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Mês da Visibilidade Lésbica: mulheres compartilham histórias de preconceito


Foto: Ilustração Nina Millen

RIO – Conflitos familiares, sexualização da relação lésbicapelos homens e preconceito em relação à aparência. Esses são os pontos comuns entre as histórias de oito mulheres lésbicas que contaram à CELINA sobre discriminação que enfrentam diariamente. No Mês da Visibilidade Lésbica, celebrado em agosto, reproduzimos aqui histórias pessoais que mostram as várias faces do preconceito e como ele afeta a vida de quem o sofre. Muitas vezes, a intolerância está dentro de casa.

‘Espero que você seja a mulher da relação’

“Eu me considero privilegiada por não passar por tantas situações ruins. Mas acho que é porque sou bem feminina. Tem muito preconceito com a imagem. Ninguém olha para mim de longe e reconhece que eu sou lésbica.

Uma das primeiras coisas que escutei quando saí do armário foi a minha mãe falando que a maior preocupação dela era com a minha aparência. Que eu ia virar masculina. Ela me disse que esperava pelo menos “que eu fosse a mulher da relação”. Isso é puro preconceito. Não há apenas um formato para uma mulher nem para uma mulher lésbica. Eu faço unha toda semana, faço o meu cabelo. As pessoas não esperam isso de uma lésbica.

Hoje em dia, por exemplo, as mulheres não têm mais a obrigação de usar salto alto. A minha mãe repara que eu não uso. Mas eu não uso porque eu passo o dia na rua, é desagradável. Mas ela associa isso à minha orientação sexual. O grande medo da minha mãe era que eu fosse um menino.

Eu tenho muito medo também da sexualização. Quando estou com a minha namorada, às vezes, fico até receosa de falar da minha sexualidade porque sempre tem aquela piadinha “ah, então beija”. A gente não é atração de circo. O homem, principalmente, sexualiza muito a lésbica.

Uma vez, eu fui filmada na rua enquanto eu me despedia, com um abraço e um beijo, da menina com quem eu estava. Saímos para almoçar e passamos por um ponto de táxi, onde tudo aconteceu. Depois da despedida, eu olhei para os taxistas. Todos eles estavam filmando. A gente os confrontou e eles disseram que podiam filmar porque eram livres, do mesmo jeito que a gente era livre para fazer o que quisesse no meio da rua.”

(Amanda, 31 anos)

‘Meu pai achava que era uma fase, que ia passar’

“Minha mãe descobriu que eu era lésbica pela internet. Eu tinha 16 anos na época. Ela me perguntou, eu admiti para tirar o peso das costas. Quando eu vi, minha mãe estava me perguntando o que tinha feito de errado. As novas gerações vão lidar melhor com isso, mas não a geração dos meus pais.

Com o tempo, eles melhoraram. Meu pai achava que era uma fase e falava que ainda ia me ver entrando na igreja para casar com um homem. Eu sempre deixei claro que não era uma fase. Se não, a pessoa vai levando e não te aceita de verdade.

Tem a questão do estereótipo da lésbica também. Quando você é feminina é mais tranquilo. Uma vez, eu estava em uma festa em Niterói e um cara chegou na minha namorada. Ela sabia lidar com aquilo sozinha, mas quando ele tentou agarrar a menina, eu entrei no meio. Quase fui agredida porque ele virou um animal ao descobrir que ela estava comigo.

Na rua, tem muito preconceito no olhar e nos comentários. Eu e minha namorada andamos de mãos dadas o tempo todo, mas eu seguro um pouco o beijo. Não sei explicar exatamente, mas acho que me coloco na posição de “não incomodar”. Isso é errado: o hétero sempre beija na rua. Mas eu fico na defensiva e tento evitar dor de cabeça. Se eu beijo alguém e falam alguma coisa vai ter problema. Eu beijo, mas seleciono os momentos.

Outra coisa importante também é a representatividade. Quando uma pessoa famosa se assume, mostra para o mundo quem ela é e como aquilo é normal. Acredito que isso ajuda muito. Principalmente para quem está se descobrindo agora. Se sentir representado dá força para parar de esconder quem você é.

Meus pais falavam que tinham medo do que aconteceria comigo na rua. Eu quero falar que a gente também tem medo dessas coisas. Mas quando temos carinho e apoio dentro de casa, o mundo lá fora fica muito mais tranquilo.”

(Winnie, 27 anos)

‘As pessoas confundem sexualidade com gênero’

“Desde pequena, eu sempre deixei claro quem eu era, mesmo sem saber. Hoje, percebo de maneira clara que desviava da ideia que as pessoas tinham do que era uma menina e, mais tarde, uma mulher. Por isso sempre ouvi comentários desagradáveis, problemas em relação ao gênero, de achar que eu parecia um menino. Dentro de casa, isso foi um problema também, e minha mãe chegou a falar sobre isso. As pessoas confundem muito sexualidade com gênero. Até hoje o fazem.

