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Projeto Diversidade Sexual participa de Oficina sobre juventudes e prevenção da SES-RJ


Dilemas, desafios e aspectos estruturais de prevenção no contexto das juventudes. No meio disso tudo o HIV/AIDS, as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e as Hepatites Virais. Esse foi o mote do evento “Vamos Combinar? Juventudes e Vivências na Prevenção às IST/AIDS e Hepatites Virais”, realizado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ), entre os dias 25 e 27 de outubro na Lapa, centro do Rio de Janeiro.

Reunidos no hotel Atlântico Prime o evento se tornou possível com a ajuda e colaboração de algumas instituições e/ou organizações da sociedade civil como a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), através do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens. Além destes, outros como a Rede de Jovens Rio+, Grupos Pela Vidda Rio (GPV-RJ) e Niterói (GPV-Nit), Projeto sem Vergonha (PSV), Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), Conexão G e RENAFRO (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde) também participaram.

Aproximadamente 50 participantes, entre 16 e 27 anos ou mais (a média foi de 22 anos), compuseram o público-alvo no salão de eventos do hotel. “Esse evento levou meses e reuniões a fio para acontecer. Desde junho viemos nos reunindo e debatendo inúmeras propostas até acertarmos o modelo que queríamos desenvolver. Agradeço muito à todos os jovens organizadores”, agradece na abertura da sessão do primeiro dia Cristina “Kiki” Alvim, da SES-RJ.

Para contextualizar a temática e abrir os diálogos coube a integrante da Gerência de IST, AIDS e Hepatites Virais da SES-RJ Denise Pires elucidar alguns números acerca da desigualdade de renda e social do país. Além disso, a meta 90-90-90 do UNAIDS (90% das pessoas infectadas diagnosticadas, destas, 90% em tratamento e, destas, 90% com carga viral indectável) e o cenário de aplicação e funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) também ganharam destaques em sua fala. Com fontes seguras e conhecidas como O Globo, G1, IBGE, IPEA etc Pires explicitou aos jovens os dados e percentuais controversos da epidemia. “Vivemos uma época onde há políticas de contigenciamento, redução e teto de gastos. E será a geração de vocês a afetada por essas medidas”, alertou ela.

HIV/AIDS no RJ

Apresentando dados já lançados em boletins epidemiológicos no estado do Rio de Janeiro, entre 2016 e 2017, o que se observou foi uma taxa de incidência maior por aqui do que o registrado no Brasil como um todo, mesmo com uma redução de 7,4% entre os anos. Só para terem uma noção em 2016 a média estadual foi de 27,0 % nos casos de HIV/AIDS x 19,0% no país. Em 2017 os dados apontam 25,0% (RJ) x 18,3% (país). Já em 2018, os números são:

Nº de casos de HIV: 5.044

Nº de AIDS: 1.441

Taxa de incidência: 29,4/ 100.000

Taxa de AIDS: 8,4/100.000

Sendo as faixas de 20-34 anos com 559 casos (38,8%) e 35-49 anos com 522 casos (36,2%) as idades mais infectadas, proporcionalmente. Em homossexuais foram 328 casos ou 22,4% e heterossexuais com 560 casos ou 38,9% em proporção. Chama atenção, porém, o número de ignorados (sem registros de identificação) com 27,4% de proporcionalidadeou ainda 395 casos. Dados esses compilados sobre pessoas adoecidas por AIDS, em 2018, no estado do RJ segundo o SINAN (Sistema Nacional de Notificação).

Questionada por Luiz Menezes, do Conexão G da Maré, sobre os registros de pessoas trans nos sistemas estaduais Pires afirmou que “esses sistema trabalha com registros civis e não há campos para abarcar essas identidades de gêneros com seus nomes sociais. Essa é, inclusive, uma reivindicação do movimento trans e muito pertinente. O que há hoje são estudos que apontam alguns indícios. Mas esse questionamento tá perfeito”, disse.

