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Paulistanos abraçam nova orientação após casamentos heterossexuais


(Alexandre Battibugli/Veja SP)

“A lei do desejo é como a lei da gravidade, sempre se impõe”, já declarou o cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Mas o relógio do desejo parece não ter cronômetro. Há inúmeros casos de quem tenha descoberto ou abraçado sua homossexualidade após longos relacionamentos heterossexuais. Daniela Mercury, que deve comparecer à 23ª Parada do Orgulho LGBT, neste domingo (23), já era mãe de dois filhos quando assumiu o enlace com a jornalista Malu Verçosa, em 2013. Causou certa comoção. Houve menos barulho, no ano passado, quando o cantor Lulu Santos revelou que estava namorando um rapaz (ele foi casado por 28 anos com a jornalista Scarlet Moon). A psicóloga Vera Moris recebe em seu consultório na região da Saúde, na Zona Sul, pais que se descobriram gays, entre outros casos.

Desde 2007, já atendeu 200 pacientes em um grupo de apoio batizado de Homopater. Ali são discutidos os dilemas de quem está no processo de assumir sua orientação sexual perante os filhos. “Eles chegam aflitos por não terem aceitado a homossexualidade quando eram mais jovens, por diversas razões”, explica a profissional.

Para o psicoterapeuta Klecius Borges, muitos casos como esses podem ser resultado de sociedades fechadas à homossexualidade. “É possível que as pessoas nesse contexto reprimam a sua sexualidade por culpa ou medo”, diz. Além disso, o prazo para definir a sua orientação é algo muito particular. “Nem todos têm essa clareza desde a adolescência”, afirma. Nas próximas páginas, selecionamos histórias de paulistanos que encontraram a felicidade após a vida adulta, quando passaram a viver relacionamentos com pessoas do mesmo sexo.

À moda antiga

As coisas começaram a mudar há cerca de sete anos, quando um grande amigo de infância me chamou para almoçar e contou que estava namorando um rapaz. Ele, assim como eu, teve um casamento e é pai de dois filhos. Fiquei chocado e, como na música da Maysa, meu mundo caiu. Surpreso com minha reação, ele disse acreditar que eu também fosse gay. Respondi que não. Depois desse encontro, fiquei dias calado, introspectivo, minha cabeça pirou. No fundo eu sempre senti que era gay, mas só descobri mesmo nessa época, aos 44 anos de idade. Tudo aconteceu num momento em que eu já estava em busca de me conhecer melhor. Minha ex- mulher notou meu comportamento estranho e questionou o que estava acontecendo, então decidi contar que sou gay. Ela duvidou, perguntou se eu havia chegado a experimentar. Eu disse que não, mas que tinha certeza sobre esse sentimento. Fomos casados por quase vinte anos e namoramos mais cinco. Nesse período, nunca a traí nem tive relação alguma com homens. Ainda tentamos reatar, ficamos juntos por mais dois anos, fizemos duas sessões de terapia de casal e uma viagem a Londres, mas não deu certo. Éramos uma família de comercial de margarina. Mesmo assim disse a ela que ainda dava tempo de nos reinventarmos nesta vida. Chorei copiosamente todos os dias durante seis meses. Após esse período, contei aos meus filhos e finalmente me senti liberto. Percebi que precisava seguir vivendo. Ao conhecer pessoas novas, eu me surpreendi quando notei que os relacionamentos de hoje não são os mesmos de 25 anos atrás. Mas serei sempre romântico e acredito que o amor deve ser compartilhado”, Marcelo Bacchin, 51 anos, decorador.

