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“Para algumas (pessoas) pode ser tarde, mas para mim foi no tempo ideal”, assegura jovem trans sobre a descoberta da identidade de gênero aos 29 anos


Entre a lagarta e a borboleta existe todo um processo, chamado metamorfose, onde uma série de acontecimentos acontece até que a mesma esteja devidamente preparada para bater asas e voar, da maneira livre como a conhecemos hoje. Tudo conforme rege a cronologia da natureza. Assim deveria ser entre nós, seres humanos, com muitas questões do nosso dia a dia.

Entretando, muitas vezes, queremos nos apropriar do tempo e fazer dele uma propriedade privada para o alcance de nossos desejos e anseios. Pior do que essa ansiedade particular, é o determinismo sobre o tempo, os desejos, anseios e quereres do outro. Usa-se sua visão de mundo para modelar o do próximo e tirá-lo como verdade absoluta. Mas isso não é (nem deve ser) regra. Ciente desses pormenores Thayla Varggas ouviu apenas a voz da própria consciência e fez daquele considerado o seu melhor momento para viver conforme se identifica.

Aos 29 anos, a carioca do Recreio dos Bandeirantes transicionou do gênero masculino para o feminino e com assertividade afirma que “todo mundo tem que ter o seu tempo. muitas pessoas falam ‘nossa (foi) muito tarde’, mas para mim foi no tempo ideal de eu me reconhecer e falar ‘é isso que eu quero’. Foi por isso inclusive que ela criou um canal no YouTube para falar sobre isso e demais outros pontos que envolvem a transexualidade, gênero, raça e demais subjetividades.

Durante o bate papo para o site do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, realizado em Porto Alegre (RS), durante a realização do Seminário de Capacitação dme HIV Aprimorando III, da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), a carioca falou ainda sobre sua relação com a família após tornar-se mulher, relacionamentos, prevenção, identidade de gênero, sexo, HIV e AIDS entre outros assuntos.

Confira abaixo a entrevista:

 

Recreio do Bandeirantes

“É distante de tudo, mas eu gosto, porque como eu já moro lá desde criança. Hoje, me entendendo como mulher trans e mulher negra, ativista eu me sinto às vezes incomodada por não ver tanta referência de pessoas negras em alguns lugares que eu frequento que é na Barra e no Recreio. Mas antes, um tempo atrás, até meus 27 anos eu não me incomodava com isso. Porque eu nasci pra aquele lado de lá. Então eu já estava acostumada. Todos os meus amigos do colégio eram brancos e eu sempre fui a única pessoa negra.

Agora, depois de uns dois anos pra cá, de militância, eu comecei a me incomodar em alguns lugares. . Nunca tive esse problema de racismo, preconceito ou alguma transfobia (por lá). Pode ter acontecido em algum momento na minha vida, mas eu não reparei”.

Família

“Então, assim, (minha relação com a família) tem uns conflitos – meu pai (adotivo) é militar. E ele tem os pensamentos dele, as ideologias dele como militar, mas ele me respeita, respeita meus amigos. Não tem problema nenhum. Minha mãe também, meus irmão sempre são de boa e na deles. Eu sou a (filha) do meio pelo lado biológico e pelo adotivo eu sou a (filha) mais velha. (Minha mãe) é dona de casa e artesã”.

Identidade de Gênero e Transição “tardia”

“Eu comecei a observar que eu era realmente gay aos meus 16 anos. Eu nunca tive nenhum tipo de problema ou pensamento de ‘eu sou gay ou não sou?’. Aí depois eu comecei a reparar que realmente eu gostava de meninos e vi que eu era gay. Sim, no início eu escondia mais por questão de família, pela posição que meu pai tem de ser militar eu tinha medo. Mas depois que eu fiz 18 anos e saí de casa aí já não foi mais problema porque eu já não morava com meus pais. Tanto que eu evitava muito ir na casa dos meus pais no início.

E quando eu tinha 22, 23 anos que eu tive meu segundo relacionamento foi quando a gente começou a frequentar a casa dos meus pais. Aí meu pai soltou uma palavra “ah vocês são um casal e tal”, aí eu fiquei mais aliviada por ele saber que eu tinha um namorado. Aí foi mais tranquilo. Eu nunca cheguei pra eles e disse ‘eu sou gay’, mas como eles já tinham percebido, foi normal.

