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Projeto Diversidade Sexual debate a luta pela vida e pandemia na Roda de Conversa sobre “Vencendo a COVID-19: Histórias de Vida”


Jovens, adultos e idosos. Com tamanho contágio a pandemia no Brasil tornou-se “democrática” e vem matando diversas populações, o que assusta e debilita ainda mais nosso cotidiano e aumenta nossa vigilância pela prevenção.

Aliado a esse cenário, assistimos uma escassez de vacinas e pífia administração de doses dos imunizantes já existentes por aqui que mal permitem estarmos numa situação mais confortável quanto à vacinação da população. Quem não teve o coronavírus, certamente conhece alguém – amigo, pai, mãe, irmão, vizinho, ídolo etc – que já contraiu o vírus: uns com mais sorte do que outros.

Com mais de 15 milhões de infectados e 422 mil mortes registradas (até o fechamento desta matéria), o Brasil é um dos principais cemitérios dessa tragédia – atualmente só superado pela Índia – no que diz respeito à pandemia de COVID-19. Apesar de ter um dos maiores sistemas públicos de saúde no mundo, o SUS, a má organização aliada à politicagem tornou sem precedentes os números de vítimas fatais.

Mas ao lado de tanta morte, há também vida. Histórias de vida e superação de quem ganhou uma segunda chance de continuar escrevendo sua trajetória. No Brasil, até o fechamento deste texto, somam 13,5 milhões de pessoas. Em busca da narrativa desses vencedores o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) realizou a roda de conversa “Vencendo a COVID-19: Histórias de Vida” na última quarta-feira, 26/05, das 17h00 às 18h00 (horário de Brasília), via Zoom.

Debate

Passar por uma fase epidemiológica difícil, aliada à um cenário politicamente, socialmente e economicamente catastrófico é a “tempestade perfeita” no Brasil. Ciente dessa difícil realidade, Vagner de Almeida – coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens – agradeceu a presença de todos e sem mais delongas quis saber: como vocês estão enfrentando e como superaram a COVID-19?

Hélder Rio, professor e guia de turismo, é casado com um médico e sentiu na pele a rotina de viver com quem está na linha de frente, combatendo e se infectando, pelo coronavírus. “Meu companheiro toda vez que ia e voltava do trabalho era aquela preocupação com a saúde. Porque não sabemos o que pode acontecer. Até que ele se infectou e eu também. Fizemos isolamento em casa, fizemos os exames, e durante 12 dias foi essa angústia”, afirmou ele. Apesar de terem passado de forma menos traumática pelo drama, o mesmo não se pode dizer de sua mãe.

“Minha mãe também pegou, precisou ser levada ao hospital e foi colocada no oxigênio com um nível altíssimo, pois sua saturação estava baixa. E o médico foi claro: ela precisava melhorar porque não tinha vaga na unidade. Meu esposo teve um dia que sair do plantão e ir correndo olhar ela. Também teve momentos em que a pressão arterial chegou a 7×5 e foi preciso muita hidratação e alimentação, para ela melhorar, porque quando não deu mais chamamos um enfermeiro para ficar em isolamento com ela em casa. No final deu tudo certo, mesmo com meu companheiro pegando COVID pela segunda vez mesmo vacinado, mas foi assustador”, compartilhou aliviado.

Almeida ressaltou ainda que, “vocês tiveram sorte de ter um médico como marido e genro dentro de casa, mas e a sociedade no geral que não tem e precisa enfrentar esse colapso social na saúde?”, questionou. Assistente de projetos, Jéssica Marinho – moradora da zona norte do Rio – contou que não somente ela, mas toda a sua família (principalmente suas cinco tias), tiveram contato e precisaram se isolar para não infectar outros membros. “Eu virei a enfermeira da família. Fui a que estava menos pior, porque eu apenas não sentia cheiro e gosto, fui assintomática, então tive que cuidar delas e da minha mãe que precisou ficar isolada de todas – porque era a única não infectada. Além disso, tivemos que fazer com que todas as minhas tias utilizassem um único atestado para acessar os medicamentos indicados – o famoso Kit-covid com ivermectina, vitamina C etc. porque nenhuma delas acessa plano de saúde”, afirmou. E completou: “porque a gente também pensa aquilo: vou procurar um médico, aí lá tem mais aglomeração, não me atendem direito, então é complicado”.

