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Mês da Visibilidade Lésbica: ‘Quando olham para mim, veem uma mulher preta e favelada. Minha sexualidade vem depois’, diz MC Martina


Foto: Arquivo Pessoal

RIO – As palavras mudaram a vida da poeta, rapper e produtoraSabrina Martina. Nascida e criada na favela da Pedra do Sapo, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, a MC Martina se apaixonou pela poesia em 2016, quando trabalhava na Flup (Festa Literária das Periferias) e ouviu a poeta Mel Duarte recitar alguns versos. Desde então, nunca mais parou de rimar.

— Aprendi a ler um pouco tarde, com a minha prima, porque sempre tive dificuldade de concentração. Na escola, eu não conseguia aprender, porque sou muito hiperativa — conta Martina, hoje com 21 anos — Eu sempre gostei de escrever, mas sempre tive dificuldade com ortografia. Tenho até hoje. Eu fui para a poesia por isso. Sabia que se eu fizesse poesia, ninguém ia ficar vendo a forma como eu escrevo e nem a minha letra, que é muito feia. A poesia me abraçou.

Martina decidiu compartilhar a sua nova descoberta e criou o Slam Laje, que acontece há dois anos no Complexo do Alemão. O slam é umcampeonato de poesia que tem ganhado cada vez mais popularidade nas periferias do Brasil. Na competição, os participantes têm, na maioria dos casos, até três minutos para apresentarem sua performance — uma poesia de autoria própria, sem acompanhamento musical ou adereços. O texto pode ter sido escrito antes ou pode ser improvisado e não há regras para o formato.

— Eu me apaixonei pelo slam e queria proporcionar isso para minha favela. O Slam Laje é a primeira batalha de poesia que acontece dentro do Alemão e uma das primeiras dentro de uma favela do Rio de Janeiro. Para a gente, isso é muito importante de frisar, porque tem uma representatividade da porra — conta Martina. A final do campeonato, neste ano, acontece no dia 6 de outubro, mas a competição não é o mais importante, segundo a produtora. — O mais importante no slam não é técnica, nem métrica, e sim o sentimento.

O sentimento está nos versos de Martina e fora deles. Foi em uma batalha de slam que ela conheceu sua namorada, a também poeta Jaqueline Alves, em 2018. As duas se relacionam a distância há um ano, pois Jaque mora em São Paulo.  Desde a infância, Martina era chamada de “sapatão” por familiares e amigos, mas conta que nunca aceitou ou soube lidar com o rótulo.

— Isso me foi apresentado de forma violenta e agressiva. Para mim ser lésbica e gostar de mulher era algo ruim, que ia me mandar para o inferno — afirma a poeta — Estou começando a me aceitar e me reconhecer agora — completa.Em entrevista à CELINA no Mês da Visibilidade Lésbica, Martina falou sobre a sua vivência como mulher negra, lésbica e moradora de favela no Rio de Janeiro. Ela participa, no dia 24 deste mês, de uma roda de conversa no Complexo do Alemão que vai debater o assunto. A poeta conta que ainda está em um processo de descoberta da sua sexualidade, mas é categórica quando diz que qualquer preconceito que tenha sofrido em função do seu gênero ou orientação sexual não é mais violento do que aquilo que tem de enfrentar por ser “preta, pobre e periférica.”

— A minha sexualidade não é o que mais me afeta. O que me afeta é a cor que eu tenho, é morar onde eu moro.

CELINA: Agosto é o mês da Visibilidade Lésbica. Você sente que as lésbicas, em geral, são invisibilizadas?

Com certeza as mulheres lésbicas são invisibilizadas. Quando você é preta, pobre e periférica, mais ainda. Mas as pessoas confundem muito a discussão, principalmente dentro da militância, e acham que raça vem depois de gênero. Isso nunca vai entrar na minha cabeça, porque por mais que eu namore uma mulher, quando as pessoas olham pra mim, elas veem uma mulher preta, favelada e depois veem a questão da sexualidade.

Essa invisibilização das mulheres lésbicas também acontece no slam? Ou esse é um espaço mais inclusivo? 

