Warning: Use of undefined constant php - assumed 'php' (this will throw an Error in a future version of PHP) in /home/storage/d/d2/36/abianovo/public_html/site/hshjovem/wp-content/themes/ultrabootstrap/header.php on line 108

“O candomblé ele me trouxe de volta princípios que eu havia perdido como o respeito e o amor ao próximo”, afirma jovem empreendedor da Baixada Fluminense


“Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”. São nos versos de “Andar com Fé”, de Gilberto Gil, que Anderson de Oliveira (“mas todo mundo me conhece como Dih Oliveira, uma espécie de nome artístico que eu adquiri de um tempo pra cá assim que eu comecei a fazer teatro”) se apegou para seguir vivendo longe de pressões, opressões e repressões causadas por ser diferente “do normal”. Aos 29 anos, o morador de São João de Meriti já viveu a independência que o trabalho e uma momentânea estabilidade pode proporcionar, entretanto, quando o trabalho cessa – e com ele a possibilidade de continuar morando sozinho – é para a casa da mãe que ele voltou e onde atualmente mora, além de seu irmão mais novo.

“Mas voltar pra casa de minha mãe foi acolhedor. Então, eu decidi ficar na casa da minha mãe, dar a ela o suporte que ela precisa e quando eu finalmente estiver estabilizado ou eu fico de vez ou eu sigo meu rumo”. Entretanto, se o aconchego do lar foi reconfortante, o mesmo não se pode dizer da cidade de São João de Meriti, uma das mais atingidas pela crise econômica e violência do Rio de Janeiro. “Isso me causa medo! Eu não temo só por mim, eu temo pelo meu irmão, por qualquer cidadão que sai de casa na madrugada pra trabalhar sem saber se vai voltar. Eu lembro da época em que isso não era tão frequente. Em que a gente podia brincar na rua, quando criança e até mesmo quando adolescente, a gente podia brincar na rua, andar a noite toda, ficar bebendo com os amigos no portão, ficar batendo papo até o dia clarear”, atesta ele. E lamenta: “eu mesmo já fui assaltado duas vezes na porta de casa. Uma saindo pra trabalhar e outra chegando do trabalho. Então é muito complicado isso, porque quase todo dia agora é uma morte”. Mas se superar a violência está além de suas possibilidades, no que tange aos conflitos já enfrentados dentro casa com sua mãe por conta de sua sexualidade – e posteriormente pela religião – a tempestade passou. Mas a bonança tardou a começar.

“Meu pai ele me criou até os nove anos e a minha relação com a minha mãe ela foi muito conturbada porque eu era muito apegado a ele. Então durante o meu crescimento eu tive que aprender a conviver com a minha mãe porque houve uma época em que a gente brigava muito. O tempo passou e a nossa relação foi ficando cada vez mais difícil e a gente começou a brigar justamente pela questão da sexualidade. Porque eu sentia que alguma coisa acontecia comigo e como toda mãe conhece a cria, ela no fundo já sabia e ainda por cima eu não me aceitava. Por causa da incompreensão dela e por causa da religiosidade. Nós éramos evangélicos”, revela ele. E toda essa angústia se traduziu em repulsa e negação sobre si mesmo, segundo conta Dih. Entretanto, como uma bomba relógio prestes a explodir, por volta dos seus 16 para 17 anos ele não suportou viver sob a veste da incompreensão e decidiu abrir o jogo de uma vez por todas com sua mãe. “Eu lembro que eu estava arrumando as minhas coisas pra ir embora, eu queria meter o pé, isso era até no Reveillon, eu queria ir embora e ela disse pra mim ‘não, você não vai embora porque é filho meu, você pode ser o que quiser, mas filho meu não fica por aí perdido batendo cabeça na rua’. Então eu percebi que ela poderia não aceitar, mas ela podia me respeitar, principalmente por eu ser filho dela. Porque se ela não me respeitasse quem ia me respeitar aqui fora? Quem seria por mim aqui fora? Absolutamente ninguém”, diz ele surpreso a época pela atitude não esperada de sua progenitora.

