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Pela 1ª vez, transexuais ajudam MPF-SP a desarticular tráfico internacional de travestis e libertar 70 vítimas


Foto: Celso Tavares/G1

Pela primeira vez, transexuais participaram e colaboraram com operações federais para desarticular quadrilhas que comandavam o tráfico estadual e internacional de travestis a partir de São Paulo.

Ainda marginalizadas pela sociedade, as trans tiveram papel importante para ajudar a Polícia Federal (PF), o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) a libertar mais de 70 travestis vítimas em duas ações (veja vídeo acima).

Para ganhar a confiança das vítimas e conseguir resgatá-las, as trans participavam das operações como interlocutoras das vítimas. Elas conversavam com as travestis em pajubá, dialeto usado por LGBTs.

As vítimas eram exploradas sexualmente e escravizadas, sendo obrigadas a se prostituir para pagar dívidas contraídas com cafetões e cafetinas. Se não pagassem, eram agredidas.

Essa é uma das reportagens que o G1 publica nesta semana em razão da 23ª Parada do Orgulho LGBT, que ocorre no próximo domingo (23) na capital paulista. Veja também o relato da travesti Luísa Marilac sobre o período em que foi vítima de exploração sexual na Europa

Trans agredidas

De acordo com as autoridades, as vítimas eram mantidas em cativeiros em Franca e em Ribeirão Preto e só podiam deixar os locais se pagassem os débitos financeiros adquiridos com os aliciadores. Elas contraíram as dívidas com a aplicação de silicone industrial no corpo e com a compra de roupas, calçados e perucas, além de alimentação e moradia. Tudo era pago por cafetões e cafetinas.

Segundo as investigações, as travestis que não quitassem as dívidas eram agredidas com pedaços de paus com pregos, tinham os cabelos raspados e eram largadas nuas nas estradas.

Acompanhadas por agentes e procuradores da Justiça, transexuais do Instituto Nice, ONG que acolhe e dá suporte a trans, usaram o pajubá, dialeto comum para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, para se comunicar com travestis resgatadas de cativeiros no interior de São Paulo.

A travesti Valéria Rodrigues, de 39 anos, e a transexual Larissa Raniel, de 39, ambas coordenadoras do Nice, participaram das operações Fada Madrinha, realizada em Franca no dia 19 de agosto de 2018, e Cinderela, que ocorreu em 9 de março em Ribeirão Preto.

“Foi um anjo que entrou na hora, que foi a Valéria Rodrigues, coordenadora do instituto Nice. Ela também é transexual, mas na hora que entrou a gente não percebeu que era trans porque chegou tão calada, mas já soltou o pajubá das trans, né? E falou: ‘e aí tudo bem?!’ Eu falei: é transexual”, lembra recentemente, entre sorrisos, Anghel Lima, de 22 anos, uma das resgatadas na Operação Fada Madrinha.

O que é o pajubá

Pajubá é um dialeto com raízes africanas usado por LGBTs para se comunicar.

“Precisei usar o dialeto o pajubá até para elas poderem se identificar, porque algumas delas achavam que eu também era uma mulher cis [que se identifica com o sexo biológico], e não uma travesti, uma transexual como elas. Isso ajudou a acalmá-las”, conta Valéria, que é coordenadora e fundadora do Nice, com sede em Francisco Morato, na Grande São Paulo.

“Quando elas me viram, elas disseram ‘mais uma mapoa [mulher], não acredito, para que esse tanto de mapoa, esse tanto de ocó [homem]?’ Eu falei: Ei, bonitas [garotas], fria [calem-se], que eu não sou mapoa, sou trava [travesti]”, lembra Valéria, citando os termos que usou do pajubá para falar com as outras travestis.

“Eu participei da última operação de Ribeirão. Ali a gente se deparou com pessoas vulneráveis, com pessoas que precisavam de ajuda”, conta Larissa.

“Sempre falavam que essa cafetina mesmo já bateu, já raspou cabeça, já mandou embora, levou para a pista e jogou”, lembra Anghel sobre o período que ficou reclusa em Franca.

Parceria com trans

A procuradora do MPF Sabrina Menegário destaca a importância dessa parceria com as trans: “Daí a importância da participação de uma pessoa transexual no momento em que se realiza o resgate das vítimas no contexto dessas operações policiais”.

“Esse voto de confiança certamente vem com muito mais facilidade quando elas enxergam um elo de identificação entre elas e as pessoas que estão ali para resgatá-las”, diz a procuradora.

As operações Fada Madrinha e Cinderela libertaram 73 vítimas. Sete suspeitos foram presos pelos crimes, mas depois acabaram soltos por decisão da Justiça. O MPF denunciou 15 acusados de participarem do esquema criminoso. Eles respondem ao processo em liberdade.

A Fada Madrinha, por exemplo, também ocorreu em Goiás e em Minas Gerais. Mas somente em São Paulo, numa ação inédita, os órgãos envolvidos convidaram transexuais para ajudar no resgate das travestis.

“E quando nós temos uma pessoa transexual na equipe de resgate esse elo se forma quase que naturalmente, o que leva ao sucesso da libertação dessas vítimas, do empoderamento e da conscientização delas”, afirma Sabrina.

Cirurgias plásticas e sonho europeu

Anghel e as demais travestis foram aliciadas nas redes sociais com promessas de cirurgias no rosto e no corpo e também de viagens a Itália e Espanha para concursos de beleza.

“Eu conheci essa casa por indicação no Facebook. Por outras meninas que já moravam na casa. No começo estava sendo ótimo, estava… nossa, maravilhoso! Mas ao passar do tempo eu fui vendo que não era nada daquilo que me disseram”, recorda Anghel.

A Polícia Federal descobriu ainda que responsáveis pelo esquema aplicavam nas vítimas próteses mamárias reutilizadas, vencidas ou de baixa qualidade e silicone industrial. O uso dessas substâncias nas pessoas é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O silicone industrial colocado pelas cafetinas no bumbum de Anghel escorreu para as pernas. Ela também teve o produto injetado nos lábios e no rosto, contraindo uma dívida por isso.

“Com essa dívida a gente descia na rua e tinha que fazer o dinheiro da dívida e mais o da diária. Que era em torno de R$ 170 todo dia”, conta Anghel, que fazia até cinco programas sexuais por dia para poder pagar os débitos.

Prostituição e novas oportunidades

“O que faz a maioria das meninas caírem na rua e se prostituir é a falta de oportunidade”, afirma a transexual Milena Soares, de 29 anos, secretária do Nice.

No Brasil, a prostituição não é crime. Mas comete crime quem explora a prostituição, como era o caso dos cafetões e cafetinas alvos das duas operações federais.

“O que eu acho errado é os sonhos de mulheres transexuais e meninas serem interpelados por alguém que quer, em cima disso, escravizá-las. Essas meninas perdem a vida, perdem a liberdade e ficam de um estado para o outro, de uma casa para outra, e nunca realizam o sonho”, lamenta Valéria.

Parte das vítimas resgatadas nas duas operações federais que aceitaram seguir para Francisco Morato conheceram o Nice. Anghel foi uma delas.

“Com certeza eu me sinto resgatada, porque essa operação mudou minha vida. No começo eu não tinha consciência de que estava sendo explorada”, diz Anghel, que faz estágio na ONG. “Eu consigo ser enxergada na sociedade agora. Que a gente seja vista na sociedade como pessoas normais, entendeu? Que abram portas de emprego para todas.”

Fonte: G1

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