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“O que mais me choca no Brasil é a desigualdade de sonhos”, afirma Patrick Pereira, que dedica sua vida em prol dos direitos de jovens e adolescentes no Brasil


Foto: Jean Pierry Oliveira

A canção diz “sonho meu/sonho meu/vai buscar/quem mora longe/sonho meu”. Os versos de Zeca Pagodinho, também imortalizado na voz de Maria Bethânia, poderia ser perfeitamente a composição mais autoral da vida de Patrick Pereira. Aos 18 anos, o jovem da distante Guaratiba, zona oeste do Rio de Janeiro, não se furta de sonhar. Mesmo com todos os percalços que a recém saída da adolescência, a periferia carioca e a ausência de serviços impõe ao dia a dia.

“Ah, isso está presente na nossa vida, infelizmente, o tempo todo (sobre a falta de acesso aos serviços onde mora). E aí vai : desde conseguir uma creche pra uma criança até conseguir um tratamento numa unidade básica de saúde, que é um pouco mais complexo. Hoje a gente tem lá – na cidade do Rio todo – um déficit de saúde e na Zona Oeste isso chega um pouco mais perto da realidade de quem mora lá. Por ser mais afastado do Centro, estar afastado dos holofotes. É complicado acessar os serviços lá”, resume.

Desenvolto, falante, consciente e taxativo Pereira não se limitou em deixar nenhum questionamento passar batido durante os 50 minutos de entrevista, mesmo naqueles assuntos que costumam ser mais “caros” pra ele como Ativismo, Política – ele se assume de esquerda e petista – Direitos Humanos, Educação Sexo e Prevenção na Juventude, a polêmica sobre a abstinência sexual, estigma do HIV, importância das ONGs para a prevenção e o que espera do futuro.

Confira a entrevista completa abaixo:

 

Ativismo pela Juventude

“Eu comecei muito cedo. Comecei meu primeiro grêmio estudantil quando eu tinha 11, 12 anos. Isso foi bem cedo. Depois teve o conselho escolar e colégio público – estudei minha vida toda em colégio público. E tenho muito orgulho disso, até. Todas as escolas públicas que estudei sempre tentei fazer alguma coisa pra melhorar o ambiente em que eu vivia.

Mas enfim, depois de ter iniciado o movimento estudantil, quando eu tinha 14 (anos) conheci o RAP da Saúde (Rede de Adolescentes e Jovens Promotores da Saúde, uma iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde), que foi um divisor de águas na minha vida. E de lá não parei, fazendo atividade com jovem o tempo todo nas praças, nas ruas, nas escolas, dentro da casa dos outros, dialogando. Tudo que você possa imaginar. E hoje tô aqui ainda. E quando eu comecei a circular pela cidade eu falei ‘não, essa não é uma parada que pode ficar presa só a mim’ e a ideia é sempre tentar multiplicar e mostrar um caminho que todo mundo pode. Todo jovem tem uma força muito grande. Cara, (o trabalho no RAP) era muito complicado, mas ao mesmo tempo era muito leve. Parece paradoxo, mas não é.

Porque o nosso objetivo principal era levar a promoção da saúde para os espaços, porque a gente entendia – e entende até hoje – que se pegar um médico, e não desmerecendo o profissional, jamais, ele vai dar uma palestra numa unidade de saúde ou uma escola, por exemplo. Aí vai falar durante duas horas com termos técnicos pra uma galera que não entende e dizer que não pode isso, não pode aquilo e camisinha, camisinha, camisinha – que a gente sabe que é importante, mas existem outras maneiras.

A gente trabalhava tudo quanto é tipo de tema na saúde mas, principalmente, direitos sexuais e reprodutivos, prevenção ao HIV/AIDS, gravidez na adolescência – que é um tema super recorrente na Zona Oeste, onde os índices estão bem altos e bem alarmantes até. Mas a gente entende que saúde é muito mais. Então a gente acabava falando de Direitos Humanos, direito ao acesso à saúde, defesa do SUS e acho que isso transformou, de verdade.

