A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) apresentou nesta quarta-feira (2) uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que a Corte ordene ao Itamaraty que revogue a orientação recente sobre o uso do conceito e da palavra “gênero”.
Na ação, a ABGLT argumenta que a ordem recente do Itamaraty – de que diplomatas devem entender “gênero como sexo biológico” – é inconstitucional e viola direitos das pessoas LGBT já reconhecidos pela corte.
Um dos julgamentos citados pelos advogados da organização é o da ação direta de inconstitucionalidade 4275/DF. Em março de 2018, o Supremo decidiu que, para alterar nome e gênero de registro em documentos, não é necessário autorização judicial, laudo médico ou mudança de sexo.
Na decisão, a maioria dos ministros invocou o princípio da dignidade humana para assegurar o direito à adequação das informações de identificação civil à identidade autopercebida pelas pessoas trans, valorizando a definição de gênero como uma construção social.
Em junho deste ano, o jornal Folha de S. Paulo revelou que diplomatas receberam instruções oficiais do comando do Itamaraty para reiterar “o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino”.
A ação do Itamaraty vai ao encontro ao posicionamento do presidente Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo sobre questões dentro desta temática, entendidas como “ideologia de gênero” por ambos.
Este termo foi cunhado por religiosos e não é reconhecido no universo acadêmico. Neste sentido, ela é usada por grupos conservadores que se opõem às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.
Já a teoria de gênero, reconhecida por estudos acadêmicos, aponta que gênero e orientação sexual são construções sociais e, por isso, não podem ser determinadas por fatores biológicos.
Para a associação, “substituir o termo ‘gênero’ por ‘sexo biológico: feminino ou masculino’ é negar a possibilidade de reconhecimento às pessoas que não se enquadram” nesses conceitos.
“Estamos agora no aguardo da distribuição e decisão sobre o pedido liminar, que requereu a imediata reversão do ato para que o termo ‘gênero’ volte a ser utilizado, sem restrições ou ressalvas”, diz comunicado da ABGLT.
Até o momento, não há data específica para que o STF julgue o caso. Ao HuffPost Brasil, o Itamaraty afirmou que não tem conhecimento sobre a ação e que, por isso, não irá comentar. “Eventuais manifestações a respeito do tema serão efetuadas a partir do recebimento de comunicação oficial”, pontuou.
Em resposta, o ministério destacou que o governo brasileiro “considera primordial defender os direitos das pessoas LGBTI”, citou a atuação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos ― que tem diretoria permanente de promoção de direitos ligados à população LGBT.
Os dados sobre LGBTfobia no Brasil
De acordo com o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays e 35% contra bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos, de abuso sexual a tortura.
Canal oficial do governo, o Disque 100 recebeu 1.720 denúncias de violações de direitos de pessoas LGBT em 2017, sendo 193 homicídios. A limitação do alcance do Estado é admitida pelos próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação e falta de dados oficiais.
Por esse motivo, os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, iniciados na década de 1980, se tornaram referência.
Em 2018, a organização contabilizou 420 mortes de LGBTs decorrentes de homicídios ou suicídios causados pela discriminação. O relatório “População LGBT Morta do Brasil” mostra, ainda, um aumento dos casos desde 2001, quando houve 130 mortes.
O grupo divulgou nova pesquisa que aponta 141 vítimas entre janeiro e o dia 15 de maio deste ano. De acordo com o relatório, ocorreram 126 homicídios e 15 suicídios, o que dá uma média de uma morte a cada 23 horas por homofobia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em junho deste ano, que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre este tipo de violência. Pena é de até 3 anos e crime será inafiançável e imprescritível, como o racismo.
Fonte: Huff Post