Aí foi passando um tempo, esse tempo todo, eu entrei na ONG que eu tô hoje como educadora de prevenção que é no (Grupo) Pela Vidda e demorou não muito tempo. Quatro ou cinco meses depois que eu estava no Pela Vidda, eu terminei de trabalhar, fui pra casa e na segunda eu voltei pra ONG e não era a pessoa de antes. Eu já era a Thaylla. Eu, na verdade, me reconhecia como não-binária, porque ainda não entendia e estava num processo, e logo depois em dezembro eu já comecei a me reconhecer como mulher trans. Eu vi que realmente eu era uma mulher trans. Isso já agora com 29 anos.

Na verdade as pessoas me vêem e acham que meus pais sempre me viram assim. Não. Até porque eu não fico de maquiagem dentro de casa, 24 horas. Uso só de segunda a sexta quando eu vou lá pro Pela Vidda. Quando eu tô em casa eu não uso maquiagem, não é que não use roupa feminina, mas é que eu fico mais á vontade de blusão ou de shorts. Eles (meus pais) não entendem muito ainda, é um processo que eu ainda tô explicando pra eles. Na cabeça deles ainda é aquela cabeça antiga de que existe só travesti, então eles não sabem o que é uma mulher trans, uma pessoa não-binária, um pansexual e outras identidades de gênero. Então eu tô explicando pra eles aos poucos, com o tempo. E eles levaram de boa. Meus pais são muito tranquilos.

Às vezes eu fico com medo de falar alguma coisa e acaba sendo fácil. Eles falam ‘ah é isso? Então você já era mulher trans há muito tempo porque sempre gostou de usar unha e maquiagem, então não vai fazer muita diferença. Só vai fazer diferença se começar a usar salto, porque a gente vai ver que realmente ‘ele’ é uma mulher’. Porque, no caso, meus pais ainda usam o artigo masculino, eles não falam muito no feminino. Porque ainda é um processo. Eu respeito isso porque não é fácil. Desde pequena com um nome e depois que cresce muda. Então não é fácil. É mais fácil as pessoas novas respeitarem isso mais rápido. Às vezes falam no masculino aí meu pai lembra ‘é o outro (nome)”. Então tá sendo tranquilo”.

Desafios da Transição “Tardia”

“Então, graças a Deus, eu tive esse tempo de passar esse processo – como eu falo com amigos e amigas – de ser gay, depois eu ser trans. Lógico, eu acho que já nasci mulher trans, mas eu fui me (re)encontrar agora com 29 anos, entendeu? Então assim, é bacana porque eu tô fazendo terapia hormonal agora com acompanhamento, tudo direitinho. Tô fazendo todos os meus exames e acompanhando no devido tempo.

Eu acho que se, de repente, tivesse conhecido alguma trans ou feito isso há 20 anos atrás, ou quando eu tinha 20 anos na verdade, eu me arrependeria. Talvez eu não seria quem estou me tornando hoje. Então eu acho muito válido você fazer as coisas com o tempo e não com afobação. Você procurar respeitar os limites do seu corpo também pra ir fazendo as coisas”.

Diferença entre Trans x Travesti

“Eu acho que é normal (confundirem os termos). A maioria dos pais que são mais velhos eles tem ainda essa dificuldade de entenderem alguns gêneros, mas eu acho também de extrema inteligência dos filhos e de outras pessoas, um sobrinho, de quem for, explicar pra pessoa. ‘Olha, existe esse gênero, existe esse, uma pessoa é assim, a outra é assado’. Então meus pais eles não estão acostumados. Eles nunca viram uma amiga minha trans. Eles vão ver agora porque eu vou fazer uma festa lá em casa.

Em relação a eu me chamar travesti ou trans, hoje eu estava até conversando com amigos sobre isso. Eu sempre achei que trans era a operada e travesti quem não era. E muitas pessoas ainda acham que é assim. Aí, depois de um tempo, eu comecei a entender – um pouco antes de ir pra ONG – que não era. Era uma opção de gênero de cada um. Eu sempre gostei e me coloco como mulher trans, mas não vejo nenhum problema, eu acho maravilhoso se alguém me chamar de travesti. Porque, na verdade, pra existir a mulher trans tem que ter a travesti. Sem elas não existe ninguém.

