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“Nunca acreditei na ideia de que política e religião não se misturam, até por que quando se fala na história de Jesus o abuso aos direitos humanos está presente em toda ela”, afirma jovem carioca em entrevista ao Fala Jovem


Foto: Arquivo pessoal

Consciência e amadurecimento nem sempre são sinônimos. Nem existe uma “receita de bolo” para se seguir, nem ordem cronológica de quando e como elas virão. Ou você tem ou você não tem. E somente o tempo determina isso, mediante o ajuizamento e propriedade de quem é o verdadeiro “senhor da razão”. Mas quando ambas as virtudes se cruzam, pode-se dizer que – além de cair muito bem- faz toda a diferença.

Pelo menos é essa a impressão que se tem ao ouvir e entrar em contato com a personalidade de Sandro Fernando, de 23 anos, entrevistado (remoto) do mês de julho do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens para a seção Fala Jovem. O carioca de Campo Grande, zona oeste da cidade, não se furta em esclarecer e se posicionar acerca de temas que lhe são caros como, por exemplo, a falta de acesso e acessibilidade em sua região, a interseção entre fé, religião e política, pandemia, juventude, prevenção, família e outros assuntos.

Confira a entrevista na íntegra:

 

Apresentação

1R: Me chamo Sandro Fernando Mendes da Silva, tenho 23 anos.

2 – Você reside em Campo Grande, na Zona Oeste do RJ. Quais os principais desafios de morar nesta região? 

R: Olha, morar na Zona Oeste e dizer isso publicamente por si já carrega uma série de rótulos, na maioria deles, infelizmente, negativos. E isso faz com que, de fato, seja um desafio morar em Campo Grande. Alguns pontos que posso citar, por exemplo, é a ausência de teatros, bibliotecas, áreas seguras para lazer, e o que caminha junto disso são os altos índices de violência na região. Hoje, o que se lê nos jornais ou assiste na TV sobre Campo Grande, dificilmente será algo convidativo. Se eu quero ir à um teatro na Praça Tiradentes, por exemplo, preciso pegar no mínimo três conduções para ir e, na volta, sair correndo do espetáculo pra não perder o último trem.

Ou seja, quem mora em Campo Grande e tem uma condição financeira enforcada, dificilmente tem acesso à cultura. Existe falta de olhar para uma região tão rica. Mas, em contra partida, vejo uma crescente de espaços independentes, sem o apoio do Estado, onde pessoas da região podem mostrar sua arte, seu empreendedorismo e, felizmente, portas abertas para debates políticos e exaltação da raça, tão importantes nos dias atuais, como o Segunda Política e a casa As Josefinas, espaços que dão voz às pessoas da região.

3 – Como é a relação com sua família? Mora com eles? 

R: Sim, moro com minha mãe. Então, meu pai faleceu há pouco mais de um ano e cinco meses, depois de sete anos acamado em decorrência de um acidente de carro. Esse acontecimento mexeu muito, obviamente, com minha estrutura familiar. Sou o mais novo de cinco irmãos, na época eu tinha quinze anos de idade e isso me exigiu um amadurecimento que teve extrema importância para a visão de mundo que tenho hoje. Tenho aquela “mãe onça”, com o perdão do trocadilho, mas que se desdobra para nos auxiliar em todas as nossas demandas, com quem tenho uma relação relativamente boa e assim também é com meus irmãos, apesar de ideias conflitantes, mas é coisa de família.

4 – Nós estamos vivendo períodos extremamente polarizados. Isso se reflete na sua família também?

R: Sim e muito, é claro. Não conheço uma só família que não tenha sido afetada. Por vir de uma família grande, em ambos os lados, as ideias se divergem na mesma intensidade. Temos visões políticas, de raça e até sexualidade que não casam e isso gera muito mal estar nos encontros, cria barreiras que precisam ser trabalhadas diariamente, para que se tenha um convívio minimamente respeitoso.

5 – Sobre a pandemia, de que forma o isolamento social causado pelo coronavírus afeta ou já afetou sua saúde mental? E o que tem feito para distrair a mente e evitar os gatilhos psicológicos?