A primeira vez que me envolvi com uma menina foi aos 15 anos. Foi também a primeira vez em que vi as dificuldades. O que logo me apareceu foi a sexualização da mulher lésbica na visão dos homens. Alguns amigos homens não reagiram com desprezo, mas sexualizaram a minha relação com aquela menina. Eles queriam ver eu a beijando, queriam me ver com ela.

Eu fiquei dois anos com essa menina, mas escondida. Até que uma pessoa descobriu. Sou de cidade pequena, no interior, então todo mundo ficou sabendo, inclusive a minha mãe. Eu não pude sair mais de casa. A minha mãe chegou a invadir lugares em que eu estava para saber se a menina estava lá também. Tiraram meu celular para impedir que eu falasse com as pessoas. Minha mãe revirava o meu quarto e lia os meus diários. Sofri todas as agressões possíveis.

Até o momento em que minha mãe resolveu me mandar para Goiânia. Com 16 anos, eu fui morar sozinha. Depois de anos de enfrentamento, muita marra, sem abaixar a cabeça em nenhum momento — apesar dos comentários e das violências — eu peguei a minha namorada da capital e a levei para dentro da casa da minha mãe.

Foi um processo. Até hoje as pessoas não acreditam que ficou tudo bem. Eu sofri muito no mundo, mas o que sofri dentro de casa tem um peso muito maior. É isso que eu guardo comigo: o mundo é ruim, mas passar essas coisas dentro de casa é muito pior.”

(Vitoria, 21 anos)

‘Me colocaram na terapia para tentar me corrigir’

“Eu me descobri lésbica muito nova. Tinha 13 ou 14 anos. Estava tudo confuso porque eu tentava entender o que estava sentindo. Foi quando meus pais descobriram.

Eles choraram, brigaram e me colocaram contra a parede diversas vezes. Me forçaram a explicar algo que eu ainda não entendia. Foi uma época muito ruim da minha vida. Meus pais acabaram me tirando do colégio onde eu estudava. Também tiraram o meu celular e me deixaram totalmente sozinha. Eles achavam que era alguma má influência ou uma fase e que, se me tirassem de perto daquelas pessoas, eu voltaria a ser “normal”.

Comecei a fazer terapia. Mas não foi para me ajudar a entender quem eu era. Foi uma tentativa de me “corrigir”. Passei por duas psicólogas e elas me ajudaram muito. Duas porque a primeira disse que eu era uma pessoa normal e que sentia atração por mulheres. Não era o que os meus pais queriam ouvir, então eles me tiraram da terapia.

Foi ela quem diagnosticou a minha depressão. Tentei ir para um psiquiatra, para ter ajuda com remédios, mas a minha família não deixou. Meus pais não conversavam comigo para saber se eu estava bem, eles queriam roubar informações para saber como me punir.

Depois de uns quatro meses na escola nova, eles finalmente viram que eu estava definhando. Voltei para a escola antiga, mas absolutamente todos os inspetores, professores e coordenadores me perseguiam e lançavam olhares horríveis. Até dentro do banheiro.

Dois anos depois, a minha mãe morreu sem ter me aceitado. Ela era mais coração mole, acho que uma hora me aceitaria, mas ela morreu sem que falássemos sobre isso.

Fiquei mais próxima do meu pai, que sempre foi presente, mesmo separado da minha mãe. Resolvi conversar de novo com ele. Falei que estava namorando com uma garota, de quem ele tinha gostado quando foi apresentada como minha amiga. Ele chorou e parou de falar comigo por mais um tempo.

Hoje, conversamos numa boa e ele adora a minha namorada. Minha madrasta aceita também, mas ainda sinto resistência da parte dela. Meu padrasto sempre foi mais invasivo, e meus avós choravam.  Hoje, todos já aceitaram, mas não usam a palavra namorada. É o jeito deles.”

(Victória, 23 anos)

‘Quando mudo de emprego, penso se vou ser bem-vinda’

“Uma coisa interessante para refletir é sobre o nosso trabalho. Toda vez que preciso mudar de emprego, surge o medo de assumir a minha verdade naquele ambiente. Fico com medo de ganhar um chefe conservador e preconceituoso — ou uma equipe assim. Acabamos começando a viver escondidas novamente. Não é sair falando para todo mundo “sou lésbica”, mas não ter a preocupação de citar a minha namorada durante uma conversa. Nunca passei por nada tão explícito, mas o medo existe.

Temos que pensar também em como a violência afeta não só a vida da pessoa que foi violentada, mas a vida de todos ao redor. Uma vez, eu estava saindo com uma menina pela primeira vez. Fomos para Botafogo, ficamos conversando e eu percebi que ela estava desconfortável. Quando fomos embora, ela me disse que queria muito ficar comigo, mas que tinha passado por uma situação violenta. Tinha medo.