E cara, tem uma parada que eu falo sempre e em todos os lugares que o que mais me choca no Brasil é a desigualdade de sonhos. Por que eu digo isso? Quando eu comecei a circular pela cidade, aí eu perguntava pra alguém que morava próximo do Centro ou na Zona Sul qual era o sonho da pessoa. As pessoas falavam ‘ah eu quero estudar fora’, ‘quero viajar o mundo’. Aí quando eu pergunto isso pra galera lá onde eu cresci e moro até hoje a galera quer terminar o ensino médio, quer ter uma família. E é válido, sabe. Mas me assustou como que uns podiam sonhar mais e outros não.

Hoje eu acho que tá bem mais difícil mesmo (pelo contexto conservador). O pessoal que continua no RAP tem encontrado dificuldades, e a galera de instituições que fazem um trabalho parecido também. E até pra dialogar pra qualquer tipo de direito. A palavra direito hoje virou sinônimo de algo ruim na sociedade, sinônimo de privilégios e muito pelo contrário. Direito ele é conquistado a partir de muita luta. Eu acho que isso é muito ruim pra nós, pra nós enquanto juventude, porque vai ter um lapso de debates  importantes pra nossa formação pessoal e enquanto cidadão, ser humano. E isso eu acho que a gente vai sentir mais daqui há alguns anos, numa sociedade muito ignorante no sentido de não saber mesmo, por não ter tido acesso à informações por conta de tabus mesmo que a gente sabe que hoje é bobagem, puro preconceito de algo que não conhece”.

Até hoje (encontro dificuldades para falar de algumas coisas dentro de casa). Essa onda conservadora também atingiu parte da minha família. É uma problemática muito grande porque, por um lado a família fala que tem orgulho quando me vê na luta fazendo alguma coisa, mas por outro quando eu vejo desmerecendo algum ativista de direitos humanos, tendo uma maneira muito pré-moldada e ruim sobre certas questões, sobre orientações sexuais, enfim. Eu sinto…sinto…uma parada muito de impotência. Porque assim, eu consigo fazer coisas em muitos outros espaços, mas dentro de casa parece que é mais difícil. Na verdade não (me desanima). Me dá mais gás. Assim, cansa. Mas me dá mais vontade de fazer um embate saudável, mas algumas coisas tem mudado”.

Educação

“A educação hoje virou inimiga do povo. Sabe, quando você fala por exemplo de educação nas universidades há todo um discurso de que as universidades produzem balbúrdia. Quando na verdade as universidades produzem conhecimento. As universidades estão desenvolvendo esse país. Quando você pensa, por exemplo, numa escola de ensino médio que a galera cria outro jeito de aprender, sei lá, usando rap, sarau e outras maneiras de mostrar seu corpo e usar uma roupa diferente a galera não entende isso como um processo educacional e uma forma de se expressar. Eu acho que é um ponto sempre super importante de se falar que é a questão da militarização das escolas. Acho que isso também vai trazer um grande prejuízo daqui um tempo.

Não, eu acho que não poderia ter acontecido com qualquer um não (sobre os erros de correção do ENEM 2019). Eu acho que o governo que a gente tem hoje é um governo que trata a educação, não diria nem segundo plano, mas como terceiro plano. Como se fosse um favor aplicar a prova do ENEM, como se fosse favor ofertar uma bolsa, ofertar uma cota pra alguém que conquistou aquele direito após muita luta.

Eu acho que é um desrespeito com os estudantes que se propuseram a fazer o ENEM e que tem o sonho, muitas vezes, de ser o primeiro a entrar numa faculdade por conta das políticas de acesso que foram criadas nos últimos anos. Acho que isso é um desrespeito e, principalmente, mostra o descaso com que esse governo tem tratado a população. A gente tem um ministro da Educação que diz que as universidades plantam e vendem maconha. Se plantasse e vendesse talvez fosse até melhor (risos). Mas na verdade não. As universidades estão produzindo e expandindo conhecimento, ciência, desenvolvendo o nosso país”.

Faculdade

“Ainda não terminei (o ensino médio). Pretendo (fazer faculdade). Isso é complicado porque eu queria fazer mesmo Ciências Sociais e entrar pra academia, estudar sociedade e fazer com que meus estudos criassem ações práticas de políticas públicas. Só que hoje é um curso que tá totalmente sucateado, é uma disciplina que não é mais obrigatória com a reforma do ensino médio e eu sinto muita falta de ações práticas mesmo. A gente debate, debate, debate, faz muita coisa, mas sabe que se tivesse as ferramentas certas a gente poderia fazer muito mais.