O encontro com o candomblé

Mas se a questão da sexualidade começava a ser amenizada desse ponto em diante, o que causaria novos desconfortos entre mãe e filho seria a religião: Dih, sempre criado em berço evangélico, identificou-se e passou a praticar o candomblé em sua vida. “Isso meio que abalou um pouquinho a relação com minha mãe porque eu já não sentia mais aquela opressão, aquela angústia de morte. Porque quando eu ouvia que o que eu queria pra minha vida, sem as pessoas saberem o que eu queria, era errado eu simplesmente, tive uma época da minha vida que eu pensei que não deveria existir. Eu tinha nojo de mim. O candomblé ele me trouxe de volta princípios que eu havia perdido como o respeito ao próximo, o amor ao próximo que é até mais do que o respeito e é isso. Eu sou um novo homem. A minha família é muito conservadora”. E sobre os motivos que o levaram até a religião de matriz africana são simples. “ (O que o candomblé tem de diferente de outras religiões) é a questão da caridade, misturado ao respeito e ao amor ao próximo. Porque se eu for a outro lugar, que eu até gostaria que as outras (pessoas) não entendessem isso como um ataque ou um discurso de ódio, porque se eu for numa igreja e entrar com o meu fio de conta o pastor vai capetizar. Vai dizer que não é de Deus, que eu tenho que aceitar Jesus ou então vão sacudir minha cabeça até eu cair e dizer que estou endemoniado. Mas numa casa de candomblé, principalmente na minha, eu seria o primeiro a receber um evangélico com uma Bíblia na mão, dentro de minha casa, sem exigir que ele jogasse a Bíblia fora, sem exigir que ele aceitasse os costumes de minha casa, sem exigir que ele colocasse a cabeça nos pés de minha mãe de santo em respeito ao orixá dela, como eu faço. Eu jamais faria isso com um evangélico”.

Porém, mesmo com todos essas características de respeito e temperança para com os demais, Dih teve que enfrentar e sentir na pele desde muito cedo a intolerância e a ignorância daqueles que não conseguem respeitar sua crença. “Eu passei por situações na escola, na época que eu fiz santo, (onde) pessoas que andavam comigo passaram a não andar. Porque eu cheguei na escola carequinha, ninguém entendeu o que houve com o meu cabelo. Aí o fio de conta, porque algumas vezes eu ia com ele atravessado por dentro da camisa, sempre tinha um que enxergava e tipo assim ‘não vou te abraçar por causa desse troço aí’. Eu ia dar aquele abraço e a pessoa meio que me repelia, não queria encostar no meu fio de conta. Ou porque acreditava que eu tinha feito pacto com o satan ou sei lá como eles chamam o capiroto, que na minha crença a gente não conhece ele. Porque quando se pronuncia o nome de Exu as pessoas associam ao diabo, a figura do diabo da mitologia judaica. E não é assim. Mas eu passei sim por essas e outras”, atesta. Mas nada que abalasse ou ainda hoje abale sua autoestima, porque “eu sou feliz com a minha crença. Quem critica a crença dos outros não é feliz com a sua”, sentencia. Dih só perde a confiança quando se depara com casos de intolerância religiosa que vem sendo praticados na Baixada Fluminense – e por todo o Rio de Janeiro – nos últimos meses, com depredações de terreiros. “Isso sim é uma coisa que me entristece. Porque a pessoa ela pode ter o preconceito que for, ela pode não gostar do jeito que for, foda-se. Não me invada a casa de candomblé. Porque a gente não invade as igrejas pra quebrar púlpito. Nós não colocamos o dedo na cara do crente, nós não vamos bater na porta de ninguém pra perguntar se quer ouvir a palavra de Exu. É uma coisa que eu não consigo entender. Eu fiquei muito triste pelo que aconteceu (em Nova Iguaçu) e temi pela minha casa, porque a minha casa fica dentro de uma comunidade”.

