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Os desafios da falta de acolhimento e de respeito no atendimento sexual de lésbicas


Falar sobre o assunto no consultório sempre foi um pouco complicado. Aos 15 anos, em sua primeira consulta do tipo com o mesmo médico que atendia sua mãe, não se sentiu à vontade para falar de suas práticas sexuais. “Quando fui questionada sobre a virgindade, como não havia me relacionado com homens, respondi que era virgem, bloqueando qualquer possível orientação [sobre isso]”, conta Jéssica Teixeira, 28 anos, analista de controladoria.

Aos 19 anos, em busca de um ginecologista para poder conversar sobre suas questões de forma confortável, Jéssica passou por outros constrangimentos. “Quando disse que me relacionava com homens e mulheres, recebi uma expressão de: ‘volúvel você, não’ e quando falei que no último ano estava me relacionando com a mesma mulher ele me disse que já que me relacionava ‘apenas’ com mulheres, o que eu fazia não era sexo, e por isso não tinha nada com que me preocupar”.

Assim como Jéssica, muitas outras mulheres que se relacionam com mulheres enfrentam dificuldades para receber orientação ginecológica adequadas. Mayara Menezes Mollo, 29 anos, videomaker, também já passou por isso. “Buscar saúde sendo lésbica é se resumir a um exame de sangue. Eu, que nunca tive relação sexual com um homem, nunca tive um exame ginecológico completo. No máximo uma avaliação de muco vaginal e exame de sangue para identificar alguma doença sexual”.

A falta de orientação para essas meninas e mulheres é uma realidade e profissionais da área reconhecem a situação. Luiza Cadioli, médica de família e comunidade do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, de São Paulo, fala sobre alguns dos desafios.

“Na minha opinião, as mulheres que se relacionam com mulheres se sentem muito julgadas pelos profissionais de saúde que as atendem”, constata, em entrevista ao HuffPost Brasil. Muitos as consideram virgens por não terem relação sexual com homens. Além disso há pouca informação sobre prevenção de ISTs [Infecções Sexualmente Transmissíveis] entre mulheres e isso é um desafio grande ainda. Isso ocorre porque o sexo entre mulheres já foi e ainda é considerado por muitos como ‘não sexo’, como se houvesse necessidade de um pênis para se considerar uma relação sexo”.

Procurada por lésbicas e bissexuais, Cadioli percebe que essas pacientes passaram por situações ruins em consultórios anteriormente. “Elas buscam poder falar abertamente sobre sua orientação sexual e suas práticas sexuais (lembrar que são coisas diferentes. A mulher pode se considerar homossexual e transar com homem eventualmente, etc). Elas querem ser acolhidas e saber quais exames precisam fazer, se há algo no cuidado que deve ser diferente”.

A médica reforça a importância dos profissionais de saúde terem um olhar cuidadoso com esse grupo. “Na consulta [o médico não deve] considerar uma mulher lésbica virgem. Uma mulher sexualmente ativa não é virgem. É preciso entender a diferença entre sexo e penetração e entender ainda que mulheres lésbicas podem ter penetração. Só ouvindo a mulher, suas práticas sexuais, seus medos e hábitos é que vamos nos aproximar um pouco de seus riscos e assim poder construir um cuidado individualizado”, explica.

Larissa Darc, jornalista e autora do livro Vem cá: vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e bissexuais destaca a importância de colocar essa questão como um problema a ser enfrentado. Para ela, ainda há muita desinformação sobre o assunto e muita gente sequer sabia que meninas e mulheres lésbicas ou bissexuais passam por constrangimentos desse tipo.

“Acredito que exista uma falta de conhecimento mesmo sobre as necessidades específicas desse grupo e sobre como solucionar. Eu já fui mal atendida [por profissionais de saúde], outras pessoas que eu conheço do meio LGBT foram mal atendidas e quando eu falava com uma pessoa hétero ou homens gays, essas pessoas nem sabiam que esse problema existia então como a gente vai resolver algo que as pessoas nem sabem que existe?”, questiona.

Para Larissa, essa é a ponta dos problemas que influencia na forma como a sexualidade de mulheres que transam com mulheres é visto.

“Então, se não é sexo, porque falaremos de prevenção, de prazer, de cuidado? Historicamente a gente associa sexo a penetração de pênis em algum lugar. Existe um termo que acho engraçado e é muito usado em revistas femininas que é ‘preliminares’. E ele se refere a que? Tudo que vem antes do sexo em si, dentro dessa conduta hétero normativa”, aponta. Hoje, o que essas mulheres defendem – e esclarecem – é que tudo que elas fazem é, sim, sexo. Por isso, devem ter os mesmos cuidados e atenção com sua saúde sexual.

