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Por que a aids predomina entre jovens gays negros e pardos?


Para combatermos a epidemia de HIV, o debate moralista que julga hábitos sexuais, escolhas e existências precisa ser ultrapassado

FOTO: MINISTÉRIO DA SAÚDE DO PERU

Dia 1º de dezembro celebramos o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Desde 1988, esse dia é marcado por ações voltadas à visibilidade das pessoas vivendo com HIV/aids, bem como frentes ativistas e movimentos sociais em busca de melhores condições e mais ações para o combate da epidemia. É próximo dessa data também que dados referentes à epidemia são reportados.

Mundialmente, de acordo com números divulgados pela Unaids, 37,9 milhões de pessoas vivem com HIV. Apenas em 2018, 1,7 milhão de pessoas contraíram o vírus. Desde o início da epidemia, já contabilizamos ao redor do globo aproximadamente 770 mil mortes por aids.

No Brasil, desde o início da epidemia, em 1980, já foram diagnosticados 966.058 casos de aids de acordo com o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde na última sexta feira, 29 de novembro. Embora o número seja muito expressivo, nota-se, desde a introdução do tratamento para todos em 2013, uma tendência de redução de casos de aids. Ainda assim, em 2018 foram 37.161 notificações de aids e 43.941 casos de infecção pelo HIV.

Analisando os dados do Ministério da Saúde, percebemos algumas características marcantes. Ao avaliar a proporção de aids entre homens e mulheres, notamos um aumento expressivo na população do sexo masculino (2,3 homens com aids para cada mulher). Esses homens, em sua maioria, se declaram gays ou homens que fazem sexo com homens (HSH). Além disso, numa análise de cor, aproximadamente 60% é pardo ou negro. Esses dados nos mostram muita coisa: temos sim uma epidemia, mas ela está concentrada. Trata-se de uma população bastante específica, que desde o início do HIV/aids é bastante vulnerável: gays e HSH jovens, negros e pardos.

A população LGBT – especialmente gays, trans e travestis – foi e é afetada desde o início da epidemia. Inicialmente, a aids foi chamada de “peste gay” por muitos ou “doença dos 5H”: homossexuais, hemofílicos, hookers (prostitutas), haitianos e usuários de heroína. É nítida a segregação a que esses grupos foram submetidos, apenas lendo essas definições tortas da doença. Desde então, todo esse segmento populacional ficou estigmatizado.

A doença, no imaginário de grande parte da população, era a doença do outro. A doença do desvio de comportamento e das práticas nefastas para se conseguir dinheiro. Ou ainda daqueles que se drogavam de maneira irresponsável.

O moralismo instituído contra esses grupos os deixou e até hoje os deixa num grau extremo de vulnerabilidade. E é por isso que ainda são, em grande parte, os maiores atingidos da epidemia.

Nesse sentido, é importante lembrar também que até hoje não temos dados fidedignos do número pessoas trans vivendo com HIV/aids no Brasil, pois o questionamento de gênero inexiste nas fichas de notificação compulsória. Trata-se da classificação binária entrem homens e mulheres.

Além disso, lembrando ainda da definição da aids como “doença dos 5h”, temos o haitiano. Ou seja, demonstra que a epidemia tinha, no imaginário das pessoas, cor. Desde então, negros já discriminados por racismo tiveram esse peso de carregadores da aids por muito tempo.

No Brasil, temos esse recorte de cor muito marcante, porém facilmente decifrável: a epidemia, atualmente, também está associada à desigualdade social. Sabemos que, historicamente, a população negra e parda é discriminada, vítima da escravidão num primeiro momento e, num segundo momento, que perdura até hoje, racismo e exclusão de direitos universais no nosso País.

No Brasil, é gritante também o recorte de faixa etária. De acordo com o boletim epidemiológico, homens com idade entre 25 e 29 anos são os mais afetados pela epidemia. É importante notar que, entre 2008 e 2018 houve um aumento de 17,4% de casos entre homens com 20 a 24 anos e um aumento de 2,3% na população entre 15 e 19 anos. A faixa dos idosos com mais de 60 anos também teve aumento de casos.

A epidemia do HIV está concentrada em jovens gays e HSH negros e pardos. E como acessar essa população?

O maior desafio na luta contra o HIV/aids é atingir as populações vulneráveis, que aqui estão representadas pelos gays negros e pardos, além da população trans, invisível aos olhos do Ministério da Saúde. Algumas estatísticas de estudos apontam para a prevalência da infecção pelo HIV em 33% nessa população. Muitas dessas pessoas têm apenas o sexo como fonte de renda, além da já terem sofrido transfobia.

Mecanismos de inclusão para pessoas trans, tais como centros de acolhimento, representam locais de segurança para poder existir e a possibilidade de estudar, aprender ofícios e para ter outras chances para além do trabalho com sexo. Além disso, locais onde podem obter informações sobre saúde e prevenção de doenças como a infecção pelo HIV.

Exemplos de modelos muito bem sucedidos em São Paulo são a Casa 1 e Casa Florescer. A manutenção desses espaços é vital, num contexto em que pessoas trans não têm alternativas sólidas de inclusão social e garantia de direitos básicos.

Estudos inclusive estimam que as pessoas trans vivem em média 35 anos, enquanto a expectativa de vida dos brasileiros e brasileiras gira em torno de 76 anos. Nesse sentido, é preocupante quando vemos algum centro ser fechado, como a ameaça de fechamento do CRD – Centro de Referência da Diversidade – durante o ano de 2019, ou com o fechamento de fato do Centro de Cidadania em setembro desse ano pelo prefeito Bruno Covas.

Falar que o HIV é uma epidemia concentrada em gays e HSH já não é mais suficiente. Pelo contrário, é incompleto. A epidemia de HIV/aids infelizmente cada vez mais assume a cor negra. A exclusão social historicamente sofrida pelos negros e pardos no Brasil é agora escancarada pela epidemia de HIV. Demonstra que, nesse grupo, assim como a população trans, os direitos básicos muitas vezes não chegam e a informação sobre educação em saúde também não.

Para combatermos a epidemia de HIV, o debate moralista que julga hábitos sexuais, escolhas e existências precisa ser ultrapassado. É necessário, para além do entendimento do acolhimento e não estigmatização, entender a epidemia como um problema associado à desigualdade social e que depende da diminuição dessas diferenças para terminar.

É necessária a manutenção do SUS, local onde as políticas de HIV/aids se consolidaram e são exemplo mundial. Lutar pelo não sucateamento dos Serviços de Atendimento Especializado e Centros de Referência.

As políticas públicas e campanhas de prevenção devem romper com o moralismo que o momento atual representa. A campanha do Ministério da Saúde lançada no dia 29 de novembro mostra essa face conservadora que insiste na camisinha como único método preventivo, retrocedendo sob a óptica da prevenção combinada, que tanto sucesso tem feito em prevenir novos casos.

Aliás, pela primeira vez em 10 anos temos uma diminuição do número dos casos de infecção pelo HIV, o que coincide com o início da PrEP como política pública. Falar sobre o HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis deve ser papel da escola, cada vez mais cedo, bem como educação sexual, diferentemente do que o governo federal acredita, sempre tentando tirar tais debates do ambiente escolar.

O silêncio em torno do HIV e da aids perpetua a epidemia. A autonomia sobre o corpo, aliada a informações técnicas corretas e sem julgamento moral, é o que pode freá-la. O HIV é condição de todos, e não do outro.

Fonte: Carta Capital

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