Mas para ele, direta ou indiretamente, na Baixada Fluminense ou no Rio de Janeiro, não é mera coincidência que todos esses casos aconteçam justamente no momento em que a cidade maravilhosa é governada pelo prefeito Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e um dos mais conservadores religiosos. “Tudo que foge dos padrões “Crivella” , porque tem o padrão Crivella, está sendo proibido. Os cultos nas casas de candomblé que geralmente são realizados a noite, porque tem fundamento, estão sendo proibidos. Porque? Porque incomoda a vizinhança? Candomblé é antigo rapaz! As pessoas elas não mexiam com a gente, umas por respeito e outras por medo, hoje em dia nenhum dos dois. Porque? Crivella”. E sobre ele, sua opinião á taxativa: “E o que eu acho dele? Um porco! É só isso que eu acho dele e mais nada. Um porco!”

Tem gente que não quer namorar um negro, mas adora fuder com um”

Sem papas na língua é dessa maneira que Dih Oliveira resume as agruras que ser negro, gay (sem a afirmação ou necessidade de ser sempre o ativo), do candomblé e da Baixada Fluminense lhe traz em alguns momentos. Em todas as áreas de sua vida. “Tem empresas que quando você vai preencher a ficha já estão perguntando sobre sua sexualidade e sua religião. Cara, eu posso estar precisando do que for (mas) eu não renego minha crença. Eu não renego a minha escolha, eu não renego quem eu sou. Eu não renego a minha essência. LGBT até o último fio de cabelo”. E quando é para relacionamentos homoafetivos, sai a afetividade e entra a hipersexualização + objetificação de seu corpo.

“Na questão de relacionamento também ser negro e de religião de matriz africana pesou. Porque tem pessoas que não namoram negros por questão de gosto. Tem gente que não quer namorar um negro, mas adora fuder com um. Simples assim. Fora a obrigação de o cara ser negro, ainda ter pirocão e ser ativo. O cara tem essa obrigação porque na mente tacanha de algumas pessoas isso é fundamental. (Já me senti) muito (objetificado) e hipersexualizado. (O negro na comunidade LGBT é visto) somente pelo lado sexual. Porque eu já vivenciei isso. Eu já me apaixonei por um rapaz que era negro e ele não ficou comigo porque disse que eu sou negro. Mas é uma questão de “gosto”, não é nada de mais, você é muito inteligente, você é isso e aquilo, mas é uma questão de gosto e “não gosto de negros pra namorar”. Mas já gostou muito de mim pra fuder”, diz ele. E como reage a isso tudo? Com a mesma verborragia que lhe é peculiar. “Desde o dia em que eu aprendi “vai tomar bem no meio do seu cu”, isso não me entristeceu mais. De jeito nenhum. Isso só faz com que eu volte o meu olhar para outras coisas que eu as considere mais importante como meu trabalho, dinheiro, conhecimento. Isso é essencial para um ser humano. E se um dia aparecer alguém que tenha essas características em comum comigo e quiser compartilhar durante alguns anos ou uma vida, seja bem vindo”, sucinta.

O que também sempre foi bem vindo em sua vida é a importância da prevenção. Desde os tempos de escola a educação sexual se fez presente em seu dia, pois “eu já era íntimo do pessoal do posto (risos)”. Além disso, esse assunto sempre fora tratado como tabu em sua casa e se não fosse seu próprio interesse e curiosidade sobre o uso preventivo da camisinha, talvez Dih não soubesse como reagir em situações não esperadas. “Na minha casa não se falava abertamente sobre sexo. Talvez se meu pai tivesse conosco em casa ele até falaria alguma coisa, mas desse jeito escrachado, jamais. (Sexo) desprotegido não (fiz), mas já aconteceu da camisinha estourar, aquela coisa toda. Por isso ando sempre com mais de uma. Fui procurar um posto. Porque as doenças elas são transmitidas pelos líquidos e o pênis está toda hora se lubrificando”.