Com a bênção de Piaf

Sempre soube que eu era gay, mas achava impossível me apaixonar por alguém do mesmo sexo. Vivi um grande amor com minha ex-mulher e ficamos casados por 24 anos. Tivemos três filhos, viajamos o mundo e demos grandes festas. Mesmo assim, percebi que a família estava cada vez mais infeliz e materialista. E eu ainda vivia a angústia de carregar esse segredo. Por vezes, tinha encontros escondidos com homens. Em 2010, aos 50 anos, fui a Londres ver os frisos retirados do Partenon, na Grécia. As peças estavam em uma sala do Museu Britânico, trancadas, longe da luz do dia. Percebi que não queria ficar assim fechado, sem viver como realmente sou. Nesse dia me assumi para mim. Três meses depois, quando morava em Xangai, disse para a minha esposa que era gay. Fizemos terapia de casal e tentamos não nos divorciar, mas não era possível. Ela ficou do meu lado o tempo todo, foi muito madura. Seis meses depois, escrevi uma carta para os meus filhos em que falava sobre a minha sexualidade. Assim que terminei de ler, me abraçaram e ficamos em silêncio por bastante tempo. Depois comemos pipoca, tomamos refrigerante e vimos TV. Nos meses seguintes, mudei de casa, e um ano depois voltamos para São Paulo. Chegando aqui, fui atrás do Adriano, um homem com quem eu tinha saído há dez anos. Fomos assistir ao espetáculo Bibi Canta Piaf. Aos poucos, ficamos mais juntos e, no ano passado, após cinco anos de namoro, nos casamos em uma cerimônia no Circolo Italiano. Nossa entrada foi ao som de Non, Je Ne Regrette Rien. Dividimos nosso apartamento com o poodle Mike. Hoje em dia me sinto mais bonito, tenho um brilho diferente no olhar e deixei o cavanhaque crescer. Tenho coragem de bancar o verdadeiro Laércio”, Laércio Cardoso, 59 anos, consultor de marketing.

Mãos dadas no voo

Comecei a namorar muito nova, com apenas 13 anos, no Recife, minha cidade natal. Aos 15, iniciei outra relação, que durou toda a adolescência e se tornou um casamento, aos 23. Mas o casamento durou apenas um ano, porque ele vivia muito na farra e não entendia que eu tinha amadurecido com o passar dos anos. Quatro meses após esse término, conheci meu segundo marido, com quem fiquei por dez anos e tive dois filhos. A relação começou a entrar em crise na minha segunda gravidez, quando eu já suspeitava de traições dele. Porém, não poderia me separar naquele momento. Pouco tempo depois, o trabalho em uma multinacional me fez mudar para a cidade de São Paulo com as crianças. O meu marido não quis nos acompanhar, mas nos visitava regularmente. Com a distância e os problemas antigos, a relação acabou de vez. O ano era 2004, eu tinha uma grande amiga, que também morava em Pernambuco e sempre me visitava. Nós costumávamos falar dos nossos casamentos e reclamar dos respectivos maridos. Éramos confidentes e melhores amigas havia anos. Em uma dessas visitas, dormimos no mesmo quarto. Não fizemos nada, mas pintou um clima. Quando ela foi embora, percebi que estava apaixonada e enviei uma carta falando dos meus sentimentos. Decidimos namorar, e ela se separou do marido para ficar comigo. O primeiro beijo ocorreu após um voo de avião. Ficamos o trajeto todo de mãos dadas e percebemos olhares tortos e pessoas incomodadas. Imagine o choque que seria ver duas mulheres juntas há quinze anos? Voltei a morar no Recife e a relação durou treze anos. Quando tudo acabou, fiquei em dúvida se eu era gay (não gosto da palavra lésbica) ou se tinha me apaixonado apenas por ela. Tive certeza da minha sexualidade quando comecei a me interessar por outras mulheres. Não me vejo mais ao lado de homem nenhum. Voltei a morar em São Paulo há seis meses e estou começando um novo namoro aqui. A única situação cansativa é que você está sempre saindo de armários, cada vez que muda de emprego ou conhece alguém. Por eu ter filhos, as pessoas já assumem que sou hétero, sem ao menos perguntar. Por outro lado, sinto que quebrei preconceitos dentro de casa. Com mais de 80 anos, minha avó disse que acharia estranho se eu me relacionasse com uma mulher em outro tempo, mas que hoje em dia achava normal”, Flavia Siqueira, 49 anos, gerente de RH.

