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Projeto Diversidade Sexual debate Saúde Mental e COVID-19 em roda de conversa


 

Um artigo produzido pelo Grupo de Trabalho Racismo e Saúde, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), observa que, durante a pandemia da COVID-19, além de ser o grupo com maiores vítimas pelo vírus, a população negra também sofre impactos em sua saúde mental, o que demanda atenção e discussão.

Uma pesquisa realizada pelo UNAIDS entre 27 e 31 de março, no início das medidas de distanciamento físico impostos pela COVID-19, mostrou que entre as quase 3.000 pessoas vivendo com HIV e vivendo com AIDS que responderam ao questionário, 66,7% disseram ter sentido alterações em seu humor ou em seus comportamentos e hábitos devido à pandemia de COVID-19.

Dados preliminares de uma pesquisa do coletivo VoteLGBT, confirmam que os problemas de saúde mental durante o isolamento social são a maior preocupação entre 44% das lésbicas, 34% dos gays, 47% dos bissexuais e pansexuais e 42% dos transexuais que responderam à pesquisa que tenta entender como essa população tem passado pela pandemia.

Os três parágrafos acima exemplificam como a saúde mental vem sendo, depois da pandemia, o maior problema enfrentado pelas pessoas. Principalmente aquelas mais vulnerabilizadas socialmente. Atento aos sinais, o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) reuniu jovens, adultos, psicólogos e demais interessados em torno do debate “Saúde Mental e COVID-19” em sua Roda de Conversa, na tarde da última terça-feira (27), das 17h00 às 18h00 no Zoom.

 

Debate

 

Abrindo o espaço de discussão a psicóloga Penélope Esteves, graduada e pós-graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mostrou-se grata pelo convite de conduzir o evento e deixou claro que gostaria de fazer do espaço “um local onde pudéssemos falar de nossas dores, um momento em que pudéssemos nos ouvir e entender”, disse ela. 

Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, apontou que a importância do tema se dá pelo momento que enfrentamos com a pandemia de COVID-19 que está “pressionando a doença do século que é a depressão. Porque muita gente acha que é frescura, é bobeira, coisa de gente rica. Contudo,a saúde mental é importantíssima. Não podemos tratar com negacionismo”. Sobre isso, inclusive, Esteves complementou que é importante compreender a depressão como doença, mas que há outros sinais que podem indicar a condição “como eu consigo ver numa pessoa que bebe demais, que chega em casa e bate na mulher ou tem ansiedade. Eu trabalho muito com sofrimento psíquico e ele pode vir de várias formas. E alguém que chega e diz pra você que isso é frescura, ela mesmo pode estar depressiva”, explicou.

A profissional diz que nem todas as pessoas com depressão ou sofrimento mental fica prostrada numa cama, triste ou com sintomas e sinais clássicos. “É preciso desconstruir o estigma sobre pessoas com depressão. Não é o tempo todo que ela vai ficar deitada numa cama em estado de sofrimento”. Professor da rede escolar de Salvador, na Bahia, o professor Pedro Paulo disse que faz todo sentido o que foi falado por Penélope, “principalmente no contexto da pandemia que deu um verdadeiro ‘boom’ nessa questão, mas que ainda assim faz com que muitas pessoas tenham vergonha de ir num psicólogo, desabafar ou ser orientado para um profissional porque não quer ser considerado ‘maluco’. E eu temo as tentativas de suicídio nesse momento”.

Sandra Brignol, outra participante da roda de conversa, disse que é preciso se observar as escalas de sintomas que podem ser originados em diversos contextos de vulnerabilidade, “senão todo mundo vai ter depressão e não podemos banalizar ou estigmatizar”. “Tem um artigo no New York Times que fala sobre definhar, atrelado a um sentimento coletivo. E eu fico pensando no que e como seria esse sentimento coletivo, de forma que classifiquemos o que depressão ou não nesse contexto da pandemia. Achei interessante esse olhar e essa abordagem do artigo e quis trazer para vocês”, compartilhou a doutoranda Carla Pereira.

Assistente de projetos do Projeto Diversidade Sexual Jean Pierry Oliveira indagou se a rede de assistência de saúde pública –  no Rio de Janeiro via Clínicas da Família – estaria apta para atender à demanda reprimida causada pela pandemia para tratar a saúde mental, conforme promessa de campanha do atual prefeito da cidade Eduardo Paes. Esperançosa, mas realista, Penélope Esteves foi enfática.

“Olha, eu sinceramente não consigo te responder isso como eu gostaria. Nós já temos estabelecidas na cidade os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), onde todas as pessoas em situação de adoecimento mental, psíquico ou como vocês melhor definem o termo podem recorrer. Mas a verdade é que isso deveria ser tratado nas Clínicas da Família. O prefeito prometeu, mas estamos no meio da pandemia. A verdade é que deveríamos voltar ao conceito e momento em que a Solidariedade fazia a diferença – como foi na AIDS”, respondeu. 

Juan Carlos Raxach, assessor de projetos, também quis deixar sua opinião registrada. Para ele “estamos num sofrimento psíquico que precisa de sofrimento e acolhimento. A empatia e a solidariedade devem ser mais importantes que a questão patologizante.  Realmente não dá pra saber como seria ou será esse atendimento. Mas ele deveria ser o mais humano possível”.  

“Eu aprendo muito com o sofrimento das pessoas”, completou Almeida.