Até os próprios gays andarem de mãos dadas e estarem por aí se beijando na luta com todo mundo, as travestis já estavam lá. Então pra qualquer gênero que exista hoje a gente tem que bater palma e respeitar sim as travestis. E não ter vergonha de ser chamada de travesti porque isso é pra ter até um orgulho”.

Referências

“Se for uma pessoa famosa, tenho como referência é a Leah T (modelo transexual e filha do ex-jogador Toninho Cerezo). Eu acho ela uma mega referência. E de pessoas que eu conheço, que eu tenho mais proximidade, é a Cleo (Oliveira), lá da Fiocruz e além de ser minha amiga é uma pessoa maravilhosa, tenho ela como mega referência. Tem a Luiza que trabalha lá também no Pela Vidda, é mulher trans e tá cursando Medicina e Farmácia. Então isso pra mim é uma inspiração.

Tem a Diana também que é uma mulher negra, transexual e tá cursando Direito na UERJ. Então isso é bacana, sabe. Eu tenho elas como referências e tem outras meninas também que não estão na faculdade, mas eu tiro como referência, porque eu não acho que é só pessoas com cargos ou pessoas com nome que eu tenho que tirar como inspiração ou referência. Eu acho que um pouquinho de cada uma delas que eu conheço eu tento tirar naquilo que eu não tenho. Então o que eu tô me transformando agora, o que eu tô caminhando, cada degrau que eu tô subindo eu bato palma pra cada uma delas. Porque sem elas, sem esse contato, essa amizade com elas eu acho que eu não vou conseguir chegar a lugar nenhum’.

Visibilidade Trans na Mídia

“Eu acho que é importante sim. Eu também tenho uma referência que tá sempre aparecendo na mídia que é a Maria Eduarda, que é a presidente do Grupo Pela Vidda – que é uma outra que eu amo de paixão. E eu acho que é importante sim elas estarem sempre aparecendo na mídia, ocupando um espaço que as pessoas acham que não deveriam estar ali e mostrando para as outras meninas que elas também podem.

Não é só uma que tem que ser referência, não é uma cota. Não pode ser ‘ah vamos botar uma atriz que é trans pra calar um pouco a boca da população LGBT’. Não. Tem que ter referência sim gay, trans nas novelas. Não que os atores (cisgêneros) não possam fazer, mas tem muitas atrizes trans por aí muito melhores que os atores que interpretam a referência.

Então eu acho que tem mídia sim que eles usam pra ganhar porque sabem que a população LGBT é a que mais gasta no país. Aliás, no mundo. Então assim, tem aquele momento que eles vão pra um lado e esnobam a galera LGBT, mas tem um lado também que eles falam ‘a gente tá perdendo dinheiro’. Então eles apoiam, vão abraçar outras pessoas LGBTs ou negras pra fazer uma mídia e vê se a gente vende o nosso produto. Mas tem gente que realmente gosta e abraça a causa”.

Invisibilidade no meio LGBT

“Eu ainda tô numa fase de crescimento como uma mulher trans. Então tenho muitos amigos, além de amigos homens eles são gays. E eu sempre tento passar pra eles como é essa referência e como que é uma mulher trans. Porque quando a gente fala em travesti, a palavra travesti se você perguntar pra qualquer pessoa, o que te vem na cabeça? Vão te responder: prostituição, uma pessoa vulgar, uma pessoa que rouba e várias coisas negativas. Se você fala de uma mulher trans as pessoas falam de uma mulher bonita, uma mulher operada, uma mulher não sei o que. Vão falar algumas coisas bacanas. E eu tenho amigos que apesar de serem gays eles tem esse pensamento. Então eu tento tirar isso e sempre estar com amigas trans e travestis pra mostrar pra eles que isso não existe.

