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Nos EUA, oposição a transgêneros gera aliança entre conservadores e feministas radicais


GREG LATZA/ACLU

No início deste ano, o Estado americano de Dakota do Sul ganhou manchetes por causa de um projeto de lei que proibiria médicos de receitar bloqueadores de puberdade ou fazer cirurgias de confirmação de gênero em jovens transgêneros com menos de 16 anos.

A proposta, que foi aprovada pela Câmara estadual, mas acabou não indo adiante no Senado estadual, tinha apoio de diversos grupos e políticos conservadores que, nos Estados Unidos, são comumente associados a medidas para restringir os direitos dos transgêneros.

Mas, entre os apoiadores, estava também a Women’s Liberation Front (Frente de Libertação das Mulheres, ou WoLF, na sigla em inglês), que se define como uma organização de “feministas radicais dedicadas à total libertação das mulheres”.

Apesar de estarem em lados opostos em diversos temas, como aborto ou direitos dos gays, organizações como a WoLF e grupos conservadores vêm se aliando recentemente em questões relacionadas a transgêneros nos EUA.

“A WoLF é uma organização feminista radical que prega que as mulheres têm o direito ao aborto sem restrições, que se opõe à prostituição e à pornografia e que prega a total abolição de gênero, e não a consagração de gênero nas leis de direitos civis”, diz à BBC News Brasil uma das integrantes da diretoria da WoLF, Kara Dansky.

“E nós descobrimos que, pelo menos nos Estados Unidos, faz sentido ocasionalmente formar parcerias estratégicas com organizações conservadoras que concordam conosco nessa questão [em relação aos transgêneros], mesmo que não concordem com todas as nossas posições.”

Feminismo radical

O feminismo radical é uma vertente do feminismo que surgiu nos anos 1960 e prega a abolição do conceito de gênero. Para essa corrente de pensamento, os papéis tradicionais atribuídos aos gêneros estão na raiz da opressão contra as mulheres.

Desde pelo menos os anos 1970, houve nos Estados Unidos vários episódios de confrontos entre feministas radicais e transgêneros. Mas nem todas as feministas radicais se opõem aos transgêneros, e organizações como a WoLF muitas vezes são chamadas de Feministas Radicais Trans-Exclusionárias (TERFs, na sigla em inglês), termo que costumam rejeitar.

Essa corrente rejeita a identidade transgênero e diz que mulheres trans são homens que alegam ser mulheres. Assim, sua presença em espaços exclusivos para mulheres como, por exemplo, prisões femininas ou abrigos para vítimas de violência doméstica, poderia representar riscos à segurança.

Aqueles que rejeitam a ideia de que mulheres trans possam representar uma ameaça à segurança ressaltam que esse argumento é baseado em casos raríssimos e isolados. Esses críticos lembram ainda que mulheres trans são um grupo vulnerável e sujeito a altos índices de violência.

Outro argumento de algumas feministas radicais é o de que mulheres trans reforçam estereótipos de gênero e representam uma ameaça à igualdade. Para parte delas, o avanço nos direitos dos transgêneros pode ocorrer, muitas vezes, às custas dos direitos das mulheres.

“Nós lutamos pelos direitos à privacidade e à segurança de mulheres e meninas. E é importante dizer exatamente o que esses termos significam. Quando usamos as palavras ‘mulheres’ e ‘meninas’, estamos nos referindo exatamente à sua definição no dicionário, seres humanos do sexo feminino”, ressalta Dansky.

Recentemente, o grupo se aliou a conservadores na oposição a uma lei que previa a inclusão de orientação sexual e identidade de gênero como classes protegidas pela Lei de Direitos Civis de 1964, que proíbe discriminação com base em raça, cor, sexo, religião e origem. O argumento era o de que haveria consequências negativas para os direitos das mulheres caso a identidade de gênero se tornasse classe protegida pela lei.

Nos últimos anos a WoLF —também ao lado de grupos conservadores — apoiou diversos processos envolvendo questões relacionadas a transgêneros em tribunais estaduais e federais e até na Suprema Corte (a mais alta instância da Justiça americana). Em um dos casos, argumentou contra Gavin Grimm, estudante transgênero que queria usar o banheiro da escola conforme o gênero com o qual se identifica, e não o sexo registrado ao nascer.

No caso de Aimee Stephens, que perdeu o emprego como diretora de uma funerária após revelar que era transgênero e voltar das férias usando nome e roupas femininas, a WoLF e grupos conservadores argumentaram em documentos enviados à Suprema Corte que proteções contra a discriminação no local de trabalho com base em sexo não deveriam ser estendidas a transgêneros.

Desde pelo menos 2016, a WoLF participou de ações contra medidas do governo do então presidente Barack Obama para permitir que transgêneros usassem banheiros públicos de acordo com o gênero com o qual se identificam — para o grupo, essas políticas seriam prejudiciais a mulheres e meninas.

Na época, conservadores em vários Estados apresentaram projetos de lei para exigir que transgêneros usassem apenas banheiros condizentes com o sexo que constava da certidão de nascimento, argumentando que, caso contrário, haveria violação do direito de privacidade dos demais usuários.

Tratamentos médicos

Desde o início deste ano, o foco desses políticos passou a ser parte dos tratamentos médicos oferecidos a jovens transgêneros. Dakota do Sul foi o primeiro de pelo menos dez Estados em que foram apresentados projetos de lei para impedir que médicos receitem hormônios e bloqueadores de puberdade ou façam cirurgias de confirmação de gênero em adolescentes menores de 16 anos.

