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Performance gay que inspirou Madonna ganha expressão nas novas gerações


Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

O resgate da cultura dos anos 1980 acabou trazendo na garupa um dos movimentos mais autênticos da cultura americana criada por  negros e latinos gays, mais especificamente em Nova York.

​Só que com uma diferença. Aqueles que hoje praticam o voguing, uma expressão artística corporal, e participam dos balls, festas com performances glamourosas, não deixam mais muito espaço para a ostentação dos velhos tempos. E, pode apostar, existe um monte de homem hétero que já não tem vergonha de emoldurar o rosto com as mãos, fazendo aquele porta-retrato na pista de dança.

Quem diz isso é um célebre artista nova-iorquino, Jose Xtravaganza, que esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro dando aulas de voguing e ball.

Está enganado quem acha que o voguing foi introduzido na cultura americana pelo belo clipe “Vogue”, de Madonna. Na verdade, a cantora pop mais cultuada do mundo tomou a expressão física, espécie de paródia das poses que modelos faziam na revista de moda de mesmo nome, de um cenário em que homossexuais e trans eram perseguidos pela polícia, sofriam violência nas ruas e morriam aos montes com a epidemia da Aids.

O Village e o Harlem eram pontos de encontro. Nos clubes noturnos ou mesmo nas ruas, os homossexuais começaram a criar espaços de resiliência, festejando uma nova cultura, que era divertidíssima mas sobretudo política.

Muitos haviam sido expulsos de casa pelos próprios pais, conta Xtravagaza. E os poucos que já haviam conquistado estabilidade financeira apadrinhavam os recém-chegados, dando a eles às vezes um quarto em casa, às vezes amor, conselhos e um drinque no bar. Surgiam assim comunidades, as “houses”, em que as chamadas “mães” e os chamados “pais” exerciam o papel de autoridade.

Xtravaganza vem dessa cultura, e em sua história fez uma ponte  para o mainstream. Bailarino clássico de formação, filho de dominicanos —o pai queria que ele fosse jogador de beisebol, mas a mãe, mulher libertária, mandava na família—, foi ele quem coreografou o clipe de Madonna lançado em 1990.

Uma cabeleireira já tinha falado dele para a diva, segundo contou a este repórter. Eles se conheceram no Sound Factory, balada nova-iorqui na já extinta. E então ela fez o convite. “Eu tinha 18 anos. Foi muito gentil da parte dela”, diz ele.

Na aula que Xtravaganza deu no Istituto Europeo di Design, em Higienópolis, havia negros e brancos jovens e muito estilosos. Dudu Bertholini, coordenador criativo do lugar, que estava na sala enquanto meninos e meninas dançavam como deuses do Olimpo, aponta a diferença desta geração para a do cenário original: “A cena de hoje não quer mais reproduzir o universo de brancos milionários”. Esse era um preceito dos antigos desfiles que tomavam as pistas nos anos 1980.

“Pose”, série da FX sobre gays, travestis e transexuais que se libertavam das estruturas heteronormativas nesse ambiente de vanguarda, tem em seu primeiro episódio uma cena emblemática. Nela, um grupo de negros se esconde em um museu com roupas da velha nobreza europeia, incluindo joias e coroas. Quando o museu fecha, eles deixam os esconderijos, roubam as roupas e as joias, quebram uma janela de vidro e vão se exibir com elas em um baile.
“Eles não diziam algo como ‘eu gosto de riqueza’. Eles diziam ‘eu gosto dos bilionários, de reis e rainhas”, resume Bertholini. “Hoje, esses jovens, e foram eles que resgataram a cultura do voguing, não ligam para isso. Eles pintam o corpo de azul, se envolvem em plásticos, se vestem de ETs. Querem criar uma cultura que legitime o que já é deles.”

Xtravaganza aponta outra diferença. Ele diz que, com mudanças nas leis e com a conquista de direitos, as plataformas para o voguing e os balls também se abriram. Ele vem dando aulas nos Estados Unidos, na Espanha, na Rússia e no Japão. Diz que ambas as expressões artísticas “ganharam terreno e hoje estão nas escolas de dança e na TV”.

“Não frequento mais o underground. Agora existe uma nova geração, é um novo tempo”, diz. “Este ano eu performei no Met Gala e vi Naomi Campbell fazendo voguing”, conta, sobre a modelo e um dos eventos anuais mais importantes do mundo fashion nos Estados Unidos, frequentado por celebridades.

“É uma pena que aquelas pessoas que inventaram o voguing não possam ver como esse universo evoluiu”, lamenta Xtravaganza. “Na época ninguém tinha chance. A Aids era uma sentença de morte. Os médicos não sabiam como, ou não queriam saber como, atender alguém que estava evidentemente doente”, diz.

“Era bastante assustador. Perdi todos os meus amigos. Todos, de verdade. Ninguém entre os que eram parte daquela comunidade de onde vim estão mais aqui para ver no que aquela cultura se transformou”, acrescenta.

No Brasil, travestis, drag queens e DJs praticaram o voguing, em boates como o Massivo, que funcionava nos Jardins, em São Paulo, ou na Mad Queen, em Moema. Os balls não pegaram por aqui.

Hoje, as performances ocupam espaços como o Centro Cultural São Paulo e são recriadas por jovens que ainda vivem opressões parecidas com as que deram origem a essa cultura gay de Nova York.

ENTENDA O VOGUING VENDO FILMES E SÉRIES

‘Paris is Burning’
Com direção de Jennie Livingston, o documentário se tornou um clássico sobre o tema. Mostra a cena gay nova-iorquina dos anos 1980 e exibe entrevistas com ícones do voguing e dos balls, os bailes onde principalmente negros e latinos se montavam para exibir performances glamourosas na pista. No YouTube

‘Kiki’
Lançado em 2016, o filme faz um retrato documental dos kikis, bailes que fazem releituras contemporâneas dos cenários de voguing e ball em bairros da periferia de Nova York. Tem direção de
Sara Jordenö. No Brasil, foi exibido em festivais

‘Pose’
Série ficcional que tem como personagens travestis e transexuais que vivem o cenário de voguing e ball nos anos 1980. No canal FX

Fonte: Folha de São Paulo

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