O uruguaio Eduardo Levaggi Mendoza, de 62 anos, perdeu tudo que tinha depois de ser expulso de casa duas vezes, em Madri, por inadimplência. Atualmente, recebe 380 euros mensais do governo espanhol, de uma pensão não-contributiva, e mora em um apartamento de uma fundação que defende os direitos LGBTs na capital espanhola, a Fundação 26 de Dezembro, compartilhado com outro companheiro, também gay, e dois animais: uma gata, Victoria, e um cachorro sem nome.
Além da fragilidade econômica, o cientista político perdeu 65% da visão e tem insuficiência respiratória. Sem “plano B” para o futuro, já manifestou ao presidente da Fundação 26 de Dezembro, Federico Armenteros, a intenção de morar no asilo LGBT que deve ser inaugurada no começo de 2020. “Seria participar de um grupo com um interesse comum “, define o uruguaio.
As obras, estimadas em 2 milhões de euros, começaram há 15 dias em um edifício da Comunidade de Madri (governo regional), no bairro de Villaverde, sul da cidade, contou Armenteros à coluna nesta terça-feira (13). Devem ser concluídas no primeiro bimestre do ano que vem. Em um primeiro momento, 62 pessoas poderão viver na primeira iniciativa do tipo pública do mundo. Além de Mendonza, há uma lista de 20 idosos LGBTs interessados em compartilhar, em suas palavras, “um teto sem armários”.
Conhecido pelo apelido de “la gringa” no bairro de Lavapiés, o americano e professor de inglês David Clayton, de 65 anos, superou um câncer de próstata que poderia o ter levado à morte. Em janeiro de 2012, quando trabalhava em uma universidade na Bratislava, capital da Eslováquia, foi diagnosticado com a doença. Foi operado, mas traz sequelas: sua bexiga foi praticamente eliminada e um tumor remanescente o obriga a ir ao médico regularmente. “Está ficando cada vez mais difícil para me vestir. Tenho que usar fraldas por causa da incontinência (urinária), e agora com as dores nas costas é mais difícil. Em breve precisarei do apoio de uma residência. Não sei quando vai abrir, mas espero que soon “, diz, misturando inglês e espanhol.
Com uma saúde cada vez mais debilitada, Clayton, que se define como “não binário” (não se identifica com os gêneros masculino, nem feminino), concentra todas as suas esperanças na futura residência da Fundação em 26 de Dezembro. Entre as motivações, diz que não quer passar os últimos dias de sua vida falando sobre filhos e netos (que ele não tem) com heterossexuais. “Acho que sou um pouquinho heterofóbico. Me desculpem”, brinca. Ainda diz que se sentirá mais protegido da homofobia e do bullying e que também quer poder “jogar bingo gay”, que “é muito mais divertido do que o hetero”.
A motivação de Clayton é compartilhada com a da feminista e militante LGBT Rosa Araúzo, de 74 anos. “Entre estar em uma residência tradicional e outra onde estou com minha comunidade, por quem luto, e tenho uma total compreensão intelectual e emocional, a escolha é clara”, disse. Ela é bissexual, mãe de seis filhos (incluindo uma transexual e dominatrix), e avó de sete netos. Manteve relações heterossexuais por 40 anos e lésbicas por 30 anos. “Hoje, sou uma mulher bissexual que atualmente está em uma fase que chamo de ‘livre dispositivos'”, diz ela, explicando que não tem se relacionado sexualmente com ninguém.
Nascido em Cuba, Juan Carlos Aguilar, que é homossexual, encontrou refúgio na Espanha por uma motivação dramática: foi expulso de casa pelo pai aos 16 anos quando “saiu do armário” no período em que o país era governado pelo ditador Fidel Castro, que perseguiu LGBTs por décadas na ilha. Em Madri, trabalhou por mais de 30 anos como gerente de vendas de uma multinacional americana, mesmo sem diploma universitário, e atualmente, aos 65 anos, é voluntário. “Pagarei por um serviço inclusivo”, diz ele, sobre viver em um asilo LGBT.
O ponto de partida para os interessados em viver na futura residência é manifestar interesse ao serviço social da Comunidade de Madri. Depois disso, será feita uma lista de espera. Dois critérios serão aplicados para completar as 45 vagas públicas: alto grau de dependência física ou vulnerabilidade econômica. Até 12 vagas podem ser preenchidas por pessoas à beira da morte, na chamada área paliativa, localizada no quarto e último andar. As outras cinco outras vagas serão privadas, para quem puder pagar.
Para Armenteros, o projeto de residência é como uma “reparação do Estado” a um grupo que foi marginalizado e reprimido por quase quatro décadas durante a ditadura de Francisco Franco (1939-1975). “É um projeto social, uma luta da própria sociedade”, defende. Ele conta que a ideia ganhou força depois da aprovação, no parlamento regional, da Lei de Proteção Integral contra a LGBTfobia, em 2016.
Embora o edifício da futura residência seja propriedade da Comunidade de Madri (a Fundação 26 de Dezembro irá administrá-lo), o projeto não foi discutido na Assembleia regional. Armenteros fez uma articulação política nos bastidores e conversou com lideranças específicas, como a deputada transexual Carla Antonelli, do Partido Socialista e Trabalhador Espanhol (PSOE), precursora na Espanha. Segundo ela, a residência é necessária porque o respeito não prevalece em todos os espaços de convivência. “Um lar de idosos tradicional pode ser justamente o lugar onde muitos LGBTs se encontrarão cara a cara com pessoas que os discriminam”.
Para o deputado regional da coalizão de esquerda Unidas Podemos Eduardo Rubiño, o fenômeno da solidão dos LGBTs é diferente, já que, ao não corresponder com o padrão tradicional da família heterossexual, perdem um certo “tecido social protetor”. Apesar de seus 27 anos, Rubiño também critica a “mercantilização da causa LGBT”, que desenha um cânone de eterna juventude, corpos sarados, em uma “festa constante”, e insiste: “essa não é a realidade da maioria desse grupo”.
Fonte: Época