Eu tô pensando em fazer Direito e ficar com a caneta na mão, porque no Brasil quem resolve é quem tem a caneta na mão. E eu vou tentar ajudar os meus, os nossos que estão na luta como a gente. Eu queria ser defensor público. Porque eu acho muito bizarro você não conseguir ter acesso a uma defesa. Você ir lá e ofertar uma defesa de qualidade, uma defesa que qualquer outra pessoa podia ter. E o defensor público hoje defende muito mais os direitos coletivos, entra com uma ação judicializando questões do dia a dia e que a gente nem sabe que a Defensoria Pública tá agindo”.

Direitos Humanos

“A gente que tá na luta por Direitos Humanos a gente tá na luta por todo mundo. A gente tá na luta pra que uma criança tenha acesso a creche, pra que alguém tenha tratamento digno no sistema único de saúde (SUS) e a galera tem uma visão super deturpada do que é trabalhar Direitos Humanos e, às vezes, no dia a dia a pessoa a todo momento tá exercendo direitos humanos e não sabe.

Quando você vai lá e leva seu filho e sua filha na escola você tá exercendo seus Direitos Humanos. Quando você vê um filme você tá exercendo um direito humano, que é do direito à Cultura. E a galera hoje entende que os Direitos Humanos vem e faz isso e faz aquilo quando, na verdade, as pessoas não sabem como é a atuação de um ativista de direitos humanos e de quem trabalha na área. Muitas vezes a pessoa tá sendo influenciado por esse tipo de gente e não reconhece. Isso é triste por um lado.

Eu acho que daqui há um tempo vai mudar, sabe. Eu tenho essa percepção. Eu vejo hoje, por exemplo, as pessoas nas redes sociais debatendo isso de forma mais aberta. Eu vejo gente entrando num debate no Twitter que dura horas e, às vezes, eu vejo uns posicionamentos tão bons, um debate tão qualificado das pessoas. E porque as pessoas vivem aquilo. Enquanto um cara – não desmerecendo um cara da academia – que é doutor, estudou durante anos, mas não consegue falar aquilo que aquela pessoa da perifa (sic) tá falando horas. Porque ela vive aquilo. É por isso que eu acho que vai mudar daqui há um tempo”.

Política

“Eu tenho (um lado). Eu sou de esquerda. Eu acho que ser de esquerda, hoje no Brasil, é você estar ao lado de bandeiras históricas. É estar ao lado do povo trabalhador, é estar ao lado das pessoas para conquistarem o bem estar social. É você conseguir ascender socialmente, é você entrar na universidade. Eu acho que ser de esquerda hoje é estar do lado certo da história. É clichê essa fala, eu sei, mas eu acho que é estar do lado certo da história.

Eu tenho (um partido). Eu sou militante do Partido dos Trabalhadores (PT). É loucura. Eu comecei a militar no PT no finalzinho do processo do golpe da Dilma. E foi loucura real porque era um momento assim em que a gente andava na rua e apontavam a gente, xingavam a gente. Mas, como eu disse, eu entendo que o PT tenha as suas falhas assim como quaisquer outros movimentos e partidos políticos, mas eu acho que primeiramente é o partido que mais fez pelo povo trabalhador. Até hoje. Eu tenho essa visão. E acho que é um partido…o PT é muito grande, no sentido de ter muitos filiados. É um partido popular e de massa.

É um partido em que a juventude tem vez. Tem setoriais lá do PT de juventudes, tem os setoriais comuns, tem as secretarias e toda secretaria tem os setoriais: tem a galera da cultura, tem o setorial LGBT, tem a secretaria de Mulheres que faz um trabalho maravilhoso. Eu acho que um partido político tem que servir pra isso, é um instrumento de transformação da sociedade. E acho que o PT cumpriu muito bem esse papel e, novamente, a gente tá na luta pra conseguir mais uma vez ter condições de cumprir esse papel.