Contudo, a consciência de procurar um atendimento quando algo sai fora do controle nem sempre é a primeira – e nem a última – opção dos jovens, atualmente. Sobre esse modus operandi de viver e negligenciar a prevenção durante suas relações sexuais, Dih critica o pensamento dos mais novos e alerta. “Hoje em dia tem tanta campanha de prevenção. As pessoas não se previnem porque não querem. Gente, pelo amor de Deus, não é sacrifício nenhum colocar uma camisinha e se proteger. Tá se sacrificando transando sem camisinha e você não sabe por onde veio o seu parceiro, com que tipo de pessoa ele transava. As pessoas dizem que usar camisinha é o mesmo que chupar bala com papel. Chupa bala com papel então. Não é sacrifício nenhum”. E completa: “eu conheço pessoas que convivem com o vírus HIV e não é nada fácil. Nada fácil. Porque como se não bastasse sofrermos preconceito por sermos homossexuais, ainda tem a questão do preconceito com pessoas soropositivas. Aí chega a uma altura da vida em que a pessoa soropositiva quer se casar, quer ter alguém ao lado, também se torna muito difícil. Como é que faz? Como é que você conta pro seu parceiro que você é soropositivo? Como é que ele vai te aceitar? Vai depender muito do parceiro te amar muito ou você ter muita sorte. Eu não chamo isso de coragem, o fato da pessoa continuar transando sem camisinha e adquirir a doença e se tratar porque não vai morrer ou vai ter a vida prolongada por mais alguns anos. Eu não chamo isso de coragem, eu chamo de burrice”, esbraveja. Ainda segundo ele, falta ousadia e mais impacto nas campanhas de prevenção que dialoguem com mais ênfase sobre a vivência do soropositivo e todos os percalços enfrentados ao longo da vida para com o tratamento antirretroviral e o estigma, preconceito e discriminação sofrida por todos. “Por isso, mesmo conhecendo há pouco tempo a ABIA e o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens de vocês, eu admiro e acredito que seja o necessário para que todos nós possamos aprender um pouco mais sobre prevenção e a necessidade de nos cuidarmos. Porque não está fácil e cada dia mais estamos sendo impactados pela AIDS”, enfatiza.

Futuro

Se o futuro a Deus pertence, fica para o jovem meritiense o desejo que 2018 traga-lhe as realizações que em 2017 não foram possíveis por conta da crise econômica e o desemprego no Rio de Janeiro. “Atualmente eu não estou trabalhando, mas estou envolvido num projeto muito pessoal que é uma abertura de um espaço de dança em sociedade com uma amiga e é isso que eu quero. Trabalhar fazendo o que eu gosto. Eu acho que isso é uma das realizações que eu queria em 2017: trabalhar com o que eu gosto, com pessoas que eu gosto e ganhando o que eu gosto que é um bom dinheiro. As pessoas que estão fora do mercado de trabalho elas estão, praticamente, se digladiando pra conseguir retornar e se recolocar no mercado. Porque não há condições de ficar tanto tempo parado, até porque eu não gosto. A minha vida sempre foi sair de casa cedo e chegar só pra dormir.

E essa questão do empreendimento não é só a minha pessoa que está aderindo isso. Muitas pessoas estão buscando outras fontes de renda, se especializando em coisas que estão em alta no mercado. No meu caso, eu pretendo trabalhar com dança. O samba de gafieira tá em alta, a dança de salão em si tá em alta e é uma possibilidade em si de eu me estabilizar. Se Deus quiser e Ele há de querer. Então, Ele é que vai decidir quando tudo vai dar certo e enquanto isso eu sigo correndo daqui atrás. É isso. Segue o baile”, finaliza ele tal qual Elis Regina em “Aprendendo a Jogar”. Nesse caso, o jogo da (esperança e da) vida.

Texto: Jean Pierry Oliveira

%d blogueiros gostam disto: