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Projeto Diversidade Sexual realiza lançamento do Guia de Sexo Mais Seguro em Lages (SC)


Foi realizado de 26/09 à 29/09, na cidade de Lages, em Santa Catarina, o “Seminário Regional de Atualização em  Prevenção Combinada para o Fortalecimento das Ações Preventivas em IST, HIV, AIDS  e Hepatites Virais” organizado pela ACASEF (Associação Catarinense de Apoio Social e Educacional à Família). O primeiro dia ficou marcado mais pela chegada das delegações, credenciamento e a abertura oficial do evento, às 19h30, com representantes dos demais estados da região, (Rio Grande do Sul e Paraná), do próprio município de Lages, do Ministério da Saúde e dos Fóruns de ONG/AIDS interestaduais.

Entretanto, o segundo dia já foi mais agitado e iniciou-se com um debate sobre o “Diagnóstico Atual da PrEP e PEP na região Sul”, com apresentação de Filipe Barros do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais. Os dados mais recentes apontados por ele evidenciaram uma mudança significativa no uso da Profilaxia Pós-exposição (PEP), nos últimos anos. Em 2014, houveram 35.926 dispensações da PEP, onde 30%  foi para uso de exposição ocupacional e 44% para exposição sexual consentida. Já em 2017, 87.408 pessoas fizeram dispensação do método, com 58% do uso para exposição sexual consentida e 26% de exposição ocupacional.

Já sobre a prevalência do HIV no Brasil, Filipe deixou por meio de gráficos que “tecnicamente temos na população em geral uma incidência de menos de 1%, o que não se considera uma epidemia, mas temos que olhar para um cenário em que determinadas populações estão numa situação de muita vulnerabilidade como gays e HSH (Homens que fazem Sexo com outros Homens) e mulheres trans”, disse ele que ainda completou sua fala ressaltando que a sífilis também acomete, em sua maioria, HSH’s e mulheres travestis e transexuais.

PrEP

Para o gestor a PrEP (Profilaxia pré-exposição) deve sair do campo científico, ser traduzida e decodificada enquanto informação, e implementada com mais afinco (leia-se política pública) no Brasil. Ainda implantada somente em determinadas capitais e cidades pelo país, a profilaxia é estimada como uma grande aliada no combate à infecção por HIV e AIDS. “Estamos em batalha contra a (farmacêutica) Gilead para que seu genérico, já aprovado mas não produzido, seja iniciado e disponibilizado”, revela. E completa: “os dados não podem ser somente tomados como verdade absoluta, mas como um indicativo de para onde queremos ir”, advertiu.

Perfil da Sífilis, HIV/AIDS e Hepatites Virais na Região Sul

Em seguida, a segunda mesa trouxe um panorama sobre a AIDS na região Sul, começando por Santa Catarina. Só em 2017, fora, notificados 1.427 casos de AIDS e 2.105 casos de infecção por HIV, com 12.600 óbitos, ou seja, acima da taxa/média nacional segundo dados relatados pela gerente estadual do programa de AIDS do estado Dulce Maria Quevedo, em dados preliminares. De 20 a 39 anos, em sua maioria heterossexual e homossexual, são as populações e taxas etárias mais acometidas pelo HIV por lá. A sífilis também avança: foram 36.720 casos adquiridos de 2007 à dezembro de 2017, com um aumento de 61% de casos de 2014 para 2015 e taxa de detecção de 159,2 casos por 100 mil habitantes.

“Temos muitos bebês nascendo com sífilis congênita, onde a mãe passa para o bebê. Algo que não deveria estar acontecendo mais. E isso é muito preocupante porque 182 municípios notificaram casos de sífilis congênita de 2010 a 2017, fora os municípios silenciosos (sem informações)”, alertou.

Rio Grande do Sul

Já o contexto do Rio Grande do Sul foi exposto por Ana Lúcia Baggio, gerente estadual de IST/HIV/AIDS. Por lá, o panorama aponta a segunda taxa mais elevada em comparação com outros estados brasileiros no que tange à epidemia. Números mais recente de 2016 apontam 31,8 casos por 100 mil habitantes. O dobro da taxa nacional de 18,5 por 100 mil. A maior concentração baseia-se em indivíduos entre 30 e 34 anos (17,7%), seguidos por 35 a 39 anos (15,9%).

Apesar do 80% dos casos serem predominados em heterossexuais , houve aumento de incidência entre homossexuais (de 7,3% para 15,3%) e redução entre usuários de drogas injetáveis (UDI, de 14,5% para 4,2%). “Temos taxas das mais elevadas em gestantes com HIV, (identificados) durante os testes e estamos tentando trabalhar (para melhorar) nisso”, afirmou. O maior índice de detecção de AIDS em menores de cinco anos também é do RS.

