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Mulher da Zona Leste cria modelo de calcinha para transexuais que ajuda a evitar problemas urinários


Foto: Fábio Tito/G1

Foi durante seus plantões em hospitais de São Paulo como técnica em hemoterapia que Silvana da Silva conheceu as histórias que inspirariam o seu negócio. Conversando com seus pacientes, ela percebeu que muitos transexuais e travestis tinham sérios problemas urinários por ficarem muito tempo sem ir ao banheiro, pois utilizavam fitas adesivas ou colas de alta fixação para esconder a genitália masculina. Sensibilizada pela situação, ela decidiu criar um produto que mudasse essa realidade.

“Eu pensei, nossa, é um absurdo a pessoa sair pela manhã e só poder ir ao banheiro à noite, porque a cola da fita só sai a base de água e, mesmo assim, é dolorido. Falei, eu tenho que criar alguma coisa para ajudar”, disse Silvana da Silva em entrevista ao G1.

Assim, Silvana teve a ideia de criar uma peça íntima em formato de funil, em que as mulheres transexuais pudessem esconder a genitália sem precisar utilizar fitas adesivas. E, além disso, que fosse prático e funcional para que elas fossem ao banheiro.

O trabalho começou solitário. Mesmo sem qualquer experiência no mundo da moda, Silvana fez esboços do que viriam a ser os modelos de sua coleção.

Apenas através de desenhos as pessoas não entendiam o que Silvana estava querendo dizer, foi quando decidiu colocar o projeto em prática. “Peguei a linha e o tecido que tinham na minha casa mesmo e comecei a costurar. Aí que começaram a entender”, contou ela.

Preconceito

Mesmo com a ideia nas mãos, Silvana ainda enfrentou muita dificuldade em encontrar alguém que embarcasse no projeto com ela. Nascida em Guaianases, na Zona Leste de São Paulo, ela conta que nunca sofreu preconceito na região por ser negra ou de baixa renda, mas, sim, por sua orientação sexual.

“Eu fui atrás de uma costureira que é outro ponto muito complicado de se encontrar pelo meu público ser LGBT. As pessoas não me discriminam aqui por eu ser negra, porque eu já faço parte aqui da região, mas me discriminam por eu ser LGBT. Eu falava, ‘tem como você fazer isso aqui pra mim?’ e as pessoas falavam, ‘ah, mas é um produto PET, o que é isso?’ E quando eu explicava a situação as pessoas falavam, ‘ah, eu não faço esse tipo de serviço’”.

Depois de muitas negativas, Silvana encontrou uma costureira que fez algumas peças para que ela pudesse vender, porém, por razões pessoais, a costureira teve que se desvincular do negócio.

Silvana procurou outros profissionais e encontrou a designer de modas, Renata Martins, que também mora em Guaianases, e que resolveu abraçar o projeto. “Já costurei de tudo. Adoro fazer peças novas. Quando ela chegou aqui, eu nem poderia pegar o caso dela, mas por ser um projeto inovador e eu nunca ter feito nada do tipo eu resolvi tentar fazer e deu super certo”, disse Renata Martins em entrevista ao G1.

Com o produto nas mãos, Silvana começou a divulgar seus produtos na internet e realizar vendas pelo celular. À medida que o negócio foi dando certo, foi ficando difícil conciliar o trabalho com os plantões noturnos nos hospitais, foi quando ela resolveu largar os dois empregos que tinha como técnica em hemoterapia e empreender.

Empreender na periferia

Silvana vem de uma família simples e seu salário ajudava sua mãe com as despesas da casa. A decisão de largar dois empregos para arriscar em um negócio foi vista como loucura pela família.

“Minha mãe sempre apoiou, mas ela fala, ‘você é doida’. Eu sempre trabalhei em dois empregos, minha média salarial era R$ 5 mil. Então, largar um emprego para vender calcinha, é complicado”, disse Silvana.

Ela diz que acredita que sua maior dificuldade para empreender é a falta de conhecimento. “Eu aprendi no susto”, diz Silvana. O curso técnico em hemoterapia foi conquistado com muito esforço. Depois de ter cursado os estudos em escolas públicas, Silvana trabalhou com educação infantil, e, assim, conseguiu ajudar a família e juntar dinheiro para pagar o curso no SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

Outro ponto que ela se queixa é o dinheiro. “Às vezes você tem ideias, coisas que você quer fazer, mas não tem dinheiro, aí dificulta”. Silvana conta que teve a ideia do modelo de peça íntima no início de 2016, mas só conseguiu juntar dinheiro para registrar a patente no final daquele ano.

Para obter o registro de patente é necessário demonstrar perante o Estado que o produto é uma inovação. No caso de Silvana, ela diz que já existiam peças íntimas para transexuais, ou seja, peças com modelagens mais largas, porém, ela diz que a sua possui um formato inovador.

A ideia de criar uma coleção de moda praia surgiu depois, quando uma influenciadora digital transexual reclamou nas redes sociais sobre a vergonha que passava na hora de colocar o biquíni.

“Ela me disse que entrou na água com fita e quando molhou a fita desfez a amarração, ela teve que sair da água dando passos para trás até onde estava a canga dela para ela poder se cobrir”, conta Silvana.

Com base nesse depoimento, Silvana quis suprir mais essa necessidade de suas clientes e desenvolveu sua coleção de moda praia.

Programa da Prefeitura

Para superar as dificuldades que encontrou quando resolveu empreender, Silvana decidiu participar do Vai-Tec, um Programa de Aceleração de Empresas da Periferia financiado pela Prefeitura de São Paulo. O projeto seleciona 24 empreendimentos e fornece uma premiação em dinheiro de aproximadamente R$ 33 mil, mentoria, e acompanhamento individual para que os negócios se desenvolvam.

A empresa de Silvana foi uma do start ups selecionadas e com a ajuda do programa ela conseguiu formalizar o seu negócio. “Quando eu comecei o Vai-Tec eu só tinha duas modelagens, agora, eu já tenho uma mini coleção de moda praia e moda íntima. Todos os produtos foram testados. Além disso, agora eu sou ME (microempresária)”, diz ela.

Investidores

“Sou negra, LGBT e da periferia, isso implica muita coisa”, diz Silvana quando o assunto são os investidores que poderiam incentivar o crescimento do seu negócio. Porém, ela acredita que a força da ideia faz com que as pessoas passem por cima do preconceito e queiram participar da empresa.

“Até já falaram em comprar minha ideia, mas eu não pretendo vender. Então, eles gostam do produto em si pela rentabilidade, porque dá dinheiro”, diz ela.

A empresa de Silvana cresceu e hoje ela vende produtos dentro e fora do Brasil. Porém, a empreendedora diz que os ganhos da marca, por enquanto, só lhe permitem sobreviver. Segundo ela seu principal sonho é levar a invenção além do seu negócio. “Eu sempre falo que meu sonho é que um dia o uso da fita vire uma lenda urbana”.

Fonte: G1

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