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“O amor é uma construção diária”, diz Vagner de Almeida em roda de conversa na ABIA


Afetividades, encontros, sentimentos e a dificuldade de se relacionar em tempos de AIDS, ditadas pelos aplicativos de relacionamento (ou de pegação), onde todo mundo é de todo mundo e ao mesmo tempo ninguém é de ninguém. Esse foi o mote da roda de conversa “Amor em Tempos de AIDS” realizada na última terça feira (21/03/17), às 18h30, na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), no Centro (RJ).

O amor, o desejo, o gozo e os prazeres foram suplantados pela virtualidade. Debater o amor em tempos de AIDS é problematizar como, especialmente a juventude, vem lidando, ressignificando e exercitando sua sexualidade e comportamento. “Hoje vivemos a era dos aplicativos, da dificuldade de se relacionar, de descobrir a sorologia. Mas e aí? Como amar em meio a tudo isso?”, indagou Vagner de Almeida, coordenador de projetos da ABIA. Seja a realidade desinteressante ou até onde a tecnologia oferta inúmeras possibilidades e opções para conhecer e aproximar outras pessoas, o primeiro questionamento surgido foi sobre o “estar sozinho”, ou seja, como estão amando e porque não conseguem amar. “O amor romântico, idealizado, não é nosso. É algo adaptado em nossa cultura. Eu me acostumei a não ter (alguém) e não estou procurando. E nós gays não temos referências de (outros) relacionamentos gays, o que temos são aqueles relacionamentos heterossexuais”, enfatizou o ativista Lázaro Silva. E completou: “O sexo hoje tá muito fácil também e as relações ficam vazias”. Mas para o também jovem Lucas, “todo mundo está procurando todo mundo, mas ninguém quer esperar ou escutar o que o outro também tem para dizer. Mas eu acho que devemos experimentar toda e qualquer oportunidade, seja como for”, disse ele.

Desconstruindo a questão sexual que é muito elevada na procura por uma relação em detrimento de uma companhia, Almeida exasperou: “Sexo é só uma função dentro de um relacionamento. Eu estou há 33 anos com o mesmo homem e não é sexo 24 horas. É uma construção diária. E isso se faz como num triângulo, onde o A é você, o B sou eu e o C somos nós dois”, advertiu. Uma das convidadas da roda de conversa, a atriz Júlia Dalávia – que dará vida a uma personagem soropositiva na próxima novela das 23 hrs da Rede Globo – afirmou que “muitas das vezes você idealiza um amor de vários jeitos e deixa de perceber aquele que está próximo de você”. Para o psicólogo e ativista Tiago Santos, o amor é algo fundamentado em preceitos religiosos e normativos, onde LGBT’s (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros) estão exauridos dessas possibilidades e seus afetos e relações vivenciadas são crucificadas como erradas ou ainda diminuídas. “Relacionamento é desconstruir. Você tem que seguir em frente para ser livre”, completou Almeida.

“O amor, eu acho, que é de acordo com a sua disponibilidade. De deixar o outro entrar. Temos muitas formas de amar e ser amado e muitas vezes ficamos confusos porque queremos amar de maneira tradicional”, afirmou Juan Carlos Raxach, coordenador da área de Promoção da Saúde e Prevenção da ABIA. A aceitação do outro com suas falhas também foi evidenciado como uma das marcas principais para relacionar-se, porém anda negligenciada por todos diante da idealização do “outro perfeito” – e da falta de paciência. “Eu criei um ambiente seguro para mim e com todas as informações que eu sempre tive, esse poder, eu consegui transbordar a ponto de virar para meu namorado e dizer que sou soropositivo, indetectável e deixar a cargo dele ficar ou não comigo. Meu amor próprio veio e vem em primeiro lugar. Eu amo e amar é para sempre. Eu amo todos os meus ex-namorados. E é preciso de amor próprio para amar o outro”, despiu-se em sinceridade o jovem Y. Aproveitando as questões expostas pela última fala, Almeida questionou: e o medo de relacionar-se com pessoas soropositivas? Existe ou na hora do prazer não faz diferença ter ou não ter o vírus? “Eu sempre cresci ouvindo minha mãe dizendo que tinha que me prevenir ao transar. Mas eu só vim perder minha virgindade aos 21 anos. Eu não sabia nem que o pau babava. E hoje eu tenho um parceiro soropositivo e não sei como lidar com ele gozando em mim, por exemplo”, revelou um dos jovens convidados da roda acerca de como proceder quanto à prevenção dentro de uma relação sorodiscordante. “Não há nenhum exame ou indício que apontou algum infectado via sexo oral. A atenção e o cuidado é necessário para todos nós. Mas deixar de ter o seu prazer seguro, com o seu parceiro, não”, rebateu e respondeu o coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens.

“Eu me fechei muito, acho que eu sou até egoísta nesse sentido, porque eu não amei os caras (sic) que me abandonaram quando souberam da minha sorologia. Então, eu me amo hoje em dia”, revelou L.S. Esse paradoxo de querer amar mas ao mesmo tempo se fechar para o amor como defesa contra as decepções impostas pelo ato não permite a construção de um laço afetivo com outro. Mas para a professora S.B., é a redução da pessoa apenas como soropositivo (aos olhos da sociedade) que limita as possibilidades da mesma de relacionar-se, “como se você fosse apenas aquilo daquele ponto em diante”, disse ela. Outro momento importante foi a afetividade na era pré-AIDS, onde o surgimento de muitas doenças sexualmente transmissíveis não tinha combates específicos para o seu devido controle. “Era muito comum transar com diversas pessoas, algumas positivas, mas nem todas infectaram-se”, contou Almeida. Ele ainda trouxe para o cerne dos debates o conceito de solidariedade como chave para os dilemas da soropositividade e a saída para enfrentar os estigmas e preconceitos. E foi esse sentimento que superou o medo, que afastava parceiros e familiares das PVHA (Pessoas Vivendo e Convivendo com HIV/AIDS). “Nós temos que trazer de volta essa autoestima”, exclamou o coordenador.

Mas a vulnerabilidade da AIDS também vem reconfigurando o amor, pois anteriormente eram os homossexuais que somente se infectavam, conforme se acreditava, “mas hoje em dia muitas mulheres heterossexuais e bem casadas estão se infectando. Então o jogo mudou de figura, é necessário ficar buscando um culpado e tá (sic) incomodando”, apontou S.B. Ela completou ainda que isso caracteriza a “morte social”, que deixa de lado quem não segue a normatividade. “Mas não adianta falar de amor e não amar. Tem que pôr em prática”, encerrou.

Questionados sobre se amar também parte do principio de proteger o seu parceiro, o jovem L.S confidenciou que a alguns anos quando descobriu sua sorologia e resolveu confidencia-la ao seu então parceiro se viu totalmente desamparado. No entanto, fez o oposto quando o mesmo tempos depois veio procurá-lo para pedir amparo e acolhimento. “ Foi estranho pois aquele jovem lá de trás não seria capaz de perdoar e amparar alguém que nunca o amou, mas hoje a pessoa que eu me tornei graças a minha sorologia e amor-próprio sim”, concluiu L.S.

O evento foi divulgado via redes sociais e obteve os seguintes números: 3300 pessoas alcançadas, com 460 visualizações, 114 envolvimentos (respostas), 70 marcações de interesse e 36 confirmações de um total de 417 pessoas convidadas. A roda de conversa “Amor em Tempos de AIDS” foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens em 2017, com apoio da MAC AIDS Fund.

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