 

CAPS e Atendimento

 

Outro ponto de vista interessantemente compartilhado foi o da jovem e Assistente de Projetos Jéssica Marinho, do Projeto Diversidade Sexual da ABIA. Em home office há mais de um ano, ela revelou que “ouvindo a Carla falando sobre definhar eu mesmo me vi nessa situação. A instituição permite a gente trabalhar de casa e isso é ótimo nesse momento, mas eu não aguento mais. Então quando me avisaram que eu precisaria ir uma vez na semana na sede eu adorei porque tem dias que me sinto como definhando em casa”. E completou: “e sobre ouvir nossos amigos, como foi falado aqui também, tem dias que nem eu estou nem para ouvir aquele meu amigo. Porque eu mesmo já estou com minha cabeça esgotada, então é difícil”. A jornalista ainda ressaltou a importância dos CAPS serem direcionados e trabalhados com populações de áreas que fujam dos bairros nobres da zona norte (como Tijuca e Méier, por exemplo) e seja ampliado na Baixada Fluminense.

Penélope Esteves disse que “é preciso ampliar essas informações de onde estão os CAPS, para democratizar o acesso. E é preciso entendermos que chorar é normal, não se sentir bem é normal. Não existe alguém 100% otimista. Estamos passando hoje enquanto sociedade o que as pessoas com depressão já passam há muito tempo: a falta de perspectiva”, explicou. 

Médico, Raxach ainda chamou atenção para outro contexto: quem acolhe quem tá acolhendo? “É preciso cuidar de quem cuida. Porque senão ficamos no lugar de super heróis, porque estamos numa posição de que temos que aguentar. Mas nessa dinâmica também entra a questão do isolamento. E não sabemos também como será o futuro para sobreviver de forma saudável”, pontuou. O momento traz paralelos com a primeira grande epidemia de AIDS no mundo. “Em São Francisco, nos EUA, os médicos deixavam de cuidar e eram cuidados. Eles tinham sessões de apoio psicológico porque essas pessoas precisavam de ajuda também. Não há uma receita mágica. Você tem que se reinventar para não sumir. Estamos falando de depressão e, às vezes, nos sentimos isolados com 10 pessoas em casa e em outras muito bem numa casa grande e sozinha. Há uma etnografia entre pessoas e cuidadores e cuidados”, atestou Almeida.

 

Vulnerabilidades Sociais

 

Não é só o coronavírus que adoece. Fome, desemprego, pobreza e outros conceitos de desigualdade social também derrubam a saúde mental. Essa noção foi tratada como central pelos participantes da Roda de conversa. “Eu falo e trato muito isso nos meus trabalhos. Muita gente não está triste e em estado de depressão pela pandemia em si, muitas vezes é pela fome. É pelo desemprego. É por alguma violência estrutural. A pessoa pode morar de frente para a praia na zona sul e não conseguir caminhar de bicicleta com aquela vista, porque ela não está bem. Ou seja, morar num bairro nobre não significa que você não sofre. Somos únicos, cada um tem o seu contexto e precisamos nos ouvir mais. Não dá para menosprezar o sofrimento do outro”.

“Falando nisso, a pandemia só jogou na cara de muitas pessoas o que elas não queriam ver: as disparidades sociais. Se eu tiver entediado no meu fim de semana eu tenho os canais da NET, GloboPlay e Netflix. E quem não tem? Só assiste TV aberta? Ou não tem dados de internet no celular, se distrai como? Faz isolamento como?”, indagou Jean Pierry. Claudio Mellus apontou que “a falta de acolhimento e aproximação das pessoas gerou muito medo, por conta do isolamento social. Mas tenho observado também que muitas pessoas não querem ouvir mesmo o que você tem para falar. Se a gente fala demais é ruim, se não fala também é. Por isso falar aqui é bom”.

“Nessa questão de acolhimento o meu escape foi a comida. De verdade. Principalmente o doce. Eu já estou quase diabética”, revelou Carla Pereira. E acrescentou: “eu me proibi de ficar triste, de sofrer. Porque eu olho para a minha condição de mulher branca e privilegiada e me comparo com o outro e penso que não deveria reclamar de nada”. “Mas a gente não pode se comparar porque tem histórias de vida que nos levaram àquela situação. Não precisa se machucar porque você sofre, porque acha que está errada. É difícil viver. Todo mundo que está aqui é guerreiro demais”. 

A agente de prevenção de Santos (SP) Monike também disse que não se permite sofrer nesse momento, mas vem ressignificando momentos de sua vida a partir da pandemia. “Eu pago meu aluguel, não passo necessidade – graças a Deus -, não tenho tanto acesso a internet, mas já passei por muitos momentos de depressão na minha vida. E hoje venho buscando ouvir e ajudar outras pessoas com suas histórias de vida para que não sofram tanto. Assim como venho buscando aprender coisas com minha neta”, afirmou.

No último momento do encontro Vagner de Almeida buscou deixar uma mensagem para os presentes: dêem ouvidos a si e aos outros.“Nem tudo que chega aos nossos ouvidos é algo ruim. A filosofia da vida é essa. Temos que voltar a falar, ouvir e ser ouvidos.Isso é uma prática social. Agradecer por quem somos, onde estamos. É um pedestal onde temos que nos fortalecer para colaborar com o outro e o sistema. Porque o planeta está precisando que lutemos para resgatá-lo”.

 

Quer assistir a nossa roda de conversa completa? Clique aqui

 

Texto: Jean Pierry Oliveira 

Imagem: Jéssica Marinho

 

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