Paraná

Quando a palavra passou para Francisco Carlos Santos, foi possível adentrar um pouco melhor sobre a situação do estado do Paraná. Apesar do decréscimo nos números de casos de AIDS, nos últimos 11 anos o estado vem assistindo um aumento nos números de HIV. Fazendo um recorte por raça e faixa etária, a população entre 20 e 49 anos são os mais acometidos, com a característica de serem majoritariamente brancos. “É muito difícil também nisso tudo a questão do estigma e preconceito, até com profissionais de saúde na questão do HIV e das Hepatites Virais, principalmente”, conta ele.

O gestor ainda abordou o contexto da tuberculoso no seu estado, ainda um problema não totalmente sanado e com mortalidade “mesmo sendo tratável e com maior possibilidade e gratuito, assim como a sífilis no Brasil”, completou.

Caminhos da Prevenção: Avanços, Incorporações de novas tecnologias, Prevenção combinada e Tratamento como prevenção

No período da tarde, seguinte as mesas acima discorridas, o Seminário teve continuidade e abordou o tema “Caminhos da Prevenção: Avanços, Incorporações de novas tecnologias, Prevenção combinada e Tratamento como prevenção”. Na mesa coordenada por Amauri Ferreira Lopes estiveram presentes o infectologista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVE) Eduardo Campos, o vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) Veriano Terto Jr e a integrante do Fórum de ONG AIDS do PR, Melissa Ferreira.

Para o infectologista Campos, é muito importante falarmos sobre a questão do Indetectável=Intransmissível. Isto é, quanto menor suas taxas de CD4 (células de contagem do HIV) no organismo, menor será a probabilidade de infecção para com alguma(a) parceiro(a) mesmo em situações de exposição ou vulnerabilidade sexual. Além disso, deixou esclarecido como as novas tecnologias de prevenção (PEP e PrEP) são auxiliadoras no contexto da epidemia de HIV/AIDS, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s).

ABIA

O segundo momento dessa mesa foi protagonizado por Veriano Terto Jr. Em sua fala, o diretor-presidente da instituição falou acerca dos obstáculos causados pelo estigma, preconceito e discriminação com relação as novas tecnologias de prevenção desde os anos 80 quando a camisinha começou a se popularizar.

“Numa época em que tinha tanta gente morrendo de AIDS ouvíamos dizer que o preservativo iria incentivar a putaria, a promiscuidade, o sexo e o desejo. Quando na realidade isso nos dava a autonomia de fazermos um sexo seguro com quem quiséssemos, quando e onde quiséssemos”, revelou Veriano. Ele também ressaltou o quanto populações privadas de liberdade, “doentes mentais” e outras historicamente marginalizadas eram suprimidas do direito de usar camisinha e praticar o sexo a partir do mesmo. Já nos anos 90, a luta foi para vencer a barreira de se implementar os antirretrovirais como direito de todos e na saúde pública, “porque eles (governo) não queriam os medicamentos liberados para todos porque – cheio de preconceitos – não queriam travestis, usuários de drogas e profissionais do sexo usando o medicamento. Tudo por conta do estigma sobre essas pessoas. Daí cria-se aquilo que chamamos de “necropolítica”, por impedir que essas pessoas acessem os antirretrovirais como ainda vemos até hoje”, criticou.

O descolamento da Saúde dos Direitos Humanos (e vice-versa) também foi um dos pontos de descenso da questão do HIV e AIDS no Brasil. Isso porque perde-se o caráter do respeito e garantia dos direitos e abre-se espaço para “a ignorância que alimenta o estigma e não alcança um tamanho maior (em direitos) para a população”, frisa ele. Ignorância essa que alimentou falácias como o do chamado “efeito desinibitório” que muitos médicos e outros profissionais de saúde impuseram como argumento para não implementar novas tecnologias de prevenção no Brasil, com a justificativa de que incentivaria gays, prostitutas, travestis e soropositivos a abandonarem a camisinha. “Temos que jogar a sexualidade e o sexo novamente na discussão com a comunidade e abrir mais canais de fala para avançarmos no direito à informação e prevenção”, pediu ele encerrando sua participação na mesa.

Melissa Ferreira, do Fórum ONG AIDS do Paraná, trouxe a triste realidade das estatísticas de saúde e vulnerabilidade de mulheres travestis e transexuais como ela. Com apontamentos que revelam a prostituição como forma de subsistência para 90% dessa população, segundo dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a ativista pediu por mais atenção das autoridades de saúde. “Nós temos inúmeras cidades com grande população no estado do PR, mas só se encontra a PrEP e outros serviços mais especializados em Curitiba. Então, quando eu vejo os números de PrEP concentrados em pessoas com maior nível de escolaridade eu fico pensando: estamos atingindo o objetivo? Cadê as outras pessoas?”, questionou.

Por fim, a jovem pediu maior integração do movimento social para com as diferentes populações da diversidade sexual e por mais respeito, solidariedade e união com os demais.