O slam é mais inclusivo para mulheres lésbicas.  Mas slam é uma coisa e hip hop é outra. O ambiente do rap é machista pra caraca e isso tem que ser dito. O rap é machista. Sou rapper, inclusive, mas tenho que dizer que o rap é machista e excludente para mulheres pretas e faveladas. O slam já é mais aberto. Tanto que, se você vir a maior parte das poetas que estão batalhando pelo slam no Rio de Janeiro, são mulheres bi ou lésbicas. Mas não vamos ser hipócritas, eu falo sem medo nenhum que eu já sofri machismo no slam, porque eu não posso romantizar isso. Existe machismo e racismo na cena do slam. Eu já sofri e ainda sofro com alguns tipos de atitudes racistas e inconsequentes.

Vou fazer uma comparação. Na época da Carolina Maria de Jesus, quando ela era viva, ela sofria racismo de uma porrada de escritor que hoje é ensinado nas escolas, Clarice Lispector, Monteiro Lobato. Sem falar que esses mesmos escritores, não sei se Monteiro tava envolvido, mas outros escritores brancos estavam envolvidos no projeto de eugenia no país. Mas quem está em destaque? A Carolina ou esses escritores? Quem foi silenciada? A Carolina ou esses escritores? Todo mundo conhece Monteiro Lobato, mas o meu sonho é chegar numa escola pública e a galera conhecer a Carolina. Hoje em dia é uma realidade, mas não é tão popular.

Faço esse tipo de denúncia e gostaria que você desse evidência para isso, porque daqui a um tempo, eu não quero ser silenciada pelo racismo. Existe racismo e machismo no slam e isso tem que ser dito e escutado. A galera vem no slam com um discurso tão politizado. Não só no slam, mas nas bolhas dos movimentos sociais e mesas, debates. Mas chega a ser hipócrita essa militância, porque a galera gosta da favela, fala da favela, mas não gosta de quem mora na periferia.

Na sua visão, há mais estigmatização ou aceitação das mulheres lésbicas na favela? Como é a vivência de uma mulher negra e lésbica no Complexo do Alemão?

É muito louco esse rolê de estigmatização e aceitação. Desde cedo, meus parentes, meus vizinhos, as pessoas da escola e várias pessoas próximas a mim, sempre falaram que eu era sapatão, que eu gostava de mulher. Eu nunca aceitei e nunca soube lidar com isso, porque foi me apresentado de forma violenta e agressiva. Para mim, ser lésbica e gostar de mulher era algo ruim, ia me mandar para o inferno, Deus não gostava, era pecado. Não via como algo bom. Sinceramente, tô começando a me aceitar e me reconhecer agora. Minha sexualidade, para mim, é algo muito novo, porque nunca foi e não é, até agora, a maior violência que eu passo. Eu sempre sofri muito mais com racismo na escola e na rua. Eu fui criada debaixo de bala , infelizmente. Cresci desviando de muito tiro, sofrendo muita violência por conta dessa falsa guerra às drogas e por conta do racismo. As pessoas sempre olharam para mim e viram uma pessoa preta de favela antes de uma pessoa lésbica, entende?

Sempre sofri mais com o racismo, por ser favelada, do que por ser lésbica. Mas como eu gosto muito de criança, sempre me identifiquei muito mais com as crianças do que com os adultos, eu sempre tive muito medo dos meus vizinhos e das pessoas ao meu redor terem nojo de mim, por conta da minha sexualidade. Era o meu maior medo. Eu já sentia que as pessoas me tratavam diferente pela cor da minha pele e por eu morar onde eu moro. Preta, favelada e sapatão não dá, né? Mas graças a Deus eu to aí, me aceitando. Só que eu nunca me rotulei como lésbica. Acho importante falar isso. Eu sou uma pessoa publicamente assumida, mas por mais que eu converse com a minha família, já tenha conversado com a minha mãe, eu não sei se me rotulo como tal. Fico só com mulheres, mas a minha sexualidade ainda é algo novo para mim, ainda estou aprendendo a lidar. Não que seja um peso. Pelo contrário, é muito prazer. Mas ainda estou me descobrindo.

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