Lá no Pela Vidda tem um encontro que, no início, seria um Encontro Trans só para a população trans, mas depois começou a tomar uma visibilidade grande em relação aos meus amigos, que são não-binários, que são gays, que são pansexuais e eles falaram ‘a gente quer participar’. Então eu acabei trocando o nome do encontro pra TransDiversidade pra globalizar todo mundo. Porque as pessoas acham que quando você se assume gay pra população, o gay já vem com manual. Que um gay tem que saber tudo do outro e não é. E é bacana os encontros porque eles têm essas dúvidas. A população trans tá lá, a população travesti, de gay e entre eles, eles tiram suas dúvidas, interagem, fazem amizades e assim para de ter essa individualidade.

Porque a gente já vive num mundo que já faz essa exclusão de todo mundo. Porque a gente vai viver numa bolha só de gay? Uma bolha só de travesti? E cada no seu bando, de um lado pro outro, se todos nós sofremos as mesmas coisas? Então eu acho que todo mundo tem que estar junto pra lutar pelo mesmo propósito. Não adianta cada um ficar no seu canto, no seu grupinho, e achar que todo mundo é diferente. Todo mundo sofre as mesmas coisas. E a gente tem que estar juntos pra criar mais forças e combater esse tipo de atitude”.

Violência Transfóbica

“É, assusta um pouco. É complicado porque, às vezes, a gente sai na rua e não sabe se vai voltar. Você tá num ponto esperando um ônibus, passa vários carros, e você não sabe se vai parar um carro, abaixar o vidro e atirar em você. Ou vir alguém do nada na rua e agredir você. Mas a gente tem que levantar a cabeça e dizer ‘eu sou bonita, sou gostosa e vou enfrentar o mundo’. A gente não pode andar de cabeça baixa e achar que o mundo vai acordar e falar ‘parabéns é o lugar de vocês também’. Porque eles não vão fazer isso.

Então assim, é desesperador essa questão de ter um limite de vida (sobre pessoas trans no Brasil terem expectativa de vida de apenas 35 anos).

Fetichização Trans

“Vamos voltar um pouquinho quando eu disse que não me via como mulher trans. Eu sempre saí com homens cis-heteros e eu nunca vi problema, como não acho que seja porque é um gosto e problema de cada um. Mas depois que me reconheci como mulher trans eu comecei a ter um pouco de, qual palavra eu vou usar, não é nojo, é repulsa sobre homens que saem com mulheres trans e de manhã tá com a mulher ou tipo assim quer fazer alguma graça com mulheres trans ou travestis.

Eu não consigo aceitar mais esse tipo de atitude. Ou anda de mãos dadas comigo na rua, ou assume de verdade o que é ou não dá. Mas, eu acho que os homens tem muito isso, esse desejo do proibido. Que é igual quando um homem sai com uma mulher que é casada, é o mesmo de sair com uma mulher transexual ou quando o gay sai com um cara que é negro e tem aquela visão de que ele tem um órgão genital grande. E nem sempre é isso.

. Então no caso do homem ter esse interesse por uma mulher trans ou travesti e depois ele matar, é também pelo medo da sociedade descobrir que ele saiu com uma mulher trans ou travesti e ver isso como uma vergonha. Sendo que vergonha realmente é ele não se assumir. Eu acho que nem posso dizer que isso é um homem de verdade, porque homem de verdade não esse medo de ter essa atitude e revelar realmente o que é”.

Hipersexualização

“Agora, depois que me revelei mulher trans, sim. (Acontece) muito. No momento, acontece quando eu tô em algum lugar ou quando eu passo, é normal um homem falar alguma coisa ou na rede social mandar mensagem. Mas eu tenho namorado e não tenho mais essa atitude de conversar ou ter alguma atitude de papo com algum tipo de homem assim.

Hoje um cara me desejar só por eu ser uma mulher trans ou pelo desejo de saber o que uma mulher trans tem no meio das pernas, vamos dizer, eu já não consigo sentir atração nem desejo por um homem desses. Comigo já não rolaria mais”.

Relacionamento

“Ele é cisgênero e hétero, na verdade bi(ssexual). Ele só teve um relacionamento. Ele só saiu com uma mulher trans depois que terminou um relacionamento da adolescência, onde ele namorava uma menina da igreja, terminou e teve uma desilusão. E passou um tempo solteiro, saiu com uma menina trans, gostou e depois desse tempo não ficou com mais ninguém. E acabou saindo só com mulheres cis heteros. E aí a gente se conheceu por acaso.