Eu avalio, particularmente, a soltura do ex-presidente Lula como uma das decisões mais acertadas do STF nos últimos anos. Rapidamente eu vou dizer por que. Porque é um processo viciado, um processo totalmente fraudado, particularmente acho que é um processo sem provas e são juristas renomados do mundo inteiro que tem essa visão. Em segundo, a construção política que levou o Lula a ser o que ele é hoje e o que ele representa, a soltura do Lula é o início de um processo de redemocratização também. Quando você tem a maior liderança popular da América Latina presa e impedida de disputar a eleição, que talvez ganharia, isso é acabar com a democracia. E a gente viu que no meio dessa decisão a gente tinha medo de sair com adesivo no meio da rua. E ter medo de sair com um adesivo na rua não é viver num Estado democrático de direito.

A gente polariza na política e aponta defeitos da política econômica, a gente aponta defeitos da política educacional, a gente não ataca uma pessoa. A gente não ameaça de morte uma pessoa. Isso o outro lado faz. E eu acho que a gente até tem respondido muito bem. A gente poderia jogar o mesmo jogo, você polariza aí desse jeito que a gente polariza daqui também. Mas as nossas lideranças, nesse sentido, tem muita maturidade.

O outro ponto que é válido lembrar é que, por exemplo, o governo Dilma a gente sabe claramente que foi sabotado. Isso foi um projeto político de destruição do legado dos governos petistas, do legado do governo Dilma, pra derrubar a Dilma. A gente viveu muito tempo com a mídia brasileira porrando (sic) os governos petistas, sabe. O antipetismo que tanto se prega, mesmo com antipetismo, a gente chegou no segundo turno e o Fernando Haddad teve mais de 47 milhões de votos. Porque a gente apresentou um projeto pra sociedade, um projeto de país que boa parcela da população ainda acredita e sabe que deu certo. E pode dar certo novamente.

Eu acho que as eleições de 2020 vai ser o primeiro grande teste do governo Bolsonaro. Porque a gente vai nas cidades e colocar no embate ali. Em qualquer cidade vai ter um candidato da direita e um da esquerda. E ali vai ser o grande teste do governo Bolsonaro. E acho que nós enquanto militantes, enquanto construtores de uma sociedade melhor, a gente tem que ser responsável nessa hora. Sabe, não dá pra numa cidade como o Rio de Janeiro – berço político do Bolsonaro e de toda essa milícia que governa o estado do Rio e o Brasil, de modo geral – não ter responsabilidade de colocar o seu projeto político acima de um projeto coletivo”.

Abstinência Sexual para jovens

“Eu acho que essa receita que do nada eles acharam ela já foi testada em alguns momentos e não deu certo. Por N motivos. Primeiro que qualquer adolescente tem o direito de exercer a sua sexualidade. Você ter como política de um governo, política de uma gestão pra prevenção a abstinência isso até me assusta. Porque durante muito tempo, a gente teve nos últimos anos, o começo de uma abertura. E hoje a gente vive totalmente o contrário. A gente sabe que nos espaços periféricos e em qualquer lugar as pessoas transam. E é normal! As pessoas tem que transar mesmo.

Já imaginou o que você da gente se a gente não transasse? Deus me livre! Eu não sei o que eu faria. Sabe, as pessoas tem que exercer a sua sexualidade sim. E é claro que, assim, exercer sua sexualidade de modo seguro. De modo que você não se coloque em vulnerabilidade. Só que hoje a política do Ministério da Saúde é da abstinência. É a do medo. Eu não sei se você viu a nova campanha com aquelas imagens horrorosas. É absurdo isso gente! Sabe, a gente tá voltando em políticas educacionais que remetem, sei lá, à década de 60,70. Não digo nem 90. Em 90 ainda tinha os grupos que faziam resistência, se organizavam.

Hoje a gente tem como uma política de Estado, quase, a política do medo como prevenção. Isso não vai funcionar em lugar nenhum e a gente tem dados que comprovam isso. Até porque a juventude é rebelde sim. Che Guevara dizia isso ‘ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética’. Se proibir mesmo aí é que a gente vai querer transar adoidado.

