas sexualmente por seus parceiros, “ é necessário que nós mulheres pautemos sobre isso, pois a cada dia o número de mulheres forçadas a transar com seus parceiros crescem. Eu sinto que é preciso que mais mulheres falem sobre isto nesses espaços.”

“O HIV começou em 1983 e até hoje estamos aqui falando sobre ele. Agora, em meio à COVID. Mais uma vez fico feliz de ver todos vocês juntos, vivos, dialogando sobre isso e compartilhando com a ABIA um pouco de vocês. Um beijo e muito obrigado!”, disse Almeida encerrando o evento que contou com uma audiência de mais de 40 pessoas.

 

Texto: Jéssica Marinho e Jean Pierry Oliveira.

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