Assim, ele não tem problema nenhum com isso. A gente sai e apesar de ele nunca ter tido um relacionamento com uma mulher trans, ele lida com muita facilidade. Ele tem a mesma idade. Fez 30 (anos) há duas semanas. Trabalhamos com coisas diferentes, temos amigos diferentes, realidades diferentes e eu acho que o gostar mesmo é o que faz com que a gente fique junto. E isso me atraiu nele. Ele tem 30 anos e ele já tem uma cabeça madura pra milhões de coisas, respeita muito o meu trabalho. E eu acho isso muito interessante.

Eu sempre namorei homens brancos. Só tive um relacionamento em que o homem era negro e era até jogador. E  os caras que eu ficava sempre foram homens brancos porque era a realidade dos meus amigos e a realidade que eu vivia. Então assim, tudo mudou depois de dois anos pra cá.

Antes de eu começar a namorar com ele, eu namorei uma pessoa muito mais velha, de 42 anos, que vivia uma realidade completamente diferente da minha e era um homem branco.

Que não aceitava o meu trabalho, o que eu fazia como ativista. Mas eu digo na questão de pensamentos: era muito diferente. Ele por ter a vida financeira muito diferente da minha, ele achava que eu tinha que estar sempre ao lado dele em alguns espaços. O pensamento político dele também era um pouco diferente. Porque ele nunca viveu essa realidade. Apesar de eu nunca ter morado numa comunidade, de eu ter passado algumas dificuldades ou preconceitos, mas eu estou ali junta com pessoas que passam por isso. Ele não. Ele não sai daquele mundo zona sul dele. É só aquilo ali. Então para ele era muito fácil vir falar, vir julgar que aquilo que eu faço poderia ser uma vergonha para os amigos dele e pra família dele. Então eu resolvi terminar.

E na questão desse meu namorado atual, que é negro, tá sendo maravilhoso. Eu até brinco com ele que se eu soubesse que se homem negro era tão bom eu já estava namorando há muito tempo (risos). E a gente tem uma parceria assim, de pouco tempo, mas um bate papo muito bom e que eu acho válido em qualquer tipo de relacionamento. E eu acho também que quando fala na questão da cor eu só tive problema com esse(ex branco). Porque nos meus outros relacionamentos eu não tive problemas, nunca me impediram de eu lutar contra nada. Apesar de eu não levantar bandeira de nada: nem como pessoa negra, nem como pessoa LGBT, enfim, nada. Então assim, hoje eu vejo que é bem mais fácil namorar uma pessoa que tem uma realidade parecida com a sua e que te entenda. Porque eu acho que a cor pode influenciar, mas também não pode”.

Prevenção

“Como educadora em prevenção eu sou a primeira a ter que dar o exemplo e como eu falei, tô há pouco tempo fazendo minha terapia hormonal. Eu faço vários e vários exames, tive que fazer na verdade, e quando eu comecei a me relacionar com o Alexsander ele falou logo ‘eu vou fazer logo um exame de HIV, de sífilis e tal, pra gente ficar tranquilo na relação”. Porque acaba de não rolar camisinha, principalmente quando você tá um período.

No início não. No início a gente usou camisinha. Hoje a gente toma os nossos cuidados, mas a gente não vive somente de sexo com penetração. O sexo vai além da própria penetração. Então a gente se previne sim. Eu, como falei antes, tenho que estar atenta a esse tipo de situação de IST(infecção sexualmente transmissível) entre jovens. E não é porque eu sou educadora que eu não vou me prevenir porque não vou pegar alguma coisa. Não, eu posso pegar também”.

Infecção de HIV em Jovens

“Eles acabam transando sim sem camisinha porque (pensam) ‘ah eu vou fazer agora sem porque não vou pegar nada’. E eu já escutei de amigos meus falando assim ‘é só não gozar dentro que eu não vou pegar nada. Então a gente vê aí que são jovens que ainda tem o pensamento antigo. Mesmo com a prevenção. E hoje temos a tecnologia que é a PrEP e o PEP e então alguns jovens eles já estão se garantindo nisso de não pegar HIV. Eles estão vivendo a base disso.