Eu achoque a saída principal é mostrar que existem opções pra uma prevenção. Você pode exercer a sua sexualidade porque você tem o direito de sentir prazer e ainda assim não se colocar em vulnerabilidade. A gente tem hoje um leque de possibilidades que vão te dar oportunidade de sentir prazer e exercer sua sexualidade de modo seguro. Só que parece que por conta de preconceitos mesmo, de conceitos pré-moldados, de um fundamentalismo barato fundado em algumas religiões – e não tô dizendo de ninguém que é adepto dessas religiões – que entende hoje aquela coisa do ‘eu escolhi esperar’. É legal se você realmente quiser, é seu direito. Mas você impor isso à uma parcela da juventude, você dizer que esse é o melhor caminho pra prevenção é mentira.

E outra coisa é a política de prevenção pelo medo pra gravidez, por exemplo. Como se gravidez fosse uma doença. E não é. Claro que uma gravidez não intencional ela gera suas consequências, assim como a gravidez intencional também vai gerar. Mas a gente tem que lembrar que gravidez não é doença. Não é uma infecção. Tem que lembrar que pra além da gravidez tem as ISTs, tem o HIV e a galera tem como exercer sua sexualidade se preservando pra tudo isso. O Estado hoje não vê assim desse jeito.

Cara, eu acho que o principal (problema que encontro na juventude) não é a desinformação, porque a galera buscava informação (em relação ao período no RAP), mas a informação não era qualificada ou segura. E quando a galera procurava informação procurava com os amigos porque não tinha onde encontrar. Porque não tinha uma política de educação – não tem até hoje. Pra gente levar uma camisinha na escola era difícil. Cansei de ouvir que a gente estava ali pra incentivar as pessoas a fazerem sexo. Mas a pessoa já faz sexo sem a gente incentivar. Acho que existem muitos caminhos (para se informar), mas o problema é democratizar esses caminhos. Como é que a gente faz, por exemplo, com que uma informação de qualidade e segura chegue lá na favela? Porque quando um menino e uma menina vai numa unidade de saúde perguntar aí julgam ele porque ele é muito novo e não deveria estar transando, a menina é muito nova e não deveria estar transando porque vai pegar uma barriga”.

Prevenção

O principal de me conhecer um pouco mais é saber, assim, que eu tenho muitas possibilidades de sentir prazer, de conhecer o meu próprio corpo, de ser feliz e exercer minha sexualidade não me colocando em vulnerabilidade. Entendendo que eu posso fazer tudo e tudo me convém de modo seguro. Que eu não preciso me privar de nada por conta de algum medo ou de algum tabu.

Mas foi difícil. Também não é algo simples. Quando eu comecei era uma problemática. E aí depois que eu comecei a descobrir um monte de coisas eu vi que não tinha nada disso. Eu posso fazer seguro, tranquilo e curtir minha vida exercendo minha sexualidade. Sexualmente falando, o que eu mais gosto de ter vivido nessa caminhada de luta na prevenção é isso. É poder ser livre.

“(Sobre a infecção por HIV entre jovens) Acho que esse (motivo) é o principal (a não democratização da informação). Particularmente falando. Porque quando a gente pega, por exemplo, um espaço que houve uma construção em educação sexual e reprodutiva você vê que os índices são menores (de infecção por HIV e IST). Quando você tem, por exemplo – e é muito raro encontrar isso – uma escola que minimamente dialoga isso nem que seja na aula de Ciências.

Você sabe que quando as pessoas conhecem seus direitos, quando a pessoa tem informação, mesmo se acontecer algo ela sabe onde, com quem e como recorrer. À quem procurar pra amenizar a situação. Então o principal ponto é esse. Acho que a falta de democratização da informação é um ponto que eu bato muito na tecla. Não dá pra criar, por exemplo, uma campanha pra todo mundo. Não rola. Cara, a população LGBT faz o sexo de um jeito, os evangélicos também transam e fazem o sexo de um jeito, o povo preto fala de sexualidade de um outro jeito com sua linguagem e práticas próprias.

“(Sobre o estigma do HIV) É um ponto muito delicado de se conversar, de se debater com adolescentes e jovens. Eles até falam de sexo, mas se tocar no papo HIV o assunto começa a morrer e tudo mais. Eu acho que o principal ponto são dois caminhos. Primeiro a gente mostrar que hoje existem possibilidades, como eu falei aqui várias vezes, de você exercer sua sexualidade de um modo seguro. Estar prevenido. O segundo ponto é dizer que assim: a infecção pelo HIV ela não é o fim do mundo. É claro que existem problemáticas, não é um mar de rosas. A gente sabe que existem estigmas, a família às vezes não aceita muito bem e até aceitar é um processo. Às vezes até pra você se aceitar é um processo, imagina pra sua família. Mas HIV não é mais como nos anos 80. Não é aquela doença que as pessoas não falavam nem o nome.

A gente tem hoje o I=I (Indetectável = Intransmissível) onde a pessoa consegue realizar suas fantasias, seus desejos e sexualidade de forma plena e tranquila. E as pessoas não sabem disso. Você pergunta o que é I=I e as pessoas nunca ouviram falar. As pessoas acham que se infectou pelo HIV e acabou o mundo. Pode nem mais beijar na boca. Essa informação é a que falta chegar, desse jeito. De um jeito que a galera consiga entender.

“(Sobre o baixo uso de camisinha entre jovens) Acho que tem dois pontos interessantes nisso. Primeiro é entender porque a juventude não quer usar camisinha. Não é só de achar que ‘ah se eu me infectar por HIV eu vou tomar uma pilulazinha e a mágica vai resolver meus problemas’. Não é somente isso, (mas) muita gente pensa assim. Mas há também muita coisa por trás disso. Há muito machismo por trás disso, do homem se sentir potente ao ponto de ‘não vou usar camisinha. Porque eu vou usar camisinha?’. ‘Ah tô namorando muito tempo porque vou usar camisinha com minha namorada?’.

E acho que o segundo ponto foi até um ponto que eu descobri, sabe. Foi até bom pra mim: de que a camisinha também pode dar prazer. A pessoa pode brincar com a camisinha, realizar algumas práticas que vão ser prazerosas pra ambos os parceiros que estiverem fazendo o ato sexual. A camisinha não é só uma estratégia de prevenção. Você pega por exemplo a camisinha pra vagina, que tá sendo muito discutida agora por conta do anelzinho, como ela pode dar prazer com algumas técnicas, tem a técnica de utilizar a boca. Enfim. Acho que a gente tem que trabalhar nessa linha e a gente não trabalha.

Importância do Projeto

“Eu acho que hoje essas instituições que se chamam de terceiro setor elas hoje cumprem um papel mais importante, na promoção de direitos sexuais e reprodutivos e na prevenção ao HIV/AIDS e as ISTs, do que o próprio Estado. Muitas vezes essas instituições fazem o papel do Estado. No acolhimento, no aconselhamento, na oferta de testagens, na oferta dos métodos de prevenção.

O Estado hoje tá tão aparelhado, a ponto de não querer discutir direitos sexuais e reprodutivos, que essas instituições continuam resistindo. Essas instituições continuam fazendo um trabalho, essas instituições continuam transformando vidas. Não só de um assistido, de uma assistida, mas também da galera que tá militando, que tá lutado e tá ali doando um pouco do seu tempo e da sua experiência. E eu acho que essas instituições merecem todo o meu aplauso. E toda vez que eu tô em algum espaço que eu posso falar eu falo mesmo.

A ABIA mesmo, por exemplo, e eu tô citando a ABIA porque ela é uma instituição histórica pro Brasil inteiro. Tem um trabalho, inclusive, reconhecido fora do Brasil. E acho que muita coisa que o Estado deveria fazer muitas vezes essas instituições provocaram o Estado e as pessoas que construíram o Estado. Às vezes a gente não tem a noção disso de verdade na correria do dia a dia. Mas quando você para em casa assim e pensa que às vezes aquela pessoa só queria falar e você para pra deixar ela fala, você transforma a vida dela num dia. Acho isso muito massa”.

Futuro

“A minha expectativa e vontade mesmo era que tudo melhorasse. Que eu não precisasse sair mais todo dia cedo etc. Mas como eu falei no começo, ainda assim, tem coisas me dado esperança. Ainda que pouquinha, mas no momento em que a gente tá vivendo, a gente tem que se agarra em alguma coisa. Quando eu vejo a galera debatendo uma coisa super importante eu acho isso super massa. Eu acho que a coisa pode demorar muito, mas eu tenho esperança que vai mudar”.

 

Texto e Fotos: Jean Pierry Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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