A campanha da ONU Livres & Iguais, a Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI) e a Associação Brasileira Profissional pela Saúde Integral de Travestis, Transexuais e Intersexos (ABRASITTI) unem-se no Dia Internacional da Visibilidade Intersexo para promover maior conscientização sobre esse tema.
Pessoas intersexo nascem com características sexuais (incluindo genitais, gônadas e padrões cromossômicos) que não se encaixam nas típicas noções binárias de corpos masculinos e femininos.
Intersexo é um termo guarda-chuva usado para descrever uma ampla gama de variações naturais do corpo. Em alguns casos, características intersexuais são visíveis no nascimento, enquanto outras não são aparentes até a puberdade.
Algumas variações cromossômicas intersexuais podem não ser fisicamente aparentes. De acordo com especialistas, entre 0,05% e 1,7% da população nasce com características intersexuais. Ser intersexo está relacionado às características biológicas do sexo, e é diferente da orientação sexual e da identidade de gênero.
Uma pessoa intersexo pode ser heterossexual, gay, lésbica, bissexual ou assexual, e pode se identificar como mulher, homem, ambos ou nenhuma das duas coisas. Como seus corpos são vistos como diferentes, crianças e adultos intersexo são frequentemente estigmatizados e sujeitos a múltiplas violações de direitos humanos, incluindo no acesso à saúde e à integridade física, a ser livre de tortura e de maus tratos, e à igualdade e à não discriminação.
O dia 26 de outubro marca a luta pelo fim da invisibilidade intersexo porque, nesta data, ocorreu a primeira demonstração pública de que se tem registro de pessoas intersexo na América do Norte. A demonstração ocorreu em 1996, na cidade de Boston, durante a conferência anual da Academia Americana de Pediatria.
Em países do mundo todo, bebês, crianças e adolescentes intersexos são submetidos a cirurgias clinicamente desnecessárias, tratamentos hormonais, entre outros procedimentos na tentativa de mudar, de forma não consentida, sua aparência sexual e/ou corporal.
Segundo as Nações Unidas, essas intervenções servem unicamente para atender às expectativas e estereótipos sociais sobre feminino ou masculino. Tais procedimentos são realizados sem o consentimento completo, livre e informado dessas pessoas e, portanto, representam violações dos direitos humanos fundamentais.
Nesse cenário, pessoas intersexo acabam se tornando alvo de discriminação generalizada ao longo da vida, inclusive no acesso a educação, emprego, saúde, esportes e a serviços públicos.
Depoimentos
Para marcar o Dia da Visibilidade Intersexo, a ONU colheu depoimentos de pessoas intersexo para entender a situação e propor soluções.
“Eu fui socializada como uma pessoa pertencente ao gênero masculino, visto que nasci com um pênis. O médico orientou a minha família que o atraso no desenvolvimento do órgão era transitório e que em breve tudo estaria normalizado. No máximo, futuramente recorreriam a um procedimento cirúrgico ou hormonal”, conta Dionne Freitas ativista intersexo e trans da ABRAI e ABRASITTI.
“Entretanto, a promessa do médico de que aquelas características desapareceriam com o tempo não se cumpriu: as coisas só foram piorando e minha feminilidade ficando mais evidente. Me lembro de muitas coisas em relação à minha percepção do genital e essa disforia de gênero que eu sentia. Tenho lembranças desde meus
3 anos”, diz.
Os pais de crianças com características intersexo geralmente enfrentam pressão social para concordar com tais cirurgias ou intervenções médicas em seus filhos ou filhas. Raramente são informados sobre alternativas ou sobre as possíveis consequências negativas dos procedimentos, que são realizados apesar da falta de indicação médica, necessidade ou urgência.
A justificativa para isso é frequentemente baseada em preconceito social, estigma associado a órgãos ou corpos intersexos e requisitos burocráticos para atribuir sexo no momento de registrar o nascimento.
Thaís Emília, mãe de um bebê intersexo e membra da Associação Brasileira de Intersexos, considera discriminação o fato de seu filho ter ficado dois meses sem certidão de nascimento pelo fato de ela não ter podido definir naquele momento se o bebê tinha sexo masculino ou feminino. Sem o registro, não foi possível acessar uma série de serviços públicos.
Alguns ativistas intersexo também detalham impactos negativos e profundos dos procedimentos médicos muitas vezes realizados nessa população, incluindo infertilidade permanente, incontinência e perda de sensação sexual, o que causa dor ao longo da vida e sofrimento psicológico grave.
Os procedimentos podem levar inclusive à depressão e à vergonha associada a tentativas de esconder e apagar traços intersexos. É comum que as pessoas intersexo nem sequer tenham acesso a seus próprios registros médicos ou certidões de nascimento originais.
Atletas intersexo enfrentam obstáculos específicos. Apesar de ser intersexo não implicar melhor desempenho, atletas intersexo muitas vezes têm que lidar com a desclassificação de competições esportivas com base em suas características sexuais.
Resolução da ONU
Em março de 2019, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas adotou uma resolução que expressa preocupações sobre regulamentos, regras e práticas discriminatórias existentes que exigem que algumas mulheres e meninas atletas reduzam clinicamente seus níveis de testosterona no sangue, passando por procedimentos médicos desnecessários, humilhantes e prejudiciais ou terapia hormonal para participar de eventos esportivos.
A resolução reconhece as formas múltiplas e cruzadas de discriminação que mulheres e meninas enfrentam nos esportes, por causa de sua raça e sexo, e o direito à integridade e autonomia corporal, entre outras coisas.
https://undocs.org/A/HRC/40/L.10/Rev.1
.
Embora a conscientização sobre os direitos das pessoas intersexo tenha aumentado com o trabalho de defensores e defensoras de direitos humanos, apenas alguns países adotaram medidas concretas para defender seus direitos e protegê-las de violações de direitos humanos.
Para a ativista Dionne Freitas, algumas formas de apoiar a igualdade de pessoas intersexo incluem lutar por sua liberdade, tendo a consciência de que “a natureza e a humanidade são diversas”, além de apoiar o fim das intervenções médicas desnecessárias e sem consentimento em crianças intersexo.
Jéssica Tenório, ativista intersexo da ABRAI, lembra que “o principal apoio é o fim da invisibilidade”. “Seria não ter vergonha de conversar sobre pessoas intersexo e também conscientizar uma as outras. Somos 1,7% da população e somos muito mais felizes quando não sofremos violência.”
Livres & Iguais
A Livres & Iguais é uma iniciativa sem precedentes para a promoção da igualdade de direitos e tratamento justo de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexo (LGBTI).
Projeto do Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), a campanha sensibiliza sobre a violência com base em orientação sexual, identidade e expressão de gênero e/ou características sexuais, e promove o respeito aos direitos de pessoas LGBTI em todos o mundo.
Anualmente, a campanha engaja milhões de pessoas em todo o planeta em conversas que ajudam a promover o tratamento justo a pessoas LGBTI e a gerar apoio a medidas para proteger os seus direitos.
Confira vídeo da Livres & Iguais sobre a população intersexo de 2018:
Fonte: ONU Brasil