Warning: Use of undefined constant php - assumed 'php' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/storage/d/d2/36/abianovo/public_html/site/hshjovem/wp-content/themes/ultrabootstrap/header.php on line 108

“O negro está em evidência porque está vendendo”, diz jovem empreendedor da Baixada Fluminense (2017)


Texto: Jean Pierry Oliveira

Negro, jovem, homossexual e da Baixada Fluminense. Todas essas peculiaridades juntas numa só pessoa denotam diversos desafios no dia a dia e podem impactar em certas dificuldades para se estabelecer na sociedade. Mas é através da informação como instrumento de empoderamento que o caxiense Felipe Orel encontra o poder da resistência. Morador do bairro Gramacho, em Duque de Caxias, o jovem esteve presente na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) e aceitou conversar com o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens sobre o olhar contemporâneo de seu dia a dia – pessoal e profissional.

Aos 23 anos, Orel mora com seus pais e duas irmãs de 19 anos que são gêmeas num apartamento. Mas é da época que morava em Salvador, na Bahia, que ele tem as melhores lembranças. “Eu me sentia mais representado lá (como negro). Porque lá o negro tem muito mais evidência do que aqui no Rio. A evidência é na questão da cultura que eles tem lá como os blocos Ilê Ayê, Olodum, que representam muito mais o negro do que aqui no Rio de Janeiro”, diz assertivamente ele. Questionado sobre a diferença do negro soteropolitano para o negro carioca, ele completou: “O que falta (nos negros cariocas) é se organizarem mais. Lá os negros, eu acredito, que são muito mais organizados e entendem a sua cultura, a cultura que veio da África, do que aqui no RJ”. Politizado e imerso dentro das questões afro-brasileiras, Orel afirma que é importante o negro manter-se bem informado acerca de suas questões, pois “quando as pessoas sabem seus direitos, começa a cobrar. Ela entende que faz parte da sociedade e que ela tem sim que cobrar seus direitos e cobrar justiça social, como a questão de políticas públicas, o acesso à universidade, o acesso à cultura e o acesso à informação, principalmente. Porque a informação é muito limitada no Brasil”, afirma. E ressalta: “Porque não vendia, agora está vendendo. Então o negro está em evidência. Até nas propagandas, nas novelas, você vê o negro ganhando evidência. Porque? Porque sabe que vai lucrar com a gente (sic)”.

Mas seus posicionamentos e clareza não o imunizaram contra o peso de ser julgado pela cor da pele. “Já aconteceu comigo na Central do Rio de Janeiro, onde eu estava passando e fui abordado de maneira muito grosseira por policiais com uma arma apontada para mim. Sendo que eu não apresentei nenhum risco e foi o maior susto para mim, porque eu estava andando na rua, indo para as barcas e veio três policiais me abordarem e as pessoas olhando. Foi motivo de vergonha para mim”, revela ele. Dentro de casa também não foi tão fácil. Sua sexualidade foi “tirada a força do armário” e teve que, por conta disso, lidar com a incompreensão dos pais. “Não fui em quem me revelei, foi minha irmã. Ela que falou para minha mãe. Ela falou que viu determinado conteúdo em que eu tive acesso no computador (pornografia) e minha mãe perguntou se eu era gay. E eu falei que sim. E ela depois contou para meu pai. Eles choraram. Choraram porque não tinha nada o que fazer, foi a maneira que eles tinham de extravasar um sentimento que estava guardado”. E completa: “Eu chorei também, mas porque eu sou sensível. Mas pra mim foi normal, porque eu sei que não tem nada de errado comigo. (Eles me) trataram após isso da mesma forma, mas não tenho liberdade de levar alguém em casa. Me incomoda. Porque minha irmã pode levar e eu não posso. É o preconceito mesmo porque eles acham que isso é safadeza. Desde pequenos eles foram ensinados que o certo é homem e mulher e não mulher com mulher e homem com homem. Então, eles têm isso enraizados dentro deles e não aceitam isso. Eles respeitam, mas não aceitam. Eles engolem”.