Adolescentes e Jovens: vulnerabilidades, adesão ao Tratamento a Terapia Antirretroviral

A terceira  mesa do Seminário tratou do tema “Adolescentes e Jovens: vulnerabilidades, adesão ao tratamento a terapia antirretroviral” e foi composta por Alex Amaral, do ACASEF SC, Eduardo Barbosa, do Grupo Pela Vidda SP e Vagner de Almeida, do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA.

“Ainda existe muito preconceito, estigma e discriminação nos serviços quando a pessoa vai procurar uma PEP, um serviço de AIDS ou o profissional de saúde não o atende com a humanização necessária. Isso ainda ser visto em 34 anos de epidemia é triste”, lamentou Amaral. A adesão de somente 3% do tratamento antirretroviral, conforme observado a partir de sua tese de mestrado e trabalho na instituição catarinense, também foi salientado. Em suas palavras, é necessário muita empatia, humanismo e afeto no serviço público especializado pois isso é o que determina a adesão e eficiência da juventude ao tratamento de HIV.

“Além disso, muitos gestores são indicados por questões políticas e não técnicas. Aí fica a pergunta: como conseguir adesão e resultados sem empatia e boa vontade?”, indagou.

Projeto Diversidade Sexual e Lançamento do Guia

Logo após, Vagner de Almeida trouxe o Sexo Seguro, a sexualidade e a erotização para o evento. Um dos carros-chefes de sua apresentação foi o Guia de Sexo Mais Seguro, produzido pelo Projeto Div. Sexual e que em seu primeiro módulo focou no HIV e AIDS e práticas e comportamentos sexuais com foco nos HSH.

“Eu vi muita gente trazer números e gráficos, repetindo fórmulas, mas não vi ninguém falar e trazer o sexo e a sexualidade como todos nós conhecemos. Nós precisamos trazer a antropologia da coisa, aplicar a linguagem popular, erotizar nossas ações. Porque a Academia é uma grande aliada, mas precisamos fazer entender as pessoas para as quais trabalhamos”, criticou ele. Almeida ressaltou o trabalho de vanguarda e ponta da ABIA nas questões do HIV/AIDS, gênero e sexualidade, mas atentando para o fato “de criarmos novas lideranças e linguagens dentro do que fazemos”.

Com um segundo módulo do Guia já sendo produzido no âmbito das mulheres cisgênero (que se identificam com o gênero que nasceu), com foco nas IST’s, e um outro em processo de produção voltado para mulheres travestis e transexuais (que não se identificam com o gênero que nasceram), Almeida afirmou ser fundamental o retorno à origem da epidemia e suas subjetividades . “Essa semana eu realizei um grupo focal com mulheres trans e eu vi a importância de ouvi-las, conhecer sua realidade, saber o que eles gostam e as suas vulnerabilidades. E isso eu não vejo mais em outros espaços do movimento social. Precisamos nos sensibilizar e nos mobilizar em prol de todos e todas”, pontuou.

Grato pela oportunidade de participar do evento e de levar o material para a região do interior catarinense, o coordenador realizou a distribuição do material com a ajuda do assistente de projetos Jean Pierry Oliveira e, como não poderia ser diferente, chamou muita atenção, alvoroço e suscitou perguntas e elogios pela audácia, informação e qualidade apresentados.

Já Eduardo Barbosa, do Pela Vidda SP, trouxe a perspectiva da “informação desinformada”, isto é, pessoas que se dizem informadas, mas no final das contas suas informações são incompletas. E no caso dos jovens e adolescentes as dúvidas e inseguranças são cotidianas diante de um diagnóstico positivo. “Nós temos perdido a capacidade de dialogar com as coisas novas. Talvez um Guia como esse da ABIA já tenha sido feito, mas não com essa linguagem e inovação”, disse. Outro ponto de destaque foi a captação que governos e instâncias federais, estaduais e municipais dão para jovens em cursos de novas lideranças, mas não possibilitam o suporte necessário para os mesmos desenvolverem planos de ações devolutivos quando cobrados por resultados pelas mesmas instituições.

Encerramento

Já no dia 28/09, último dia do Seminário, a manhã de atividades foi marcada pela divisão dos estados em três grupos e os seus respectivos representantes tinham a responsabilidade de construírem coletivamente uma agenda e carta de recomendações, apontamentos e outros informes acerca das necessidades de cada localidade frente à epidemia de HIV e AIDS.

Ao meio dia, os grupos apresentaram suas incidências para os demais e depois agruparam pontos em comum e criaram uma carta que será apresentada e destinada ao Ministério da Saúde com relação as demandas sulistas. O próximo encontro regional será realizado em setembro de 2019, em Balneário Camboriú, litoral de Santa Catarina e o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens já foi informalmente convidado.

Texto: Jean Pierry Oliveira

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