Dansky, da WoLF, testemunhou a favor da proposta em Dakota do Sul, apresentado pelo deputado estadual republicano Fred Deutsch. “Consideramos totalmente inapropriado administrar procedimentos hormonais e cirúrgicos desnecessários em menores”, disse.

Bloqueadores de puberdade são receitados para algumas crianças e adolescentes vivenciando a disforia (ou incongruência) de gênero, descrita como a situação em que “a pessoa sente desconforto ou sofrimento por haver uma desconexão entre seu sexo biológico e sua identidade de gênero”. Isso significa que elas se sentem presas em um corpo que não reflete sua identidade.

Esses medicamentos impedem, temporariamente, o desenvolvimento do corpo ao suprimir a liberação de estrogênio (hormônio relacionado à ovulação e a características femininas) ou testosterona (hormônio masculino), que começam a ser produzidos em maior quantidade durante a puberdade.

Segundo os autores do projeto, o objetivo era impedir esse tipo de tratamento em crianças que podem ser muito jovens para decidir se querem mesmo atrasar a puberdade, e talvez se arrependam no futuro. Mas a proposta foi criticada por entidades médicas e especialistas, que ressaltam que os tratamentos são seguros e citam estudos segundo os quais o acesso a tratamento é crucial para a saúde mental desses adolescentes.

Médicos ressaltam que o tratamento com bloqueadores de puberdade é reversível, e simplesmente permite pausar o processo de puberdade antes que o corpo sofra transformações permanentes, evitando assim a necessidade de intervenções mais profundas no futuro.

As posições de organizações como a WoLF são rejeitadas pela maior parte do movimento feminista e da esquerda em geral, que apoia a luta pelos direitos dos transgêneros. Assim, essas feministas radicais encontraram aliados em políticos conservadores e na direita religiosa nos Estados Unidos, apesar da forte oposição desses setores a outras de suas plataformas, como o direito ao aborto.

Em uma declaração publicada em seu site, a WoLF observa que, enquanto a esquerda responde com ameaças contra mulheres, lésbicas, gays e bissexuais que são “críticos da política de identidade de gênero”, a direita conservadora compartilha suas preocupações.

Entre esses aliados estão as organizações cristãs Liberty Counsel e Alliance Defending Freedom, que têm uma plataforma anti-LGBTQ e contra o aborto. Integrantes da WoLF já participaram de eventos promovidos pelo think tank conservador Heritage Foundation e costumam ser convidadas em programas da rede de TV conservadora Fox News.

Especialistas salientam também que o processo de transição é deliberadamente lento e feito após extenso aconselhamento, com a participação dos pais e de uma equipe médica multidisciplinar. Observam ainda que cirurgias de confirmação de gênero, que podem incluir mastectomia ou reconstrução genital, não costumam ser feitas em menores de 16 anos.

A proposta gerou protestos em frente ao Capitólio de Dakota do Sul, com a participação de pais de adolescentes transgêneros, jovens LGBTQ e organizações como a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês).

“Impedir tratamentos médicos apoiados por todas as principais associações médicas poderia comprometer a saúde de jovens transgêneros de maneira perigosa”, disse à BBC News Brasil a diretora de política da ACLU de Dakota do Sul, Libby Skarin.

Críticas

O projeto de lei em Dakota do Sul faz parte de uma nova onda de propostas legislativas apresentadas neste ano que tratam de questões relacionadas a transgêneros. Segundo Dansky, a WoLF manteve conversas preliminares com legisladores em outros Estados em que projetos semelhantes foram apresentados.

Por enquanto, nenhuma dessas propostas virou lei. Em declaração em seu site, a WoLF lamentou o fato de o projeto em Dakota do Sul não ter avançado. “Médicos em Dakota do Sul continuam livres para esterilizar menores cirurgicamente e quimicamente, como suposto ‘tratamento’ para crianças que alegam sentir que seus corpos não combinam com suas ‘identidades de gênero’ subjetivas”, disse o grupo.

Integrantes da WoLF afirmam que não defendem que ninguém seja privado de seus direitos, mas simplesmente lutam para garantir o direito à privacidade e à segurança de mulheres e meninas. Elas ressaltam que é comum sofrerem agressões verbais e perseguição por expressarem suas opiniões. Muitas foram expulsas de redes sociais ou até mesmo demitidas de seus empregos.

Dansky cita um episódio recente, quando a organização realizou um evento na Biblioteca Pública de Seattle com o título de “Lutando contra a Nova Misoginia: Uma Crítica Feminista à Identidade de Gênero”. O evento, com a participação de centenas de pessoas, ocorreu apesar de um abaixo-assinado que pressionava a biblioteca a cancelar sua realização. Houve protestos e confrontos entre participantes e manifestantes.

Críticos de organizações como a WoLF afirmam que, apesar de representarem uma parcela muito pequena entre as feministas, sua atuação tem impacto, especialmente em um momento em que há um grande número de esforços legislativos nos Estados Unidos para restringir os direitos dos transgêneros.

Esses críticos dizem que a aliança entre organizações como a WoLF e grupos conservadores gera uma falsa impressão de apoio bipartidário a restrições aos direitos dos transgêneros.

“A direita cristã e evangélica está alavancando e se utilizando das vozes de feministas antitrans para influenciar legisladores e para oferecer cobertura a esses legisladores, dando a aparência de que esses projetos de lei contam com uma base de apoio mais ampla do que [realmente] têm”, afirma Heron Greenesmith, analista do think tank Political Research Associates e especialista em monitorar retórica anti-LGBTQI.

Fonte: BBC Brasil News

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