R: Para um forte ansioso, como eu, essa quarentena tem sido um desafio. Existe uma oscilação indescritível e muita insegurança de como estaremos quando tudo isso teoricamente passar. Tive alguns gatilhos e dias difíceis. Mas, apesar disso, na maior parte do tempo tenho estado bem, contando com muita leitura, exercícios físicos e, obviamente, contato frequente com amigos por vídeo-chamada. Tenho até me arriscado a escrever algumas coisas. Além de música, para todos os momentos.

6 – Justamente a Zona Oeste e bairros como Bangu e Campo Grande são aqueles que lideram o ranking dos locais com o maior números de casos por COVID-19. Como você avalia o combate ao coronavírus no Rio de Janeiro?

R: Avalio como fortes jogadas políticas na maioria dos momentos. Apesar de leigo no assunto, vejo as fases de reabertura como uma forte ameaça à nossa saúde. O chamado “isolamento social” nunca aconteceu na nossa cidade, não no meu bairro, pelo menos. Na véspera ao dia dos namorados shoppings foram reabertos com filas e grandes aglomerações.

Com o relaxamento das medidas, todo fim de semana circula imagens de praias e bares lotados. Todo mundo quer ter uma vida normal novamente, mas além de cobrar medidas efetivas do Estado, a população deve se conscientizar e começar a fazer o trabalho de casa. Tem sido estranho ver a inconsequência das pessoas, apesar dos mais de cinquenta mil mortos e mais de um milhão de casos no país.

Política e Religião

7 – Você segue ou pratica alguma religião? Se sim, qual?

R: Minha fé tem forte influência da Igreja Católica, muito da forma como vejo o outro e o mundo vem do aprendizado que tive seguindo a religião, seja como coordenador de projeto social ou apenas como seguidor. Hoje tenho fé e acredito em muitas coisas, deixando os rótulos um pouco de lado.

8 – O maior representante da Igreja Católica no mundo, o Papa Francisco, adota posturas e ações mais progressistas do ponto de vista eclesiástico, principalmente para com populações marginalizadas. Como você interpreta isso: uma forma de se aliar a contemporaneidade ou apenas um rito passageiro dentro do Catolicismo? Por quê?

R: O Papa Francisco tem sido um respiro de alívio para muitas pessoas discriminadas pela religião ao longo de tantos anos. Quando Francisco diz que aqueles que rejeitam homossexuais “não tem coração humano”, ele resgata exatamente o amor que Jesus pregava, sem segregar. O Papa abraça casais de segunda união e isso é muito importante. Torço para que todos sejam cada vez mais aceitos pela religião, não só na teoria.

9 – Do ponto de vista institucional, política e religião cada vez mais se entrelaçam no cotidiano brasileiro, inclusive com uma bancada denominada da Bíblia no Legislativo. Como você enxerga essa aliança?

R: Nunca acreditei na ideia de que política e religião não se misturam, até por que quando se fala na história de Jesus o abuso aos direitos humanos está presente em toda ela. Jesus foi um preso político. Vejo essa aliança baseada em muito conservadorismo, o mesmo que não vai de encontro ao que Jesus dizia. Recentemente aconteceu um encontro de diversos líderes com o atual Presidente, vendendo apoio a ele, que vai totalmente contra ao que aconteceu com Jesus quando apoia à tortura e exalta o (Coronel Brilhante) Ustra (militar condenado por torturas durante o período da ditadura militar), por exemplo.

Essas emissoras falam e formam a opinião de milhões de pessoas, deve-se ter um cuidado com o que vêm desses canais. Mas, ao mesmo tempo, temos o Henrique Vieira, que mesmo sendo pastor e político, prega muito do que Jesus dizia, trazendo uma esperança aos nossos dias.

Relacionamento, Prevenção e Juventude

10 – Qual a importância da prevenção em seus relacionamentos?

R: Muito importante. Acho que o mínimo que todo casal deve ter é consciência dos seus atos e as consequências do que isso pode trazer. O diálogo, no caso, é imprescindível.

11 – Você tinha abertura para conversar isso dentro de casa? Ou o assunto era tabu? Quando tinha dúvidas ou dilemas nesse sentido, como buscava resolvê-los?

R: Olha, não me recordo de ter falado sobre prevenção com meu pai, por exemplo, e uma vez que na maior parte do tempo eu tinha a figura feminina, de minha mãe, presente, isso me causou uma certa timidez para falar do assunto, fazendo com que eu fizesse uma busca independente por informação. Hoje, mais maduro, certamente seria capaz de falar abertamente sobre prevenção.