Médico clínico e assessor de projetos da ABIA Juan Carlos Raxach observou que “nem a ivermectina, nem a cloroquina e nem a azitromicina que são colocados como cura para o COVID tem efeito comprovado para a doença. Pelo contrário: eles podem causar mortes por complicações cardíacas. A ABIA é veementemente contra a adoção dos medicamentos. O que devemos saber é o seguinte: qualquer agravamento do sintoma respiratório deve-se procurar imediatamente uma ajuda hospitalar. Porque, realmente, muitos como a Jéssica não vão apresentar quase nada, mas outros vão piorar”. O profissional ressaltou ainda que o acesso à saúde, à prevenção e à testagem é um direito de todos e todas.

Claudia Santamarina, membro da Rede Feminista de Saúde, trouxe a perspectiva de sua experiência no SUS para a roda. “No sexto dia dos sintomas com a COVID eu comecei a piorar muito, minha oxigenação ficou muito baixa e eu tenho doença coronariana grave. Meu amigo me orientou a ir na consulta, já marcada, no instituto de cardiologia porque assim eu poderia ser auxiliada. Até porque eu não queria ir parar na UPA, por más experiências”. 

“Quando cheguei no instituto e decidiram me internar, quando viram que era coronavírus, eu parecia um objeto. Fiquei oito horas no covidário esperando para fazer tomografia e foi um tormento. Todos os profissionais de saúde estavam apavorados e não queriam chegar perto de você de jeito nenhum. Eu virei uma pessoa sem contato com meu marido e ninguém e o nível de estigma é absurdo!”, exasperou a também doutora em Psicossociologia pelo IFF/Fiocruz e consultora em Prevenção Combinada. 

E finalizou: “e quando eu estava ‘limpa’ o risco era eu ficar ali dentro e aí queriam me despachar o mais rápido possível, porque estava tomando lugar de outra pessoa. Não se fala do estigma, mas isso é uma barra pesada”.

Vagner de Almeida relembrou que nada mudou. Segundo ele, esse mesmo comportamento foi reproduzido lá nos anos 80, com o auge da epidemia de AIDS no Brasil, onde estigma e discriminação eram vias de regras para tratar – ou se afastar – de pessoas com HIV/AIDS. “O que a Jéssica falou é verdade; muita gente não vai ao hospital porque não consegue ser atendido ou porque não tem boas experiências frente ao estigma e a discriminação, principalmente das epidemias, tuberculose, hanseníase, e aí sequer são monitoradas e catalogadas”, criticou.

Para a professora aposentada Sandra Britto, que perdeu cinco vizinhos para o coronavírus, seu maior medo era a saúde da mãe de 83 anos. “Mas eu a monitorava e ela se cuidava e se cuida bem”. Apesar dos pesares vividos, para ela, “o momento me permitiu botar minhas leituras em casa, ficar mais com meu neto, cuidar dos cachorros. Não estou tendo dificuldade nenhuma. Mas toda vez que vou lavar minha porta os vizinhos me olham estranho porque faço isso de máscara. Meu neto entrou na minha também: joga bola e faz tudo com máscara e ainda diz ‘uso máscara e camisinha’ “, sintetiza ela que revela ter se vacinado com a Oxford/AstraZeneca.

