SÃO PAULO – Mais de 60% dos 96 distritos da cidade de São Paulo registraram algum tipo de violência contra pessoas LGBTIs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais ) em 2018. É o que mostram os dados do Mapa da Desigualdade 2019, divulgados nesta terça-feira pela Rede Nossa São Paulo. Segundo o levantamento, a região da República, no centro da capital paulista, concentra o maior número de casos do tipo: foram 18 registros só no ano passado. O número é 7,5 vezes maior do que a média de toda a cidade, de 2,4.
De acordo com a professora de Urbanismo da FMU Luciana Itikawa, responsável pela junção dos dados de Direitos Humanos do Mapa, 40,3% de todas as 226 violências registradas na cidade contra LGBTs no ano passado foram praticadas dentro de casa, 32,3% ocorreram em espaços públicos e 27,4% em comércios, serviços ou instituições.
— Tem uma intolerância dentro das próprias famílias, uma violência praticada entre quatro paredes. Inicialmente, imaginávamos que os dados mostrariam um conflito entre pessoas em espaços públicos, entre LGBTIs e conservadores, mas o grande reduto de conservadorismo é dentro da própria família.
Atrás da República está o distrito da Penha, na Zona Leste de São Paulo, com 11 casos de violência, seguida por Cidade Ademar, na Zona Sul, com 10 casos. Áreas nobres espalhadas pela capital também estão no topo do ranking. Na Consolação, foram sete casos; Bela Vista, seis casos; Pinheiros, quatro casos; Jardim Paulista, quatro casos; e Itaim Bibi três casos. Ao todo, 62 distritos (64,5%) apresentaram algum tipo de violência. Para a pesquisadora, a violência doméstica contra pessoas LGBTIs explica o fato de o Mapa da Desigualdade apontar locais de perfis tão diferentes no topo da lista:
— O fato de não estar tão concentrada em locais de maior convivência LGBTI mostra que a violência ocorre dentro de casa. Fatores como escolaridade e renda também não foram impeditivos para que a violência ocorresse. A violência tem muito a ver com acesso a Direitos Humanos, e isso não está acontecendo, está completamente ausente — afirma.
O levantamento levou em consideração crimes como homicídio, tentativa de homicídio, estupro, lesão corporal, maus-tratos, calúnia, difamação, injúria, constrangimento ilegal, ameaça e invasão de domicílio. Os números da violência LGBTI foram levantados via Lei de de Acesso à Informação com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Apenas 34 dos 96 distritos de São Paulo não tiveram nenhum registro de violência contra LGBTIs. Entre eles, estão Bom Retiro, Ipiranga, Moema, Mooca, Morumbi e Tremembé.
A violência homofóbica ou transfóbica se enquadra como discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, e passou a ser considerada crime pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 13 de junho deste ano. Os ministros consideraram, por 8 votos a 3, que atos preconceituosos contra LGBTIs devem ser enquadrados no crime de racismo, com pena de um a três anos, podendo chegar a cinco em casos mais graves.
Para Symmy Larrat, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), os dados refletem a vulnerabilidade da segurança na região da República, que concentra um maior número de bares e boates LGBTIs:
— É uma região que pessoas de fora de São Paulo frequentam para vivenciar a sexualidade e a identidade, porque não conseguem fazer isso em bairros periféricos ou em outras cidades. Vão para lugares em que não há gente para monitorá-las. Mas não há interesse (do poder público) em melhorar o lugar. Eles querem tirar os LGBTIs de lá — critica.
Violência contra a mulher
O indicador de Direitos Humanos do Mapa da Desigualdade 2019 também levantou dados da violência contra a mulher. Assim como no caso de LGBTs, a região central de São Paulo lidera o ranking de feminicídios em 2018. O distrito da Sé, localizado ao lado da República, teve o maior número de mortes de mulheres cometidas por razão da condição do sexo feminino. Foram quase nove ocorrências do tipo para cada 10 mil mulheres que tinham entre 20 e 59 anos. Em segundo lugar está o distrito da Barra Funda, com uma taxa de 6,11 e, em terceiro, Vila Guilherme, com 3,5.
Ao todo, 259 mulheres foram vítimas de feminicídio em São Paulo no ano passado. Apenas 20 dos 96 distritos da capital não registraram crimes contra mulheres em 2018, entre eles Bela Vista, Moema, Pinheiros, Brás e Bom Retiro.
Em relação à violência geral contra mulheres, dado que inclui homicídio, tentativa de homicídio, lesão corporal, violência psicológica, violência moral e estupro, o número de casos em toda a cidade passa de 82 mil. Novamente, a região da Sé aparece como a mais violenta para as mulheres, com 803 casos notificados, seguida de Barra Funda (651 casos) e Brás (580 casos). Vila Andrade (102), Perdizes (112) e Alto de Pinheiros (132) são as três com menor número de casos violentos.
— Os dados são chocantes na cidade mais rica do país. Mas, se por um lado a informação choca, por outro mostra que somos capazes, de alguma forma, de construir soluções porque há um conhecimento instalado em alguns distritos da cidade — completa Jorge Abrahão, coordenador da Rede Nossa São Paulo.
Racismo
A violência racial também é retratada no tópico Direitos Humanos. De acordo com os dados divulgados, em todo o ano de 2018 foram registrados 1.536 casos de racismo ou injúria racial na cidade de São Paulo. Mais uma vez, a região da Sé aparece como o local com o maior número de notificações: 13 casos. O segundo pior lugar é a Barra Funda, com uma média de 7,6 casos, seguida por Jardim Paulista, com 6,9 notificações. Apenas os distritos de Marsilac, Jaguará e Alto de Pinheiros não tiveram casos de racismo e injúria racial.
Expectativa de vida
O Mapa ainda revela uma grande diferença da idade média ao morrer na cidade de São Paulo. Enquanto moradores da região de Cidade Tiradentes, extremo Zona Leste da capital, vivem, em média, até os 57 anos, os que moram em Moema, área nobre da capital, vivem até os 80 anos. A média geral na cidade é de 68,7 anos. O indicador utilizou dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde.
Para Luciana Royer, professora do grupo de disciplinas de Planejamento Urbano da FAU-USP, a desigualdade multifacetada revelada pelo Mapa tem reflexos diretos na questão do espaço urbano.
— Temos de trabalhar no sentido de distribuir melhor a cidade entre todos os distritos da capital. Boa parte das dimensões da infraestrutura são questões metropolitanas, não apenas municipais. Precisamos pensar na metrópole como um todo, na mancha urbanizada das grandes cidades brasileiras. Sozinho, o município não consegue resolver os problemas.