Do armário para a militância

“Minha sexualidade não apareceu cedo. Até achava a forma masculina bonita, mas não sentia atração física. Como a sociedade dizia que era errado, enterrei isso em mim, nunca foi algo sofrido. Comecei a namorar e casei com uma mulher que amava, ficamos juntos por quinze anos. Com o fim desse relacionamento, passei seis meses de luto. Superado esse período, comecei a pensar sobre o que queria da vida. Eu tinha 43 anos quando decidi ficar com um homem pela primeira vez. Nessa época não tinha amigos gays, não conhecia baladas LGBTs, então optei por garotos de programa. Meu grande medo era ser exposto, afinal eu ainda não sabia se era isso mesmo que queria seguir, tinha medo de ser chantageado. Demorei meses para me olhar no espelho e dizer ‘você é gay’. Fiquei dois anos e meio no armário, foi horrível, porque sou muito transparente. Inventava histórias, trocava nomes e buscava na Vejinha referências de baladas hétero para dizer que estive lá. Aos 45, fui arrancado do armário por um primo da minha ex, que me filmou beijando o meu namorado da época em uma festa e enviou para o grupo da família no WhatsApp. Um mês e meio depois ela me confrontou. Foi muito difícil. No mesmo dia, contei para meus pais e minha tia. Minha mãe foi a única que não reagiu bem, mas mudou com o tempo. Após esse dia, eu me senti livre. Hoje comando um coletivo para apoiar LGBTs no mercado de trabalho, chama-se Caneca na Mesa. Sempre levo comigo algo que remeta à bandeira gay, adoro chamar amigos para assistir a reality shows de drag queens e me dedico a falar sobre a causa. Se eu voltasse em outra encarnação, queria ser gay novamente, mas descobrindo mais cedo, para aproveitar a juventude”, Marcio Orlandi Jr., 49 anos, diretor de produto.

Roteiro de Almodóvar

“Por ser mórmon, eu me casei muito jovem, aos 21 anos, após namorar apenas onze meses. Com minha esposa tive minha primeira relação sexual e, como tudo funcionou muito bem, decidi que não deveria levantar dúvidas sobre minha sexualidade. Tivemos dois filhos e, após sete anos de relacionamento, eu a traí com um homem. A partir daí, passei a viver um dilema: não sabia se contava tudo ou se seguia levando uma vida dupla. Decidi chamá-la para conversar e disse que tinha quebrado um de nossos combinados e ficado com outra pessoa. Foi muito dolorido, pela primeira vez na vida não queria mais existir, queria sumir. Ela pediu mais detalhes, mas eu optei por apenas me separar. Senti certo alívio, até então era muito difícil falar para ela sobre aquele sentimento que eu não queria ter. Comecei a me descobrir e logo depois contei tudo para minha família e para minha ex. Fui conhecer as baladas gays aos 30 anos. Foi bom, mas também me assustou um pouquinho. Meus primeiros namoros pareciam filmes do diretor Pedro Almodóvar. Saíamos eu, o rapaz, meus filhos e minha ex. Eu e ela continuamos muito amigos e nunca me arrependi de ter casado, ela é uma das melhores pessoas que conheci. Cheguei a ter um relacionamento de cinco anos que quase virou um segundo casamento, mas ele morava em Chicago e, naquela época, ainda não existiam leis que pudessem oficializar nossa união. Em 2004, fui trabalhar em uma consultoria que lida principalmente com a área de diversidade e inclusão, um assunto no qual sempre tive interesse. Hoje tenho 43 anos e comecei um novo namoro em fevereiro. Quero muito que seja duradouro, estamos construindo algo bacana juntos. Mas, se não der certo, tudo bem, não é algo que podemos controlar. E eu ainda tenho os meus filhos para criar”, Alberto Pinto, 43 anos, empresário.

Fonte: Veja São Paulo

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