Dinâmica

Em seguida, a jovem Débora Pinheiro (da CEPIA) comandou a dinâmica intitulada Combinado. Nesse momento, os participantes foram instigados a falarem sobre coisas que eles julgassem importantes para o bom convívio ao longo do evento e que serviria como um manual de boas práticas a ser adotado por todos(as/es). Empatia, respeito, pontualidade, atenção às falas, diálogos abertos, construção coletiva, uso moderado de celulares. Esses foram os pontos mais citados em algumas das propostas.

Também nessa hora, para que fosse possível todos/as/es se conhecerem e apresentarem uma segunda dinâmica foi realizada. Cada jovem teve que desenhar um animal que tivesse três características similares a sua personalidade e/ou comportamento e, posteriormente, justificasse a escolha para os demais. Gatos, Cobras, Leões, Jacarés, Golfinhos e até Dinossauros – entre outros – surgiram e foram espalhados pela parede do auditório.

Finalizando o primeiro dia de atividades a jovem nilopolitana Tabita Cristine recitou duas poderosas poesias, de forte cunho social – e atravessado por suas vivências – e conhecidas como Slam, um estilo de batalha comum em periferias e favelas das grandes cidades brasileiras.

2º Dia

O segundo dia do evento “Vamos Combinar?” contou com atividades voltadas para reflexões acerca da Prevenção Combinada – tema norteador do dia – e novas dinâmicas de sistematização focadas na aliança entre tecnologias digitais e ações de prevenção para as juventudes. Um dos destaques da manhã ficou por conta da apresentação do Rio das Prevenções tocada por Juan Carlos Raxach, assessor de projetos e integrante do Projeto Diversidade Sexual da ABIA.

Com um painel interativo Raxach passeou entre os diferentes tipos de dispositivos possíveis para se prevenir, contextualizando tal qual o curso de um rio, o surgimento e a importância de cada auxílio biomédico sobre nossa profilaxia. Camisinhas (feminina/interna, masculina/externa), PEP, PrEP, circuncisão e tantos outros foram abordados. Para além disso, segundo o assessor de projetos, o momento foi muito importante “pois se o Projeto Diversidade não estivesse presente não seria aprofundado da maneira devida a questão da prevenção combinada. Isto é, existiam muitas dúvidas dos jovens e adolescentes sobre isso e até então um discurso altamente focado na ditadura da camisinha por parte de alguns presentes. Com a apresentação e as evidências do Rio das Prevenções desmitificamos alguns conceitos equivocados”, ponderou.

Já no período da tarde duas mesas foram centrais para o debate. Com a incumbência de abordarem os aspectos estruturais da prevenção combinada, a mesa 1 falou da AIDS e suas interfaces. Com a mediação da jovem trans e ativista Thaylla Vargas, a mesa foi composta por:

– Lays Santos (Ministério Público): Direitos Humanos e Jovens

– Débora Pinheiro (CEPIA): Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

– Andressa Ferreira (RENAFRO): Gênero e Raça

– Francisco Neto (FIOCRUZ): Drogas

– Max Win e Maurício, Lucas e Letícia (PSV e RAP da Saúde): Ativismo

 

Nesse momento os jovens e adolescentes expuseram opiniões e compartilharam experiências destacáveis sobre suas vivências. “Eu sou jovem e tenho dificuldades de ir num posto de saúde e pegar camisinhas, tenho que ser sincero. Mesmo estando dentro de um projeto como o Sem Vergonha. Imagina quem não tem acesso?”, indagou o jovem Lucas do Colégio Estadual Júlia Kubitscheck.  O uso e abuso de álcool e outras drogas também chamou atenção na fala do representante da Fiocruz Francisco Neto.