Um táxi parou o carro no meio do Aterro do Flamengo para agredir a ela e a menina com quem andava de mãos dadas. Hoje, ela tem medo de demonstrações públicas de carinho, mesmo as mais simples. A gente carrega isso dentro do peito e, sem dúvida, afetamos as pessoas ao redor. Eu fui afetada.”

(Milena, 21 anos)

‘O que mais me afeta é a ignorância das pessoas’

“O que mais afeta, na minha opinião, é a ignorância das pessoas, são os comentários. Há dois dias eu estava fazendo um trabalho de campo. Uma pessoa estava ao lado de uma cachorrinha, que acabou lambendo perto da boca dela. A mulher comentou: “não me beija porque eu não sou sapatão”. Eu não sei se foi brincadeira ou não. Mas foi pejorativo. Daí vem o medo de não saber nunca como as pessoas vão lidar com você.

Eu fiz faculdade fora da minha cidade natal. Quando estava olhando as universidades, me preocupava mais com a cidade onde aquela faculdade ficava do que com qualquer outra coisa. Me perguntava como aquele lugar ia ser em relação a mim. Se a cidade era pequena ou não, porque nesse lugares costuma ser pior. Eu pensava se me sentiria mal, se era um lugar muito religioso, essas coisas.”

(Mariana, 21 anos)

‘Sou mulher, negra e lésbica’

“Eu demorei para me assumir porque escutava minha mãe sendo muito preconceituosa. O ciclo social dela era assim. Ela falava muito mal, de maneira pejorativa, da comunidade LGBT em geral.

Um dos nossos maiores desafios é nos sentirmos confortáveis dentro de nossas casas, sermos quem somos. Esse foi o meu maior desafio. Eu escutava muita coisa, preconceitos enraizados que a minha mãe repetia.

Acho que eu nunca recebi comentários na rua, mas o olhar é complicado. Sou mulher, negra e lésbica. Não estou dentro do padrão das pessoas, nunca estive. Eu acho que eu nunca quis perceber o que acontecia na rua para não me importar. Se fizesse isso, eu ia sempre me sentir mal. Afinal, faço parte de várias minorias, né?.

(Alessandra, 22 anos)

‘Aos 14 anos decidi arrumar um namorado’

“Foram marcantes os momentos em que eu percebi que as pessoas me viam diferente e me tratavam diferente por eu ser fora do padrão.

Na minha família, acho que o momento mais complicado foi quando a minha mãe descobriu quem eu era. Com 12 anos, eu já sabia o que sentia pelas meninas. Não sabia como lidar com aquilo, mas sabia que eu me sentia da mesma forma que as minhas amigas se sentiam pelos meninos.

Eu tinha 13 anos quando fiquei com uma menina pela primeira vez. A minha mãe descobriu quando me ouviu contando sobre isso para uma amiga pelo telefone. Poucas vezes eu a vi tão transtornada. Hoje, conversamos naturalmente sobre isso mas, na época, escutei coisas horríveis como “você é a maior decepção da minha vida”; “você vai pro inferno” ou “isso não é coisa de gente direita, com caráter”.

Ela dizia não querer que eu sofresse. Se pudesse escolher, era melhor que eu escolhesse não ser assim. Aos 14 anos, eu decidi arrumar um namorado. Fiquei muito tempo com ele, mas não me sentia bem. Não era apaixonada por ele, não tinha vontade de passar o meu tempo com ele. Me forcei a fazer tudo porque ia deixar minha mãe orgulhosa e feliz.

Nessa mesma época, eu tinha uma amiga muito próxima na escola, por quem eu não sentia nada. Eu sempre fui muito zoada por gostar de jogar bola, não ligar para aaparência etc. Um dia, quando nos despedimos, as duas viraram o rosto para o mesmo lado e demos um selinho. A gente riu, não foi nada, mas no dia seguinte ela não falava mais comigo.

Perguntei para o namorado dela o que estava acontecendo. Ele disse: “olha, eu sei que não é verdade, mas depois que você saiu, as pessoas ficaram zoando ela, falando que você era apaixonada, que ia agarrá-la e qu ela precisava ter cuidado”.

Decidi me assumir com 17 anos. Comecei a ter consciência de quem eu era, conheci pessoas como eu, que tinham os mesmos medos. Tive minha primeira namorada com 18 ou 19 anos. Um dia mandaram uma foto nossa para os pais dela. Ela ficou fora de casa um mês e chegou a ser agredida. Foi muito difícil lidar com isso. Mas não foi a última vez que isso aconteceu. Outras duas namoradas minhas já apanharam por estarem em um relacionamento comigo. Eu me culpei, mas sabia que o problema era a cabeça doente das pessoas.”

(Talita, 23 anos)

Fonte: O Globo

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