Então tem essa coisa. E muitos sabem também que hoje ninguém morre de HIV. Pensam ‘ah se eu contrair, se eu pegar o vírus, eu tomo um remedinho pra minha vida toda e vou continuar bem’. E eles acabam esquecendo que não é só tomar a medicação que eles vão ficar imunes de tudo. Eles só vão ficar imunes do vírus não se multiplicar, mas e as outras ISTs?

O pensamento dos jovens, infelizmente, de alguns – porque a gente não pode generalizar – é assim. E tem essa parte que eu falei do relacionamento: no início a gente transa de camisinha, só que a partir do mês seguinte ningúem usa mais a camisinha. E ninguém fala assim ‘amor vamos ali no posto fazer um exame de HIV?”. Não vai. “Vamos ali fazer um exame de sífilis?’. Não vai. Pra eles isso é a morte. Então assim, acaba que muitos se infectam nesse tipo de atitude porque tá namorando e começa a transar sem camisinha. A pior coisa eu acho que é esse medo também de procurar um lugar pra se cuidar e acaba infectando outras pessoas e não se cuidando também”.

Educação Sexual nas Escolas

“Sim (é importante), a gente não pode falar só de camisinha. Fazer campanha só com camisinha e que você tá protegido. Não, não é assim. A gente tem que levar informações sim, como muitos já fazem. Eu mesmo sempre falo sobre as outras ISTs, que também é muito importante e pega muito mais fácil do que o HIV em si. E os jovens se você reparar não sabem e muitas vezes acadêmicos, que estão na faculdade, não sabem o que é uma PEP, o que é uma PrEP, não sabe como se pega uma sífilis.

Então é importante falar porque a gente nunca sabe se aquela pessoa que a gente tá ficando tem, com quem ela ficou. Porque a maioria dos jovens eles não procuram um médico, eles não vão ao médico. Como eles vão saber que estão com HIV?”

Importância da ABIA e do Projeto

“Eu acho muito importante. Eu sempre faço questão de poder me inscrever em vários eventos como esse (em referência ao Aprimorando III de Porto Alegre). Porque isso agrega muito no que eu faço no meu trabalho. Quando eu entrei lá no Pela Vidda eu sempre tive a ideia de me tornar jornalista. Eu ia entrar na faculdade pra cursar jornalismo. Só que nesse meio tempo eu gostei muito também de ouvir as pessoas.

Como eu comecei a trabalhar como educadora de prevenção e ouvir as pessoas, e dar informações e as pessoas agradecendo – é tanto agradecimento, mensagem ou abraço na rua ou reconhecimento quando eu tô em algum lugar – que eu falei ‘gente é isso que eu quero pra minha vida’. Então agora eu vou começar a faculdade de Serviço Social e, assim que eu tiver no último período, eu vou fazer Psicologia também. Porque é importante e eu vejo muita dificuldade em relação ao HIV com jovens. Então eu acho muito importante eu trabalhar isso.

Então, esse tipo de evento agrega muito para que eu passe informações ao meus amigos, aos meus pais. E eu não tenho formação nenhuma como assistente social, como psicóloga. Então esses eventos faz com que eu aprenda bastante e possa levar essa informação concreta, com mais conteúdo para as pessoas”.

Futuro

“Que exista menos preconceito em tudo. Eu acho que a palavra correta seria respeito. Se a humanidade aprendesse a respeitar a identidade de gênero, a cor e qualquer tipo de coisa do outro ser humano, eu acho que a gente viveria muito melhor. Então eu acho também que em relação ao que tá acontecendo nesse Seminário sobre o HIV, se as pessoas pararem de ter esse preconceito, ter esse estigma de que vai morrer daqui há algum tempo, elas começarem a entender que a pessoa em tratamento ela não transmite mais o HIV eu acho que as pessoas vão viver muito mais felizes e tranquilas.

Independente se elas um dia vão contrair o HIV de uma outra pessoa ela tem consciência que ela não vai sofrer por aquilo. Que uma pessoa em tratamento não transmite mais o vírus pra ninguém”.

Texto: Jean Pierry Oliveira

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