“Hoje existem mutias bebidas que alteram o comportamento e influenciam na prevenção combinada. E isso precisa ser falado, pois cada vez mais cedo vocês jovens começam a beber e desconhecem os perigos”, alertou. Outro debate que rendeu foi a questão da Intersexualidade e identidade de gênero. Sobre isso, Thaylla Vargas compartilhou sua vivência dentro da chamada binarização. “Se fosse pelas outras pessoas eu já teria colocado peito, bunda e feito várias plásticas. E não. Eu tive meu tempo. Precisei me descobrir aos poucos. Até porque até chegar aqui, como uma mulher transexual, eu passei pela fase do menino gay afeminado, depois pelo não-binário, trans não-binário e agora transexual. Então é preciso respeitar a individualidade dos outros”, salientou.

“Eu entendo que esse debate é até anterior. Porque já nascemos tendo que se encaixar em alguma coisa perante a nossa genitália, ou seja, menino ou menina. E deveríamos entender que somos indivíduos, independente disso. Até por isso hoje em dia já tem esses chás de revelação. Quem pesquisa sobre gênero já diz que isso é uma forma de reagir à suposta “ideologia de gênero”, que não quer encaixar as pessoas”, explicou o ativista Jean Vinícius.

A desigualdade social e a fragmentação imposta por ela que divide a acessibilidade para uns em detrimento à outros foi um dos maiores pontos de criticidade entre os participantes no debate. Para Luiz Menezes isso é o que determina “quais corpos são para viver e outros para morrer. Que corpos negros, favelados e trans não servem. Que pobre não tem conhecimento. E que conhecimento é só a Academia que produz. Tá na hora de realmente nos perguntarmos: para quem estamos falando? Para quem funciona essa prevenção combinada? Porque eu atuo desde janeiro com diversas mulheres trans da favela de Palmares, em Santa Cruz, e passo duas horas no ônibus para poder levar um pouco de informação para elas. Porque lá não chega, não há espaço, saúde muito menos”, desabafou. E completou:

“Até porque se elas procuram uma Clínica da Família não vão ser atendidas, porque aquele profissional de saúde além de não reconhecer a identidade dela, ainda vai revelar a sorologia dela ou outra informação sigilosa para todo o bairro. Não há ética”.

Gênero e Raça

Esse foi o tema de Andressa Ferreira no painel. Adepta do Candomblé e integrante da RENAFRO a jovem enfermeira trouxe a perspectiva de pessoas negras para o centro dos debates. “Falar enquanto pessoas negras de espiritualidade e religiosidade é mostrar que existe uma ancestralidade. E, infelizmente, não queria reconhecer isso mais existe muita LGBTfobia dentro do povo de axé. Tem pessoas que são chamadas de gays só por serem dominadas por um orixá chamado Logun-edé, por exemplo”, revelou.

Se ter respostas prontas para muitos dilemas Ferreira não buscou ir atrás delas, mas deixou uma reflexão para os participantes.“Como humanizar as pessoas? Como fazermos as pessoas entender e lidar com isso? Não somos iguais o tempo todo, temos nossas diferenças e temos que exercer a empatia para aprender com o outro e não reproduzirmos machismo, racismo, LGBTQfobia, como já fiz um dia”, indagou ela que finalizou com um poema da autora americana, negra e lésbica Audre Lorde.

Mesa 2 – Vivendo com HIV e a Prevenção Combinada como resposta

A segunda mesa do dia foi mediada pelo integrantes da Rede de Jovens Rio+ Léo Aprígio. Os debatedores do painel foram Letícia Cabral (GPV-Nit), Maiara Dutra* e Jean Vinícius. Transmissão vertical foi o enfoque de Cabral. A jovem iniciou falando da perspectiva “de nascer com HIV e os preconceitos e estigmas trazidos com isso e a forma de lidar com esse diagnóstico e viver assim desde cedo”.

Maiara Dutra, mãe de duas crianças (de 4 e 2 anos), colocou no centro da roda da maternidade como mãe HIV+. Segundo ela, “eu tive um acompanhamento e processo que posso dizer que foi de privilégio. Fui atendida e ganhei minhas duas filhas no hospital Fernandes Figueira, em Botafogo, com um atendimento super humanizado que eu sei que não é a realidade de outras unidades públicas”, criticou. Mas nem tudo foi tão tranquilo em sua trajetória como mãe, jovem e soroposotiva.