Tabus e esclarecimentos sobre sexo entre mulheres

Apesar das dificuldades e falta de acolhimento nos consultórios, hoje as mulheres têm conseguido encontrar atendimento mais adequado. Jéssica lembra que na adolescência a saída era conversar com suas amigas.

“E trocávamos cada informação errada que era de dar dó! Conforme o tempo foi passando fui buscando mais informação na internet. E hoje, finalmente, faço acompanhamento com uma profissional séria. O que eu espero é tranquilidade ao falar de sexualidade e reforçar a saúde/prevenção de doenças como objetivo principal nessas consultas [porque] acredito que além de faltar leveza pra falar do assunto, o fato de um dos maiores medos das mulheres ser engravidar, mina um tanto a preocupação com a saúde, DSTs, infecções, etc.”

Segundo Cadioli, mulheres que transam com mulheres não são mais suscetíveis a infecções e doenças sexualmente transmissíveis, mas há alguns cuidados importantes com esse grupo. “Clamídia, gonorréia, sífilis são exemplos de ISTs que podem ser transmitidas facilmente no sexo entre mulheres. É importante ressaltar que existem, sim, alguns exames para serem feitos, como por exemplo o papanicolau. Se a mulher teve penetração ela deve entrar na rotina de coleta de papanicolau”.

Ainda de acordo com a médica, não se tratam de exames diferenciados, mas de outro foco no atendimento. “O que difere é o conteúdo da consulta”, diz. “Elas vão falar menos sobre contracepção e mais sobre cuidados, como por exemplo prevenção de ISTs. Existem algumas estratégias, como trocar a camisinha do vibrador caso façam uso”, aponta a médica.

“Há algumas mulheres que optam por se proteger também no sexo oral cortando uma camisinha feminina e fazendo uma barreira. Falamos muito sobre a eficácia disso e a experiência disso, qual a viabilidade de se proteger no sexo oral? Sabemos que existe um limite para a assepsia no sexo e construir esse cuidado sem protocolos e obrigações é um desejo dessas mulheres”, explica.

Mudanças e possíveis caminhos para a transformação

O tratamento ginecológico mais voltado para prevenção de gravidez – o que afeta mulheres que se relacionam com homens – pode ter algumas motivações, como observou Larissa ao longo do trabalho de pesquisa para o seu livro.

“Conversando com ginecologistas e médicas de família, percebi que os médicos quando vão escolher uma residência de ginecologia, geralmente as melhores são voltadas para obstetrícia então até mesmo a mulher hétero que queira ter algumas indicações sobre transmissão de infecções e métodos de prevenção já tem algum problema”, diz. “Agora, por conta dos coletivos feministas e LGBT, já existem alguns espaços de discussão dentro das faculdades. Mas ainda é pequeno”.

O lado positivo disso é que com o crescimento do debate nas universidades, o campo de pesquisa e estudos também tende a se desenvolver e, assim, o assunto tem chances de atingir outras esferas.

Isso porque, setores como o farmacêutico e até mesmo o poder público são afetados por essa forma de olhar para o sexo entre mulheres. Mayara reclama da falta de produtos de cuidados voltados para o sexo lésbico, por exemplo.

“Gostaria que tivéssemos uma atenção adequada para a nossa saúde sexual e também tivéssemos métodos de prevenção mais adequado do que cortar camisinha masculina ou usar plástico filme (no caso do sexo oral). Com a tecnologia que temos hoje em dia não entendo como não desenvolveram métodos mais eficazes. Pensando que vivemos em um mundo patriarcal, há falta de interesse para desenvolver algo melhor para lésbicas”.

Larissa também pontua melhorias e mudanças que podem ocorrer no setor. Segundo ela, a longo prazo, o que faria diferença é o trabalho de pesquisa e fomento do debate. “Para curto prazo, o que pode ser feito é os médicos não pressuporem que a paciente é uma mulher hetero e cis. Só isso já resolveria grande parte dos problemas”.

A médica ginecologista concorda que esse é um passo importante que deve ser dado pelos médicos: “Acho que os profissionais de saúde precisam estudar. Precisamos ler e produzir artigos sobre isso. As mulheres são no geral pouco estudadas. A maioria dos estudos é feito por homens em homens e para homens. Sabemos pouco sobre os sintomas de infarto em mulheres, que dirá sobre as especificidades do cuidado em mulheres lésbicas”, critica.

“Além disso, é importante lembrar que estamos falando de mulheres cisgênero. Uma mulher cis pode transar com uma mulher trans e ter outras preocupações numa relação pênis-vagina, por exemplo. É preciso estar aberta para falar sobre tudo isso”, destaca a profissional.

É o que se quer. Poder falar sobre qualquer assunto que afete suas vidas. E ter informação adequada para se relacionar da forma que fizer mais sentido. Seguras.

Fonte: HuffPost Brasil

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