Novos tempos, novas possibilidades. Foi com esse pensamento que o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) realizou via Zoom a roda de conversa “Sexo Casual, Prazer e COVID-19”.
Organizada por Vagner de Almeida, Juan Carlos Raxach, Jéssica Marinho e Jean Pierry Oliveira – equipe do Projeto – a ação contou com 25 participantes, com pico de 27 espectadores, que entre 17h00 e 19h00 compartilharam experiências, saberes e opiniões sobre a intimidade e a prevenção na pandemia.
Com a leitura e o entendimento de quatro regras básicas para manter a qualidade do debate online (respeito às falas, tempo limite de 3 minutos para cada participante, proibição de ataques verbais etc.) coube a Vagner de Almeida dar as boas vindas. “Quero agradecer a presença de todos e todas nessa nossa primeira roda de conversa virtual para falarmos de algo tão importante como o sexo e o prazer na pandemia”. Em seguida, Jéssica Marinho explicou que a ideia do evento nasceu “com a adaptação feita pelo Projeto de um documento traduzido da Austrália para o nosso site, onde continha orientações de prevenção para populações específicas sobre como manter a vida sexual ativa e reduzir os danos para contrair o coronavírus. A ideia é debater esses pontos e pedir a colaboração de vocês para trazermos isso para nossa realidade também”, disse.
Debate
Na abertura das explanações o primeiro a pedir a palavra foi o baiano de Salvador Moyses Souza. Segundo ele, “a grande dúvida agora é: o que os (as) solteiros (as) vão fazer para se proteger do COVID? Vão fazer a linha ‘Uma Linda Mulher’ e não beijar? Esse é meu grande interesse aqui com vocês”. Completando a indagação Almeida disse que “uma coisa que tem nos impressionado muito são os relatos dos jovens sobre esse período em que muitos estão mexidos em todos os aspectos da vida”.
Para Augusto Menna, de Curitiba, em sua cidade “um dos jovens que entrevistei para o meu podcast me disse que interrompeu o uso do seu tratamento de PrEP (Profilaxia pré-exposição), além da dificuldade de quem busca fazer PEP (Profilaxia pós-exposição), que não condiz com a vida sexual das pessoas. Ou seja, as pessoas continuam transando e procurando esses serviços, mesmo com menos ou a paralisação das ofertas”, observou.
“Saiu no G1, da Globo, um texto que fala é mais provável a transmissão da COVID-19 pela respiração, pelo ar. Então o perigo maior seria pelo beijo do que por via sexual. Então fiquei pensando nas pessoas transando com máscaras, sei lá, erotizando elas. As pesquisas estão avançando. Agora, na questão das saunas, por exemplo, eu vejo esses lugares se protegendo bem. São abertos e tudo mais. Então acho menos perigoso (se infectar) do que supermercados e bancos”, aponta Veriano Terto Jr, vice-presidente da ABIA. Concordando com a tese, Almeida ainda afirmou que é preciso “desmitificar algumas coisas do sexo nessa pandemia. Porque uma pessoa que vai à sauna e ver todo mundo fodendo, ela obviamente vai fazer isso e beijar também”. O coordenador completou sua fala ao revelar as novas possibilidades que este contexto trás para a sociedade: “Talvez seja o momento de diminuirmos a demonização do sexo. Porque hoje o beijo se torna mais preocupante e “sujo” do que a penetração em si.”
E foi movido pelo desejo que o jovem Pedro Paulo revelou ter furado a quarentena. “Transei com outra pessoa e tem muitas que estão fazendo isso e mantendo sua vida sexual. Elas não vão parar por conta do COVID. Então é muito difícil essa relação nesse momento e muita gente vai furar para transar e fazer outras coisas”, acredita. Para o jovem “ a questão do desejo sexual perpassa classes e saberes. Hoje pessoas intelectualizadas estão furando a quarentena para transar, mas nas redes sociais falam o contrário.” O dilema entre medo, culpa e prevenção foi atestado nas pesquisas da doutoranda Carla Pereira, que também participou da roda de conversa. “Eu estou fazendo entrevistas para minha pesquisa com homens gays, travestis, profissionais do sexo e outros. E no início (da pandemia) essas pessoas relataram para mim que realmente ficaram sem transar, mas depois de certo tempo passaram a receber e fazer sexo oral, quebravam a quarentena e escolhiam como prevenção transar com contatos antigos, como forma de minimizar os riscos”.
Risco que foi avaliado por André Brandão, de São Paulo, quando chegou no ápice do “celibato forçado”. “Moro com duas pessoas idosas. Então fiquei em casa durante três meses. E após esse período eu quebrei a quarentena, conheci uma pessoa, transamos e hoje estamos namorando e tomando cuidado em nossas relações (sexuais). Nesse meio tempo fiquei isolado sete dias da minha família, no meu quarto. Falei pra minha tia que tinha feito sexo e não sabia se poderia ter pego ou não o vírus”, contou. E completou: ”E acho que esse período também deve servir para cada um repensar a forma como está se cuidando”.
“Algumas coisas me incomodam e são coisas que lutamos muito na história: a questão dos ‘contaminados’ e não ‘infectados’ e a ideia de grupo de risco”, criticou Juan Carlos Raxach, da ABIA. Para ele, que também é médico, a questão deveria ser: como conseguir transar sem se expor para a COVID-19? “E não proibir”, pontua. Outro ponto importante de sua fala foi no que diz respeito à confiança. Isto é, ao conceito como “um mecanismo para desconstruir. Temos que ser corajosos e passar as informações certas. Não fazer o que o governo faz de forma desastrosa. Então essa é a questão: sexo é bom e se você tem o desejo de fazer sexo, se informe da forma como você quer fazer. Sabendo qual sua vulnerabilidade. Porque não é só o coronavírus que está matando as pessoas. As outras patologias estão sendo abandonadas”, chamou atenção.
Endossando o alerta Almeida ainda falou que “temos um governo que olha o vírus como só uma gripezinha; então quando se olha para as fotografias na TV como bares, saunas, praias, ônibus e metrô se pensa: como informar isso? Não se vê isso (as informações) como se via na época do auge do HIV”. Porém, o que chama mais a atenção da jornalista Angélica Basthi, da ABIA, em tudo isso não é necessariamente o sexo, mas sim a saúde mental. “Onde a gente guarda a nossa saúde mental? Porque estamos falando de sexo na pandemia e mesmo aqueles que assumem esse risco acabam se culpabilizando depois que praticam”, alertou a jornalista que concluiu sua fala ao indagar que “muitos jovens saem de casa para fazer o sexo casual e voltam com o sentimento de temor, que é contraditório ao que realmente o sexo tende a agregar como o prazer e satisfação.”
“Minha questão com relação a isso é sobre o cuidado que se deve ter com esse lado sem se colocar em culpa e em risco de adoecer por COVID-19. Então a gente sai, faz o sexo casual, volta com culpa e toma um banho de álcool em gel? É isso que quero trazer como reflexão”, sintetiza. Regina Bueno, advogada e ativista da Rede de Jovens Rio+ concorda com a importância de olhar com carinho para a saúde mental. Mas também quis deixar claro que “o sexo em si não é só penetração. Ele é tudo aquilo que o outro te estimular e permitir. Você não precisa gozar só se for penetrado. Temos que aprender a lidar com nosso corpo”.
A roda de conversa “Sexo Casual, Prazer e COVID-19” foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens em 2020.
Texto: Jean Pierry e Jéssica Marinho