Outro efeito catalisador da pandemia é a desigualdade. No Brasil, a população mais pobre e com menos acesso aos recursos e serviços básicos são os mais afetados. E nem todos têm escolha. “Quem é que pode fazer isolamento dentro de casa, estudando e trabalhando normalmente? Temos que pensar nesse contexto social e econômico, porque isso também faz muita diferença no país”, atestou Almeida. O médico aposentado André Feijó lamentou que estejamos enfrentando esse momento dentro de uma perspectiva, política sobretudo, de difícil resolução. “Independente de qualquer coisa ainda, acredito que devemos usar máscaras para sempre, por questões respiratórias. Eu sei que é difícil, mas é isso. Já tomei as duas doses (da vacina), até por ser médico acima dos 60 anos, mas ainda assim venho usando duas máscaras toda vez que preciso ir na rua”.

“Diante disso, teremos que repensar nosso comportamento também. Se você pegar um ônibus na volta pra casa, hoje, no Rio de Janeiro você verá um número enorme de pessoas sem máscaras no rosto. Além disso, temos o negacionismo de líderes religiosos que afirmam que não se deve tomar vacina. Eu tenho amigos que ainda não quiseram tomar vacina”, criticou. Carla Pereira, pós-doutoranda da Fiocruz, disse que apesar de não ter pego COVID “o medo ronda e é constante, principalmente porque faço terapia em local fechado e meu marido trabalha fora. Mas o que mais me assusta é a automedicação das pessoas. Minha própria terapeuta toma por conta própria, eu contesto ela, mas ela insiste. Ou seja, se uma profissional de saúde toma ivermectina, imagina quem não é?”, pergunta.

Outro ponto levantado em sua fala foi o impedimento do ritual da despedida. “Vejo muitas pessoas, e tenho conhecidos, que perderam parentes e sequer puderam chegar perto do caixão, fazer esse enterro como uma homenagem para essa pessoa”. “A solidariedade está escassa, rara e vai piorar. Eu moro num bairro litorâneo no Rio de Janeiro e percebo quanto amigos próximos a mim estão em festas, churrascos e bares sem máscara. Mas como vou chegar e falar algo para essas pessoas viram pra mim e falam ‘ah eu preciso viver’. Então o brasileiro não é tão solidário assim: muitos são egoístas e só pensam no seu querer. Precisamos repensar isso como sociedade. Hoje não temos tantos óbitos, mas temos muitas infecções, como disse o André”. 

Jéssica Marinho aproveitou o momento para expor os materiais do Kit prevenção da ABIA (bolsinha, álcool em gel e máscara personalizada), materiais (livros e cartilhas) disponíveis para envio gratuito para todo o Brasil e o site da instituição à disposição para consultas e pesquisas. Aproveitando a oportunidade, o assistente de projetos Jean Pierry lembrou a importância de se fazer uso desses tipos de conteúdo para combater o negacionismo. Não peguei COVID-19, mas perdi um avô, duas tias e uma prima foi extubada ontem. Venho de Duque de Caxias e lá é outro mundo: desinformação, falta de organização e prevenção. Não podemos esperar nada de quem foi eleito para nos representar e isso influencia muitos na minha família, onde preciso lembrar que é preciso sair usando máscara e álcool em gel”.

Encerrando a roda de conversa, Vagner de Almeida disse que “teria muitas histórias para contar, compartilhar, muita coisa para falar. Mas eu aprendi muito com tudo que vocês trouxeram: o terror do covidário, a realidade da falta de acesso à saúde de qualidade, o isolamento forçado e não forçado, os profissionais de saúde etc. Para nós que estamos refletindo a pandemia, da mesma forma como a Sandra trouxe a ressignificação como contribuição, é o que devemos fazer. Nós que somos de ONGs e associações estamos fazendo o trabalho que os entes públicos deveriam fazer com o pagamento de nossos impostos. Mas são as mobilizadoras de pares que estão fazendo. Então, vamos ter solidariedade e nos cuidar”.

Quer assistir a roda de conversa na íntegra? Clique aqui.

Texto: Jean Pierry Oliveira

Imagens: Jéssica Marinho

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