“Após o nascimento e gravidez de minha segunda filha eu tive uma depressão pós-parto muito forte, inclusive tentei o suicídio. Eu me autoculpava porque deixei vir outra criança, porque isso, porque aquilo. Era muito julgamento de mim sobre mim mesma. Fui parar em clínicas psiquiátricas para me livrar disso”, disse ela emocionada e sob intensas lágrimas. Outro aspecto que chamou atenção em sua fala foi o pós-parto, onde segundo ela, “eu não podia amamentar e isso criava burburinho entre outras mães”. A falta de humanização entre unidades e profissionais de saúde também foi salientado como um diferencial para a mulher gestante. “Eu moro em Guaratiba e fui ganhar minhas filhas em Botafogo. Vocês tem noção? Foram duas horas sentindo dor de parto para ter bebê. E eu preferia morrer do que ganhar minhas filhas em outro lugar que não fosse lá. Justamente pela humanização. Mas não deveria ter (uma unidade) mais perto e ser assim em todo lugar?”, questionou.

Protagonismo Juvenil

Jovem, negro, homossexual e soropositivo. Com muitos atravessamentos o ativista Jean Vinícius têm muito o que falar sobre protagonismo juvenil. Para tanto ele procurou conceituar o termo , apontar sua atuação dentro da área e as problemáticas suscitadas pela AIDS em meio as novas narrativas.

“Ter uma leitura elaborada, para além do academicismo,fundamenta um discurso em que a gente tá buscando um novo modelo de sociedade. Principalmente de escuta maior daquelas que foram educadas a serem superiores e onde as representações de privilégio são maiores”, enfatizou. O que a juventude pode aprender como legado deixado por Betinho e seus ensinamentos sobre a sociedade? Ele mesmo indagou e respondeu. “É preciso pensar numa resposta à AIDS que leve em consideração as estruturas sociais de pobreza, Direitos Humanos e todos os ismos para que as pessoas sejam atingidas pela dignidade, empatia e solidariedade”, ensinou.

Estigma, discriminação e preconceito não foram temas que passaram batido. Coube a Léo Aprígio, da Rede de Jovens Rio+, pontuá-los. “Eu me descobrir homossexual dentro da igreja. Criticava as pessoas e entre quatro paredes fazia tudo aquilo que eu condenava. E dentro disso, quando me descobri HIV+, veio toda a carga de preconceito. Porque parece que ser gay é ter HIV”, disse. Após exibir o vídeo sobre o cartaz HIV positivo, produzido pelo GIV-SP, ele iniciou o debate com a seguinte questão: você revelaria sua sorologia para um(a) parceiro(a)? “Se a doença gera preconceito, a informação é a cura”, atestou em resposta e finalizando sua mediação.

Durante o debate o jovem Vladimir Tavares quis saber das jovens Letícia e Maiara sobre como é ser HIV+ e evangélica. Letícia respondeu a questão e disse que “quando eu fui revelar na igreja minha mãe ficou desesperada. Só que eu criei uma forma – até hoje – de contar o diagnóstico sem expor minha mãe. Só que na igreja, durante o testemunho, as pessoas não acreditavam. Vieram me perguntar no fim do culto (se era verdade). Mas ninguém se afastou de mim. Eu falo com todo mundo”, contou. Já Maiara compartilhou uma vivência diferente, pois “eu não falei na minha igreja porque ela é muito conservadora. Às vezes até eu me pergunto como consigo ficar ali. Não sei explicar. Não me faz mal. Conto nos dedos os que sabem (da sorologia)”.

O terceiro e último dia do evento serviu de fomento para avaliar as expectativas, fazer algumas devolutivas e celebrar uma oportunidade única de crescimento pessoal, profissional e coletiva em prol da prevenção, respeito à diversidade e promoção da saúde e direitos humanos como garantias fundamentais.

 

Texto e fotos: Jean Pierry Oliveira

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