12 – Jovens de 15 a 29 anos são uma das principais parcelas populacionais, atualmente, no que diz respeito aos índices de infecção por HIV/AIDS no Brasil. Ao mesmo tempo, nunca se teve tanto acesso a informações e outras tecnologias. Em sua opinião, o que faz com que a juventude se infecte tanto atualmente por HIV? 

R: Uma série de coisas podem ser causas dessa crescente nos números: alcoolismo, descuido, falta de diálogo familiar, pobreza, etc. Hoje o acesso ao corpo do outro se dá com muito mais facilidade do que há anos. Apesar disso, vivemos em uma sociedade onde falar sobre sexo, prevenção e DST’s (doenças sexualmente transmissíveis) são ou por muito tempo foi tabu. HIV/AIDS está aí desde os primórdios, por que não falar sobre isso?

A informação existe, é claro, mas acho que não se dá e chega de maneira efetiva a todos, como nas escolas e no ambiente familiar. Lembro-me que recentemente um programa de TV foi fortemente criticado, por falar abertamente sobre sexo. Se não falar, conversar, informar, incentivar o cuidado, como as pessoas vão se proteger?

13 – O governo promove desde fevereiro uma campanha focada em abstinência sexual para adolescentes e jovens no Brasil de forma a evitar a gravidez indesejada e reduzir os dados de infecções sexualmente transmissíveis. Você concorda ou discorda dessa iniciativa? Por quê?

R: Discordo, completamente. Não é uma medida eficaz e que converse com a realidade dos jovens. Não à toa, pelo que vi, se tornou piada nas redes sociais. É uma medida com base religiosa e, mais uma vez, conservadora. A Ministra Damares é evangélica, em sua posse vazou um vídeo dela dizendo que “menino veste azul e menina veste rosa”, incentiva pais de menina a fugirem do país e uma série de outras coisas. Não existem medidas efetivas do Estado, com base na realidade das pessoas.

14 – Você é mobilizador voluntário da UNICEF Brasil. Poderia explicar do que se trata esse seu voluntariado? E qual a importância dele?

R: Faço parte de um programa que reúne mais de dois mil e quinhentos jovens por todo o país, trabalhando no compartilhamento de informações verdadeiras. Existem outras vertentes, onde o foco do UNICEF é a mobilização em apoio à criança e ao adolescente, mas com a grande demanda de notícias falsas circulando nas redes sobre a pandemia da covid-19, houve uma necessidade de focar nisso, no momento.

15 – A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) trabalha, bem como o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, envolvida em questões do HIV/AIDS, prevenção, direitos humanos e justiça social para com populações vulneráveis (soropositivos, LGBTs, comunidades, jovens, negros, mulheres etc). Você considera que esses tipos de ações são importantes? Por quê?

R: Sim, muito. Acredito que quanto mais canais nos trazendo informações claras e verdadeiras sobre o assunto, melhor. Aproveito para te agradecer o convite a essa entrevista e parabenizar a ABIA pelo Projeto.

Futuro

16 – Qual sua perspectiva para o futuro?

R: Olha, todo mundo sonha com um mundo melhor e eu não poderia dizer algo diferente disso. Acredito num mundo mais igualitário, com respeito à raça, orientação sexual, crenças e a todos os seres humanos. Vimos a morte de George Floyd, de João Pedro, Ágata e tantas outras pessoas pretas, por serem pretos. Vimos uma Secretária da Cultura exaltar a ditadura. O homem, que hoje é Presidente, já disse que uma mulher não merecia ser estuprada por que considerava ela feia. Vimos, também, terreiros sendo destruídos pelo preconceito religioso. Certamente, o que eu espero, é respeito.

17 – Acredita que sairemos diferentes e que tiraremos lições importantes para o mundo pós-pandemia?

R: Apesar de tantos acontecimentos dizerem que não, sou otimista e acredito sim. Acho que daremos mais valor aos momentos juntos, ao toque, ao olhar. As vidas perdidas, certamente, conhecidas ou não, nos fazem repensar muito o valor que damos ao outro.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

Foto: Arquivo pessoal

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