Mas, sincero, Orel revela que esses preconceitos encontraram espaço durante muito tempo em si próprio. Contudo, aos poucos, foi desfazendo-se deles através da informação e da empatia pelo próximo. “A gente entende que existe certo preconceito, mas eu pelo menos tento a todo o momento questionar meus amigos e todos que estão em volta de mim para se conscientizarem. Sobre a questão do afeminado, a questão dos trans. Até eu mesmo. Quando a gente (sic) tem acesso a determinadas informações a gente começa a se questionar. A gente começa a não ter preconceito com o outro, com quem é diferente. Basicamente, é isso. A questão do afeminado é o jeito de ser da pessoa. Antigamente, como era uma coisa escrachada, era muito usado pra rir. Era uma coisa ridícula. Hoje a gente entende que é o jeito da pessoa, é o jeito dela ser e as pessoas são livres para ser o que quiserem”. O medo de sofrer algum tipo de retaliação também o alarma e ele revela que já deixou de usar determinado tipo de roupa por temer comentários ou agressões. Bonito e vaidoso, sempre gostou de relacionamentos, mas já faz quatro anos a última vez que namorou. Segundo ele, “ hoje em dia as pessoas ganharam liberdade e se revelaram. Podem exercer sua sexualidade e encontrar outra pessoa disposta a te satisfazer. Antigamente, pra ter relações sexuais era algo mais complicado. Hoje em dia, com a tecnologia, ficou bem mais fácil isso”.

Outro ponto interessante da conversa foi o seu ponto de vista sobre a hipersexualização do corpo negro que, para ele, “incomoda. Mas ignora. A gente sabe que a sociedade sexualizou a gente. Porque antigamente, os negros, eram objetificados e foram usados pra isso. Às vezes incomoda sim. (Mas) não mexe com minha autoestima”, diz. Autoestima essa que não se manteve tão de pé quando se deparou com a ausência da camisinha durante o sexo. “Foi algo que aconteceu. Quando eu namorava a gente fez sem (camisinha). Foi algo que aconteceu mesmo. Eu senti medo. Foram poucas vezes. Depois a gente fez exame. O sentimento era de que muitas pessoas fazem sem e acabam contraindo alguma doença. Eu tinha medo”, revela. Mas afinal, porque o jovem negligencia tanto a camisinha durante o prazer? Para ele, “algumas pessoas acabam se acostumando e não levando em conta que podem contrair (o HIV). Como se criasse uma capa e “isso não vai me acontecer”. Aí acabam fazendo sem. Eles acham que fogem da realidade deles e acabam contraindo. É mais fácil hoje em dia (ter informação), mas aí acaba confiando no outro, quer ver a cara, mas acaba se deixando levar por isso, vai lá e faz”. E emenda: “Eu não (faria sem camisinha novamente). Porque camisinha é melhor”. E foi esse sentimento que o levou a se voluntariar para participar do ensaio fotográfico do calendário das Prevenções, realizado pela ABIA em 2016. Ele que, eventualmente, trabalha como modelo fotográfico encarou o desafio de posar nu e poder “conscientizar a população”. Com o sexo ainda visto como tabu e tratado dentro da Biologia, Orel afirmou ainda que isso prejudica o enfoque que o debate deveria ter desde dentro de casa até chegar nas escolas, mas “(se) falar sobre sexo, prevenção, acham que vão estar incentivando o adolescente e a criança”, frisa.

Político em suas falas, disse que isso reflete que o Brasil ainda é um país conservador e que tem governantes que “só querem angariar votos, exercer poder e ganhar dinheiro em cima da população carente”, esbraveja. Mas que apesar de não seguir nenhuma religião, sua crença em Deus se mantém firme e se vê instigado pela doutrina espírita. “A doutrina espírita explica o mundo de maneira racional, algo que eu busco pra mim: de não acreditar por acreditar, mas acreditar pelo uso da razão. Não em algo que é isso e aquilo e pronto”. E foi pelo uso da razão que o jovem resolveu apostar no empreendedorismo como forma de trabalho, após 8 meses de desemprego. Com apreço pela Moda, Orel criou uma marca de roupas: a Kryolo. A inspiração do nome veio pela identificação com a estética urbana africana. Sem esteriótipo de gênero, suas roupas focam na versatilidade de cores, estampas e cortes. Segundo ele, “até o primeiro momento, a gente quer ser uma grife popular. Mas estamos planejando algo mais elaborado também: uma grife”, aspira.

Questionado sobre o que espera do futuro, entre o desejo e a realidade, ele diz: “Então, acredito sim que vamos evoluir e que as questões desde a homofobia, racismo e as questões sociais vão melhorar daqui a alguns anos. Eu me vejo independente, morando sozinho e num emprego. Mas eu tenho que ser realista para que não possa haver as ilusões”.

%d blogueiros gostam disto: